Holocausto: o “nunca mais” precisa ser agora

Para que um dos episódios mais lamentáveis da história moderna não se repita nem seja deturpado, é necessário compreender o que de fato aconteceu e o que precedeu a morte de milhões de inocentes

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Arbeit Macht Frei. A frase descrita em placas (que, em português, significa “o trabalho liberta”) levou mais de 6 milhões de judeus, o equivalente a 65% da população judaica europeia da época e 30% do mundo, a perderem a vida, já que eles eram obrigados a trabalhar até a morte. Além desse cenário de tamanha crueldade, haviam os guetos, ocorreu o pogrom da Noite dos Cristais, a perseguição do Exército nazista que obrigou os judeus a fugirem de suas casas ou os encaminhou forçadamente para os campos de concentração, as longas caminhadas que ficaram conhecidas como “Marcha da Morte” e as câmaras de gás.

Mas, acredite, tudo começou muito antes, como explica Ilana Iglicky, coordenadora educacional do Memorial do Holocausto de São Paulo: “com o discurso de ódio, com a intolerância e com o racismo. A ideia de que os judeus eram os culpados de tudo de ruim que acontecia foi crescendo e conquistando o público, pois já existia um antissemitismo latente na sociedade alemã e Hitler se aproveitou disso”.

Sem distinção…
Homens, mulheres, crianças e idosos – ninguém era poupado. E o que começou com os judeus na década de 1930 não terminou ali. Hana Nusbaum, coordenadora de educação e memória do Holocausto da StandWithUs Brasil, lembra que outros milhões de pessoas foram vítimas: “‘ciganos’ rom e sinti, pessoas com deficiência, homossexuais, opositores políticos e prisioneiros de guerra foram assassinados em campos de extermínio, campos de concentração, execuções em massa e com outras formas de violência”.

Em 1945 o mundo tomou conhecimento do que o ódio pode fazer com um povo e, diante de um dos piores exemplos de intolerância, preconceito e genocídio sistemático da história moderna, o mundo se comprometeu a nunca mais permitir que o Holocausto, ou Shoah, se repetisse. O termo holocausto significa “sacrifício em que a vítima é queimada viva” e passou a ser empregado para descrever especificamente essa atrocidade, enquanto shoah significa “destruição, ruína, catástrofe” e foi adotado pela comunidade judaica para distanciar o que ocorreu da ideia de sacrifício do conceito original bíblico de holocausto.

… E sem comparação
Nada se compara a essa atrocidade. “O Holocausto é considerado único por conta da sua escala, organização e intenção sistemática de exterminar grupos específicos de pessoas com base em sua etnia, religião ou orientação sexual. É importante destacar o caráter industrial deste genocídio, ou seja, foi construído um aparato, como em uma fábrica, com o objetivo de assassinar pessoas. Comparar outros eventos históricos ao Holocausto pode minimizar a sua singularidade”, declara Hana.

Já Ilana reforça que “infelizmente existiram vários genocídios, mas apenas um Holocausto, que foi a perseguição e o assassinato sistemático de seis milhões de judeus e outras minorias durante 12 anos. O Holocausto é um crime incomparável que tinha o objetivo de exterminar o povo judeu, sendo 1,5 milhão de crianças. Por isso precisamos conhecer verdadeiramente o passado, saber o que aconteceu para não repetirmos os mesmos erros e não permitirmos que aconteça nada parecido com nenhum povo e nenhuma nação”.

Somos diferentes uns dos outros, seja por nossa história, seja por nossa etnia, costumes, princípios, valores e ideologias, e o Holocausto nos ensina que todos, sem distinção, temos o direito de ser respeitados e o dever de respeitar os demais. Por isso, precisamos reconhecer a história como ela é para construir um mundo mais empático e consciente.

Antissemitismo

É o preconceito, a discriminação ou a hostilidade direcionada aos judeus como um grupo étnico, religioso ou cultural. Os riscos de sua escalada são o aumento da violência, a discriminação institucional, a segregação e até mesmo o genocídio.

O antissemitismo não tem um motivo para o “ódio”. Ele exacerba a incapacidade de aceitar o diferente e a negação do direito da coexistência. Os argumentos para sua existência sofreram mutações com o tempo.

Idade média: a “religião” era o motivo da perseguição contra os judeus

Séculos 19 e 20: a “raça” foi o motivo dos insultos e do Holocausto

Hoje: a “existência” do Estado de Israel é o motivo dos ataques atuai

Noite dos Cristais

Iniciada na noite de 9 de novembro de 1938, foi o pogrom (ato violento) contra a comunidade judaica que vivia na Alemanha e na Áustria no governo nazista de Hitler. Durante essa onda de violência, 100 judeus morreram e 30 mil foram presos. Além disso, sinagogas foram incendiadas e o comércio e as residências de judeus foram depredados.

Genocídio e limpeza étnica

O termo “genocídio” foi criado pelo advogado judeu polonês Raphael Lemkin, em 1944, para descrever as ações brutais que os nazistas executaram durante o Holocausto. Esse conceito descreve o extermínio deliberado de um grupo étnico, racial, religioso ou nacional, enquanto “limpeza étnica” envolve a expulsão forçada ou eliminação de uma população de uma área específica com base em sua etnia ou identidade cultural.

Brasileiros “justos entre as nações”

Durante a Segunda Guerra Mundial, a entrada de judeus foi restrita no Brasil, por conta da Circular Secreta 1.127 que proibia a emissão de visto para os judeus. Todavia, Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, na Alemanha, e Luiz Martins de Souza Dantas, na França, colocaram seus trabalhos em risco, contrariaram o governo e salvaram a vida de centenas de judeus ao conceder vistos a eles.
O reconhecimento de Yad Vashem, “Justo entre as Nações”, foi concedido a Aracy em 1982 e a Dantas em 2003.

Ariella Pardo Segre, de 83 anos, professora de italiano e sobrevivente do ShoAH/Holocausto

Nasci em 1940, quando a Itália, teoricamente, não estava em guerra, mas já existiam leis contra os judeus.

Em 1943, a Itália depôs Mussolini porque os italianos não estavam de acordo com a política facista dele. Quando Mussolini foi deposto, Hitler, que era seu aliado, se sentiu no direito de invadir a Itália, tirar Mussolini da cadeia e colocá-lo no governo. Foi quando começaram as pesquisas para matar os judeus. Inesperadamente, entraram as tropas alemãs na Itália e os Estados Unidos começaram a bombardear a Itália como bombardearam a Alemanha.

Um dia, meu pai retornava do trabalho e um vizinho o impediu de chegar em casa, falando ‘não vá para casa porque o caminhão da Gestapo está esperando o senhor’. Meu pai entendeu do que se tratava, buscou minha mãe, eu com três anos e meu irmão com sete, e começamos nossa fuga.

A fuga foi extremamente difícil, mas conseguimos chegar na Suíça, com bombardeio em cima e com os nazistas nas costas. Eu fui deportada da minha casa, mesmo sem estar no trem, porque eu saí na lista daqueles que tinham que ser sequestrados, mas não estava na lista de entrada do campo de concentração.

Ficamos na Suíça até o fim da guerra, quando um caminhão do Exército norte-americano buscou os sobreviventes para levar de volta à cidade de onde haviam fugido. Voltamos para Bologna, na Itália, a princípio moramos em uma tenda do Exército e meu pai sempre falava: ‘nós não perdemos nada. Somos abençoados. Estamos vivos e os outros perderam tudo porque perderam a vida’.

Em 1958 uma família que se mudara para o Brasil logo que as primeiras leis antissemitas foram colocadas na Itália voltou para ver a família italiana que sobrevivera. Foi quando conheci meu esposo. Em 1960 nos casamos e vim morar no Brasil. Eu sobrevivi ao Holocausto.”

 

 

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Colaborador

Laís Klaiber / Ilustração: Edi Edson / Fotos: Demétrio Koch