A Constituição e a Democracia: você precisa saber
Quem não conhece a Lei Maior do País não se informa sobre seus direitos, desconhece seus deveres e não saberá defender suas liberdades de pensamento e de expressão, entre outras
Você já deve ter ouvido diversas vezes que vivemos em um País democrático e livre, não é? Mas, afinal, o que isso significa? A democracia é o regime político em que vivemos, em que os representantes do povo, mais conhecidos como políticos, exercem o poder por meio do sufrágio universal (eleição).
É importante entendermos que quanto mais consolidado for o processo democrático de um país, menos obstáculos o cidadão encontrará para realizar seus interesses e pretensões pessoais, ou seja, ele poderá desfrutar de sua liberdade enquanto cumpre seus deveres e tem seus direitos garantidos. A própria Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada e proclamada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, assegura no artigo 3 que “todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal” e cita todas as liberdades a que temos direito.
No Brasil, a Constituição Cidadã de 1988 incorporou essas liberdades.
Já em seu preâmbulo, a Constituição declara que a Assembleia Constituinte se reuniu “para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias”. Essa é a promessa firmada nas primeiras linhas de nossa Carta Magna.
Constituição e Liberdade
Vale lembrar que a nossa atual Constituição nasceu depois do regime militar (1964-1985), um período que, infelizmente, foi marcado pelo autoritarismo, pela censura e por penalidades cruéis, como a tortura. Nessa época, por exemplo, ocorreu a proibição da publicação de muitas matérias jornalísticas e mais de cem livros foram vetados pelo Estado. Por isso, a Constituição Cidadã apresenta uma preocupação especial com a proteção dos direitos e garantias tanto individuais quanto coletivas e um dos pontos presentes em diversos artigos de nossa Lei Maior é justamente a liberdade.
A Constituição não define o que é liberdade, até porque a construção de conceitos não é uma tradição constituinte, mas uma tarefa dos intérpretes da Constituição, que são tanto as autoridades públicas como o cidadão comum. Então, o que está escrito na Constituição em relação a ela? A resposta é: as formas de expressá-la. “Suas formas de expressão são tradicionalmente reconhecidas por ‘liberdades públicas’, que abrangem a liberdade de circulação e de locomoção; a liberdade de pensamento e de expressão intelectual; a liberdade de informação, comunicação e expressão; a liberdade de associação; a liberdade de reunião; a liberdade econômica; e a liberdade de consciência religiosa”, explica Renato Herani, advogado e professor de direito constitucional.
As liberdades estão descritas no Capítulo I, do Título II, da Constituição, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos – aliás, essa é uma das cláusulas pétreas da nossa Lei. Logo no início do texto constitucional encontramos os nossos direitos, que vão desde manifestar nosso pensamento e escolher a religião que queremos seguir até o de exercer a profissão desejada, mas também encontramos outras liberdades específicas, como as descritas no artigo 206, que garante a “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber”.
Exemplo atual e em constante debate
Herani destaca que “a democracia é, tanto quanto a liberdade, uma conquista da sociedade e, por isso deve ser praticada e preservada por todos”. Essa democracia é construída diariamente e, nós, como integrantes da sociedade, fazemos parte dessa construção cuja coluna de sustentação é justamente termos ciência de todas as liberdades para que consigamos usufruir delas em sua plenitude, mas, também, para que compreendamos nossos limites.
Nossa Constituição já vigora há mais de 35 anos e, às vezes, não encontramos tópicos que estabeleçam regras diretas sobre assuntos que foram incorporados ao nosso dia a dia, como a internet. Nesses casos, as propostas de leis complementares ou leis ordinárias preenchem essas lacunas.
Um deles é o debate nos últimos anos relativo à liberdade de expressão na internet, principalmente nas redes sociais, que, por vezes, surge como um problema para a sociedade quando há o “cancelamento” de indivíduos ou o compartilhamento de fake news, por exemplo.
Por isso, desde 2020, tramita nas Casas Legislativas o Projeto de Lei 2.630, que visa instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, embora o artigo 5º, parágrafo IV, da Constituição ressalte: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”. Ou seja, aquele que se manifestar deve se identificar e arcar perante a Lei por suas possíveis injúrias ou difamação. Esse projeto ganhou dois apelidos bem distintos (PL das Fake News e PL da Censura), além de ter se tornado tema central de diferentes debates. Em maio do ano passado, sua votação na Câmara dos Deputados foi adiada por pressão popular contrária.
Herani destaca que “toda sorte de debate civilizado, até mesmo sobre os limites possíveis à liberdade de expressão, é próprio e favorece o processo democrático. Dessa forma, é legítima a discussão sobre a regulamentação da internet, não sendo sua prática um risco, em si, à democracia brasileira”. Ele cita ainda que há razões jurídicas suficientes para justificar a pertinência da regulamentação, como delimitar as fronteiras entre o exercício lícito e o abusivo da liberdade de expressão no ambiente digital, mas faz uma observação: “é inegável que o País está vivendo uma turbulência política, em especial no que se refere à harmonia entre os Poderes da República, e esse contexto não é, a meu ver, favorável para o bom desenvolvimento deste debate e de nenhum outro que envolva a restrição de liberdades públicas. É nesse sentido que digo que há um risco de os conflitos políticos afetarem o debate democrático sobre a regulamentação da internet e, com isso, conduzirem o resultado legislativo a retrocessos democráticos”.
A democracia e a liberdade andam juntas no caminho delimitado pela Constituição Federal. Entender isso é essencial para que as garantias da Lei Maior não sejam apenas promessas vazias, para que não corramos o risco de fazer uso de nossos direitos de maneira indevida, e que isso reforce no cidadão a necessidade de eleger bons representantes (Vereadores e Prefeitos, Deputados Estaduais e Federais, Senadores, Governadores e Presidentes da República), que conheçam, respeitem e exijam por parte de todos – inclusive o Poder Judiciário, que não passa pelas urnas – o cumprimento da nossa Constituição.
Somos livres para ir e vir, para falar e ouvir e para aprender e escolher, mas não somos isentos da responsabilidade cívica de conhecer, entender e respeitar as leis que regem nosso País, nosso comportamento e nossas liberdades do passado, do presente e do futuro. Acompanhe a série especial da Folha Universal sobre a Constituição nestas páginas. Em breve, você poderá adquirir um exemplar dela em arcacenter.com.
Você sabe o que é cláusula pétrea?
Apesar do nome diferente, seu significado é fácil de entender. As cláusulas pétreas da Constituição Cidadã são as garantias imutáveis e que não podem ser alteradas nem mesmo por uma proposta de emenda à constituição (PEC). Elas são descritas no artigo 60, parágrafo 4o., incisos I ao IV, que determinam que:
“Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I – a forma federativa de Estado;
II – o voto direto, secreto, universal e periódico;
III – a separação dos Poderes;
IV – os direitos e garantias individuais.”
Logo, toda vez que algum representante do povo propõe um projeto de lei que, por exemplo, possa de alguma forma cercear o direito à liberdade de expressão presente no artigo 5º, esse político está agindo de maneira inconstitucional. Então, fique atento!
FONTES: Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, Conselho Nacional do Ministério Público e Senado Federal
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