Enganando a si mesmo

Imagem de capa - Enganando a si mesmo

A palavra fato, segundo uma das definições do dicionário Houaiss, é: “algo cuja existência pode ser constatada de modo indiscutível”. Contudo não é segredo para ninguém que, diante de qualquer fato, as mentiras ainda são contadas e a desinformação é propagada. Só que não adianta mais falar algo como: “isso aqui é falso e a verdade é essa”, porque isso não tem sido mais uma bússola moral. Isso mesmo! Já reparou que a maioria das pessoas não quer mais saber o que é verdade ou não? Elas estão mais preocupadas em corroborar suas teorias, mesmo que isso signifique aceitar e defender uma mentira.

Não é fácil reconhecer que a convicção em relação a algo ou alguém não passa de mera teoria, assim como também não é fácil enxergar a verdade nua e crua. Aliás, a expressão “nua e crua” decorre de uma parábola sobre o encontro da mentira e da verdade. Na conversa, a mentira apontou alguns fatos até que sorrateira e ardilosamente a mentira induziu a verdade a se despir de suas roupas para um mergulho e as tomou para si. Enquanto a mentira vestia as roupas da verdade, ela se recusou a vestir-se com as roupas da mentira e, conta-se que, desde então, ficou mais fácil as pessoas aceitarem a mentira com as vestimentas da verdade do que aceitarem a verdade nua e crua. Alguns até já tentaram nomear ou descrever tal fenômeno. Charles Darwin disse que “a ignorância gera mais confiança do que o conhecimento”.

Já os pesquisadores David Dunning e Justin Kruger criaram a teoria do “efeito Dunning-Kruger”, que tenta explicar a tendência de as pessoas superestimarem seu conhecimento sobre determinado assunto, enquanto, ao mesmo tempo, curiosamente, quem realmente conhece uma área em específico não acha que sabe o suficiente. Recentemente, o empresário norte-americano Elon Musk, dono da a plataforma X, antigo Twitter, entre outros negócios, usou a expressão “wishful thinking”, que pode ser traduzida como “pensamento ilusório”. Segundo ele, “um dos maiores erros que muitos cometem, e eu também sou culpado disso, é o pensamento ilusório. Você quer que algo seja verdade mesmo que não seja e, assim, ignora a verdade real por causa do que você deseja que seja verdade. Isso é uma armadilha muito difícil de evitar”.

Infelizmente, isso acontece desde que o mundo é mundo e tem ficado cada vez mais evidente e mais perigoso. Hoje há defesa de qualquer assunto, para qualquer lado e de qualquer perspectiva. Não necessariamente porque existam verdades que sustentem diferentes pontos, mas porque as pessoas aprenderam a usar partes da verdade para construir narrativas que sustentem a sua ilusão, que se materializa diariamente em atitudes, escolhas e consequências.

E, enquanto a ilusão é construída sob a areia movediça, a verdade se edifica com o tempo e se revela dia após dia – mesmo que grande parte finja não vê-la, ouvi-la, compreendê-la e, ainda, se recuse a aceitá-la. Mas, quando ela se impõe, não fica pedra sobre pedra. Os defensores da ilusão ficam sem rumo, literalmente sem saber o que fazer, exatamente por terem se autoenganado.

Fica a lição: a verdade é o melhor caminho para seguir, ainda que alguns contratempos tenham de ser enfrentados. Todavia é muito mais fácil viver sob a luz da verdade do que sob a névoa das ilusões ou das mentiras. Ser enganado é cruel, mas se autoenganar é muito pior.

imagem do author
Colaborador

Redação / Foto: skynesher/getty images