Os danos colaterais da falta de valorização na educação
Os professores desempenham o principal papel de construção da sociedade, mas são extremamente desvalorizados. Será que a educação é uma prioridade para o poder público?
A paixão de lecionar e a preocupação com a sociedade são as duas grandes motivações dos professores brasileiros, segundo uma pesquisa divulgada pela Fundação SM, instituição educacional sem fins lucrativos que atua em seis países, incluindo o Brasil.
Atualmente, o País tem 2,4 milhões de profissionais dedicados a transmitir conhecimentos na educação básica, que compreende desde a educação infantil até o ensino médio. No entanto, apesar das nobres razões que mantêm esses profissionais na ativa, eles têm sido pouco valorizados pela sociedade e, principalmente, pelo poder público.
Mais do que ensinar a ler, a escrever e a fazer contas, o docente forma cidadãos e é uma referência para os que estão na fase escolar. “O professor influencia no desenvolvimento pessoal, ajuda o aluno a desenvolver autoconfiança e a descobrir seus talentos, porque, dessa forma, ele contribuirá para a construção de um mundo melhor. O professor modela o comportamento de outras pessoas porque ele próprio é um modelo a ser seguido”, afirma a pedagoga e escritora Vilma Farias.
Há professores que também atuam como protetores da criança e do adolescente. Como estão sempre em contato com os alunos, os docentes podem identificar e reportar às autoridades situações de violência doméstica ou abusos e agir como verdadeiros guardiões. Mas, apesar de ter a responsabilidade de cuidar e de formar pessoas que serão o futuro do Brasil, eles não recebem o devido valor. Segundo uma pesquisa do Instituto Península, 72% dos brasileiros acreditam que a profissão de professor é desvalorizada, o que pode ser notado de diversas formas, inclusive com números. Um estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) verificou que o Brasil paga o pior piso salarial para professores dentre os 38 integrantes da instituição, atrás de Colômbia, Letônia e Costa Rica. Com base em dados de 2018, o relatório apontou que o salário anual inicial de um professor brasileiro girava em torno de US$ 13 mil anuais (o equivalente a cerca de R$ 3,8 mil mensais e o 13º salário). E isso é apenas uma média. Com o reajuste fornecido pelo atual governo em 2024 (de apenas 3,62%), a base salarial de um professor de educação básica é de apenas R$ 4.580,57. Enquanto isso, a média de remuneração nos países da OCDE é de US$ 36,1 mil anuais (o equivalente a R$ 10.706 por mês e um 13º salário igual).
O baixo salário afeta a qualidade de vida do professor, reflete diretamente no seu desempenho em sala de aula e, consequentemente, na qualidade do ensino. “Os baixos salários e a falta de reconhecimento do professor geram desmotivação. Além disso, ele não consegue investir em formação continuada e, por isso, corre o risco de ficar desatualizado.
Sem contar que muitos recorrem a mais de um emprego, o que gera sobrecarga e desencadeia doenças emocionais que têm afastado muitos das salas de aula”, enfatiza Vilma.
Um terço dos professores da educação básica sofre de síndrome de Burnout (esgotamento mental), segundo um estudo feito pela Unifesp. Entre os motivos apontados para esse cenário estão os salários defasados, a violência física e verbal dentro da sala de aula, a pressão por resultados e o elevado nível de exigência das instituições e dos pais. Ou seja, é pouco apoio e muita cobrança. “Hoje o professor tem que trabalhar na sala de aula com diversidade cultural, linguística e socioeconômica, além de lidar com as necessidades especiais”, explica Vilma.
Somam-se aos aspectos citados acima, os obstáculos que o crescimento desenfreado do uso da tecnologia por crianças e adolescentes trouxeram. “Os professores têm se esforçado para se integrar a esse mundo tecnológico, o que hoje ainda é um desafio porque a aula deles precisa ser muito dinâmica e muito atrativa para prender a atenção desses alunos que têm o mundo na palma da mão”, complementa Vilma.
Essa quantidade de desafios e a falta de perspectivas, já que até o reajuste salarial anual, quando acontece, é uma verdadeira vergonha, impactam a educação no País há décadas e estimulam o aumento da desigualdade social – afinal, sem o conhecimento necessário, como alguém pode contribuir para a construção de um país mais justo e igualitário?
E o pior é que esse cenário pode chegar a patamares ainda mais prejudiciais: um estudo do Semesp (entidade especializada em educação superior brasileira) revelou que o País pode ter um apagão de professores na educação básica até 2040. A estimativa é que faltarão 235 mil docentes. Entre inúmeros outros males, essa defasagem pode causar superlotação das salas de aula e levar muitos alunos a nem sequer terem professores no período mais importante de sua formação acadêmica. Vale lembrar que, sem uma base sólida, nada é construído.
Fazendo a lição de casa
Mudar esse quadro educacional vergonhoso é possível, mas depende de um esforço conjunto. A responsabilidade do poder público é valorizar esse profissional e reconhecer seu trabalho e Vilma aponta um caminho: “além da remuneração, é essencial favorecer a formação continuada e o apoio emocional dentro da sala de aula, para que o professor esteja ciente da importância do seu trabalho e da responsabilidade de formar mentes”.
O papel da sociedade deve ser ajudar respeitando e tendo empatia em relação aos docentes, além de fazer cobranças para que o poder público atue em prol deles. Inclusive, neste ano, teremos eleições municipais para vereadores e prefeitos, os maiores responsáveis pela educação básica no Brasil. Essa é uma grande oportunidade para votar com consciência em quem não tem medo de investir na educação. Se cada um fizer a sua parte, a escola e o aluno mudam e a sociedade também.