Quando não comer se torna uma doença
Por trás dos transtornos alimentares há problemas emocionais graves que ninguém vê. E você, sabe identificá-los?
Eles surgem sorrateiramente na forma de dietas. O objetivo inicial é apenas transformar o corpo e perder medidas que estão a mais. Entretanto, os dias passam, o peso até diminui, mas a necessidade de ter a aparência magra só aumenta. Agora comer traz uma sensação de culpa e o espelho acusa a todo momento qualquer gordurinha. Neste momento, eles mostram sua face mais cruel. As opções começam a surgir: induzir o vômito após as refeições, tomar laxantes ou diuréticos e, às vezes, até parar de comer.
Estamos falando dos transtornos alimentares (TA), que são mais comuns do que se imagina. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), ao menos 1% da população mundial, quase 80 milhões de pessoas, possui uma de duas das doenças mais frequentes: a anorexia nervosa e a bulimia nervosa.
Ao contrário do que se pensa normalmente, esses transtornos não refletem apenas o excesso de vaidade, mas também síndromes comportamentais. O psiquiatra e diretor do Departamento de Psiquiatria da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade (Abeso), Adriano Segal, ressalta que é fundamental entender a relação do emocional com a não aceitação da aparência. “Os transtornos são primariamente psiquiátricos. E normalmente estão ligados a quadros de depressão, ansiedade e outros. Em alguns casos, além de possíveis complicações físicas, podem causar transtornos de personalidade”, detalha.
Bulimia nervosa
As pessoas que sofrem tanto de anorexia quanto de bulimia têm uma preocupação excessiva com o peso e o formato do corpo. A imagem que têm de si mesmas é distorcida. No entanto, existem diferenças de sintomas e comportamentos entre as duas doenças.
Nem sempre a pessoa que tem um problema relacionado à alimentação é extremamente magra. No caso da bulimia, não é o peso que chama atenção para a doença. Sabrina Gonzalez, psicóloga clínica e hospitalar especializada em transtornos alimentares e obesidade, esclarece que geralmente a pessoa bulímica tem um peso normal ou até mesmo sobrepeso.
“Ela deseja realizar essa restrição alimentar assim como os anoréxicos, mas não consegue parar de comer e acaba ingerindo uma grande quantidade de comida e/ou tendo episódios de compulsão alimentar que depois geram um intenso sentimento de culpa e angústia. Isso a leva a optar por comportamentos compensatórios purgativos – como vômito forçado e/ou ingestão de grandes quantidades de laxantes e diuréticos – ou não purgativos – como fazer exercícios físicos obsessivamente, por exemplo.”
A empreendedora Kelcya Holanda (foto ao lado), de 25 anos, conta que aos 14 anos sofreu desse mal. Ela diz que era muito ansiosa e isso, somado ao complexo de inferioridade que tinha, a levou a ter repulsa pelo próprio corpo. “Eu me achava ridícula e cheguei até a quebrar o espelho do meu quarto por odiar a minha imagem. Comia para me satisfazer porque era o meu refúgio quando estava triste, muito ansiosa ou quando discutia com a minha mãe. Eu só parava quando já estava me sentindo pesada.”
Após as refeições, a angústia por ter exagerado fazia com que Kelcya buscasse uma forma de se punir. “Corria para o banheiro, colocava o dedo na garganta e vomitava tudo. Teve uma época em que fazia isso todos os dias. Cheguei ao ponto de furtar dinheiro da minha mãe para comprar frituras. Não gostava de nada saudável e só me sentia satisfeita comendo fast-food. Em um curto período de tempo, engordei uns oito quilos e em um mês perdi esses oito quilos”, acrescenta.
O comportamento compulsivo de Kelcya chamou atenção de sua mãe e da direção da escola. “Durante as aulas eu sempre pedia para ir ao banheiro para poder vomitar. Até que o meu caso foi passado para a direção, que, posteriormente, se comunicou com a minha mãe. Quando ela soube, as coisas ficaram ainda piores porque ela passou a me bater, a me fiscalizar e queria me levar ao médico”, diz.
A jovem reconheceu que precisava de ajuda quando descobriu um problema no estômago. “Fiquei com uma doença séria, uma gastrite muito grave. Além de não conseguir mais dormir por conta das dores, eu estava depressiva. Não me aceitava como eu era. Em uma dessas madrugadas que passava acordada, liguei o rádio para ouvir uma música e, sem querer, sintonizei na Rede Aleluia. Naquela noite, ouvi uma palavra de fé do Bispo Macedo que me tocou muito. Depois, fiz uma oração pedindo a Deus uma saída porque não aguentava mais viver daquele jeito”, conta.
No dia seguinte, ela foi a uma palestra na Universal e buscou ajuda. “Fui acompanhada na igreja pelos pastores e passei a entender que meu problema era físico, emocional e espiritual. Esses hábitos mascaravam traumas que precisavam ser superados. Assim, pouco a pouco, aprendi a me amar e a cuidar do meu corpo, que é o templo do Espírito Santo. Também fiz acompanhamento médico, fui à nutricionista e aprendi a reeducar minha alimentação. Hoje não me preocupo mais com o que os outros pensam a meu respeito Sou uma nova pessoa”, conclui.
Anorexia nervosa
Ao contrário da bulimia, a pessoa que tem anorexia dificilmente percebe a existência da doença e busca ajuda. O psiquiatra Adriano explica que quem tem esse tipo de transtorno alimentar tenta escondê-lo ao máximo das pessoas que estão ao seu redor. “Costumo dizer que quanto mais inteligente a pessoa é mais ela consegue enganar a respeito da doença. Além de não assumir que precisa de ajuda, ela tenta passar a segurança de que está tudo bem e de que são os outros que estão enxergando um problema onde não existe.”
Mas, no caso da anorexia, as mudanças corporais são muito visíveis. A psicóloga Alessandra Souza de Amorim esclarece que a mudança na aparência chama muito a atenção. “A pessoa evita comer, não tem mais apetite, se isola dos demais e passa a ficar muito magra, com aparência esquelética. Inclusive muitos problemas de saúde se agravam ou começam por causa desse transtorno, o que pode levar a óbito”, diz.
Diferentemente de Kelcya, que reconheceu que precisava de auxílio, a promotora de eventos Thaís Raquel Guerreiro (foto acima e ao lado), de 28 anos, tentou evitar ao máximo que sua mãe percebesse que ela estava emagrecendo.
“Tudo começou quando eu tinha 15 anos. Já era magra, mas me olhava no espelho e me via muito gorda. Queria ser igual às modelos magérrimas e às minhas amigas muito magras da escola. Eu queria que meus ossos aparecessem para que todos me achassem bonita e eu me sentisse bem comigo mesma. Buscava na internet como emagrecer rapidamente”, lembra.
Assim, a jovem passou a mudar seus costumes alimentares. “Meu almoço não era mais em prato normal, mas naqueles menores, de sobremesa, sabe? Parei de jantar e fui, literalmente, parando de comer. No começo, minha mãe e meus irmãos zombavam do meu comportamento porque ninguém conhecia essa doença”, acrescenta.
Os anos se passaram e o que parecia ser uma atitude engraçada aos olhos dos familiares se tornou um problema grave. “Não tinha mais disposição para nada, me tornei uma menina triste, chorava e desmaiava constantemente. A única coisa que eu ainda comia era tomate, porque tinha lido em algum lugar que era bom para emagrecer. Estava doente fisicamente e emocionalmente. Cheguei a pesar 26 quilos”, se recorda.
Desesperada, a mãe de Thaís tentou marcar médicos, mas ela se recusava a ir. “Estava com quase 20 anos, com problemas de saúde, mas não enxergava o quão ruim estava. Meu irmão morreu nesse período que tive anorexia e esse triste acontecimento agravou meu quadro depressivo. Por mais que aceitasse tratar o problema físico, nada curava o meu emocional”, fala.
Percebendo o desespero dela e da família, um amigo lhe fez um convite. “Ele me chamou para ir à igreja com ele. Aceitei porque estava me sentindo muito abalada. Posso dizer que, depois de ouvir palavras de força, fé e motivação, o que aconteceu comigo foi muito forte. Foi como se uma venda tivesse saído dos meus olhos. Me olhei no espelho e vi finalmente como estava: raquítica. Foi como se algo tivesse saído do meu corpo. Aceitei me cuidar a partir dali”, revela.
Não demorou muito para que ela se recuperasse. Hoje com 63 quilos, Thaís busca cuidar da alimentação e do corpo de forma saudável. “Faço exercícios físicos, luto jiu-jítsu, respeito os horários das refeições, me alimento adequadamente e, sobretudo, cuido diariamente da minha mente e do meu espírito. Hoje tenho novas referências: as mulheres que me inspiram positivamente e não as que incentivam o culto à magreza excessiva. Participo de grupos da Universal que me ajudam a despertar o melhor que há em mim”, completa.
O segredo para vencer
Atualmente, por conta do culto exagerado ao corpo, limites cada vez mais confusos separam o que é normal e o que é patológico. Uma simples dieta pode sutilmente servir de gatilho para a doença. O desejo de se sentir bem e bonita (o) pode sorrateiramente virar uma obsessão.
“Então, o ‘surgimento’ do transtorno depende de um conjunto de fatores (psicológicos, metabólicos, familiares e socioculturais) e uma das grandes questões e dificuldades é o fato de que o paciente não se sente doente. Como vimos, muitas vezes, nega os sintomas. Atrás de cada pessoa que sofre de transtorno alimentar há uma história e nela um conflito intenso resultante de experiências que afetam sua relação consigo mesma, com o outro (mãe/pai/cuidador principal) e o desejo desse outro”, finaliza a psicóloga Sabrina.
Por isso, apesar de a sociedade viver um momento em que histórias de pessoas que perderam muitos quilos e que hoje têm corpos esculturais sejam fontes de inspiração e motivação, é preciso tomar muito cuidado. Porque, para quem luta para vencer um transtorno alimentar, a verdadeira vitória está na superação da doença e no ganho de peso.
O melhor caminho para ter um corpo saudável é primeiramente cuidar do interior. Quem se ama, tem equilíbrio. E a aparência e a alimentação diária devem refletir essa valorização.
Identificar os sintomas, transformar a maneira de ver o mundo e investir em uma fé que fortaleça são grandes aliados para ganhar essa guerra. Cuide e valorize a sua saúde, um dos bens mais preciosos que você tem em sua vida.
E busque ajuda. O Pastor Online presta atendimento 24 horas e está à sua disposição. São homens e mulheres que podem lhe dar uma palavra de força e fé. Acesse universal.org/pastor-online.
Não são só mulheres
É comum pensar que esses transtornos atingem só as mulheres, mas a cada dia que passa mais homens têm sido vítimas deles. “Apesar de ser ainda mais comum no público feminino, a porcentagem de homens que lutam com o problema e buscam auxílio tem aumentado. Atualmente, eles representam 15% dos casos, de acordo com relatos de atendimento no Ambulim (Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP). Fatores como vergonha e medo de humilhação pública levam muitos homens a ocultarem a doença”, garante a psicóloga Sabrina Gonzalez.
Uma história recente divulgada pelo jornal britânico Daily Mail chamou atenção do mundo. O jovem Matthew Booth (foto acima), de 20 anos, teve que ser levado às pressas ao hospital porque seu coração havia parado de bater. Sofrendo de anorexia desde os 14 anos, aos 18 ele já não comia quase nada. Após a experiência de quase-morte (ele ficou 20 minutos em estado de óbito), Matthew decidiu mudar sua situação e hoje, saudável, é exemplo de superação para outros homens.