Afeganistão: “não haverá democracia”
País asiático é retomado pelos terroristas do Talibã após o começo da retirada das tropas ocidentais que protegiam o país, ocasionando tentativa de fuga dos cidadãos. Enquanto isso, o povo brasileiro é desrespeitado de outras formas em seu direito de expressão
O mundo está chocado com as cenas horríveis de pessoas tentando fugir do Afeganistão depois que o grupo extremista islâmico Talibã retomou o poder no país. No aeroporto da capital, Cabul, uma grande operação de retirada de cidadãos norte-americanos e dos países aliados está em curso e vai até 31 de agosto, segundo informou o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden.
Algumas pessoas, desesperadas, se agarraram aos aviões em movimento e despencaram deles quando levantavam voo. As cenas foram estarrecedoras.
Mas como o Afeganistão chegou a esse ponto? O país, que fica no centro da Ásia e é uma importante rota comercial, tem muitas divisões tribais que lutam entre si pelo poder, com base em conflitos étnicos e religiosos que atrasam o desenvolvimento local e mantêm o povo em uma realidade que muitos descrevem como medieval. Não é raro que afegãos vivam na miséria, não tenham acesso ao estudo nem a condições mínimas de higiene.
Depois de muitos conflitos, o Talibã, facção extremista islâmica afegã, tomou o controle do país em 1996 e estabeleceu um duro regime que restringe os direitos do povo, como recrutar à força membros para seu exército, toque de recolher nas ruas à noite e uma rigorosa supressão dos direitos das mulheres, que são obrigadas a usar burcas e véus e a não estudar depois dos 12 anos de idade.
11 de setembro
Após os ataques terroristas praticados pelo grupo extremista Al-Qaeda aos Estados Unidos em 2001, entre os quais o que derrubou as torres do World Trade Center em Nova York em 11 de setembro, os Estados Unidos e alguns países aliados ocidentais ocuparam o Afeganistão, alegando que o Talibã ajudou a Al-Qaeda e deu abrigo a seu então líder, Osama Bin Laden.
Em seguida, foi instalado um governo local reconhecido internacionalmente. Uma nova Constituição foi adotada em 2004, mas o governo pouco avançou fora dos limites de Cabul quanto a unir as diferentes tribos. Desde 2001, os Estados Unidos e seus aliados mantiveram militares no controle do país. Em agosto deste ano, esses países anunciaram a retirada das tropas do solo afegão. Mal começaram a sair e o Talibã retomou o poder à força em poucos dias. O presidente afegão Ashraf Ghani fugiu do país para não ser morto pelos extremistas.
Desde então, norte-americanos e aliados de outros países ocidentais têm sido retirados pelos militares remanescentes de seus países. O prazo estabelecido é até 31 de agosto. O Talibã tem permitido que os estrangeiros saiam, mas não aceita que afegãos que apoiaram os ocidentais façam o mesmo. Os porta-vozes talibãs divulgaram que “não haverá democracia”. Apavorados com o reino de terror que se anuncia, milhares de afegãos que conseguiram entrar no aeroporto de Cabul tentam, desesperados, fugir do país, o que culminou nas cenas trágicas mostradas no noticiário internacional.
Enquanto isso, já há relatos de que o grupo terrorista estaria perseguindo a minoria cristã que vive no país com ajuda de espiões e informantes. Segundo a SAT-7, organização que transmite programas cristãos no Oriente Médio e no norte da África, os talibãs estariam matando cristãos que tivessem a Bíblia baixada em seus telefones. Antes do grupo radical retomar o controle do país, o Afeganistão já era considerado o segundo lugar mais perigoso para praticar a fé cristã, segundo a Lista Mundial de Perseguição, da organização Portas Abertas.
A importância da liberdade
Isso leva o resto do mundo a refletir em relação a outra questão: a importância de viver em um país livre e democrático, que respeita as leis e as instituições, e os perigos das arbitrariedades. O Talibã deixa claro que a democracia não vai acontecer, mas agora os afegãos conhecem outra realidade e a liberdade de viver em um país que respeita as leis, as instituições e os cidadãos.
No entanto, apesar da liberdade de que alguns países teoricamente gozam, nem sempre suas Constituições são respeitadas. No Brasil mesmo, movimentos entre autoridades tentam amordaçar os que pensam diferente com prisões e perseguições na internet.
Guardadas as devidas proporções, a semelhança com o Talibã voltando ao poder será mera coincidência? Enquanto no Afeganistão a tragédia se aproxima e os cidadãos lamentam que uma Constituição a favor do povo não tenha mais efeito, aqui no Brasil, no qual temos uma, ela é desrespeitada. Segundo a Constituição de 1988, que orienta o Estado Democrático de Direito, um líder político não tem poder absoluto sobre o povo e nenhum dos três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – tem carta branca para fazer o que quiser. Fica o alerta: atitudes arbitrárias são sinais claros de que algo não vai bem.