Mais abusos de crianças na igreja católica
Desta vez, mais de 216 mil menores de idade foram vítimas de padres e religiosos na França
“Uma criança abusada (sexualmente) é uma bomba-relógio”, disse o cineasta francês François Ozon na época do lançamento de seu filme Graças a Deus (2019), que relata casos de pedofilia na Igreja Romana francesa. De fato, vítimas deixaram de se sentir intimidadas e silenciadas nos últimos 40 anos em todo o mundo e as “bombas” começaram a explodir na cara dos abusadores e da Igreja Católica diante de protestos da opinião pública por ter abafado os casos por séculos.
Segundo um relatório divulgado em 5 de outubro na França pela Comissão Independente sobre os Abusos Sexuais na Igreja (Ciase, na sigla em francês), mais de 216 mil menores de idade foram abusados sexualmente no país por algo entre 2,9 mil e 3,2 mil padres e religiosos católicos desde 1950 até 2020. O número pode subir para 330 mil vítimas, se considerados abusadores laicos que trabalharam na Igreja Romana. Para a Comissão, o relatório indica um fenômeno “sistêmico” da igreja.
Segundo Jean-Marc Sauvé, que foi vice-presidente do Conselho de Estado francês de 2006 a 2018 e hoje preside a Ciase, “a Igreja Católica é, fora dos círculos familiares e de amigos, o ambiente em que a prevalência de violências sexuais é mais elevada”. Ele acusa a Igreja Romana de “cruel indiferença” com as vítimas e exige que a instituição seja responsabilizada oficialmente, além de considerar que o número já alto no relatório pode ser ainda maior, pois nem todos os casos foram registrados ou denunciados. A investigação levou cerca de três anos.
Após a divulgação, a Conferência Episcopal da França e o Vaticano, sede do catolicismo mundial, expressaram publicamente o sentimento de “vergonha” e “determinação de atuar” contra os agressores, assim como de transparência nas investigações da “terrível realidade”.
Por que só agora?
Abusos na Igreja Romana acontecem desde que ela se estabeleceu há milênios. Um dos casos conhecidos internacionalmente ocorreu entre 1972 e 1991, quando Bernard Preynat, padre em Lyon, França, cometeu dezenas (alguns alegam centenas) de abusos sexuais contra crianças, sobretudo no começo da carreira, quando trabalhou em acampamentos de escoteiros. A história é mostrada no filme Graças a Deus, cuja exibição Preynat tentou bloquear judicialmente. O filme repercutiu tanto que o padre foi destituído pelo Vaticano em 2019 e condenado a cinco anos de prisão em 2020.
Como a igreja sempre procurou respaldo de governos nem sempre justos com a população, frequentemente as denúncias de abuso sexual foram abafadas. Não são raros, até hoje, casos de padres e outros clérigos que tenham sido apenas transferidos de paróquias quando boatos ou denúncias de abuso surgiram, mas a sociedade cobra punições de acordo com as leis dos países e não só com as leis eclesiásticas.
O aumento de denúncias levou o Vaticano a realizar uma longa cúpula sobre abusos a menores em 2019. No mesmo ano, a igreja admitiu publicamente que freiras e outras mulheres são abusadas nos sentidos sexual e trabalhista por sacerdotes há séculos. Antes, o papa Bento XVI chegou a fechar uma ordem religiosa feminina repleta de abusos do tipo.
O papa Francisco I diz que sua Igreja levará culpados aos tribunais, mas vítimas de todo o mundo pedem mais do que promessas.