Ensino a distância sob ataque no Brasil

Mudanças em faculdades on-line de licenciatura podem impactar negativamente número de professores formados no País

Imagem de capa - Ensino a distância sob ataque no Brasil

Os cursos de formação a distância caíram no gosto do brasileiro. Segundo o mais recente Censo da Educação Superior, em 2022, aproximadamente 3 milhões de alunos se matricularam em cursos de graduação a distância. Outro fator que chamou a atenção foi que a modalidade estava disponível em 3.219 cidades brasileiras, número 87% maior do que o registrado em 2014.

Esse cenário mostra o grau de importância que a educação a distância (EaD) ganhou no Brasil e não é para menos: afinal, o País tem mais de 5,5 mil municípios e muitos deles não possuem nem um polo universitário sequer. Dessa forma, sem a existência dessa modalidade, os alunos de pequenas cidades teriam que migrar para outras para concluir os estudos. Em relação às grandes cidades o que impulsiona o interesse pelo EaD é a logística. Segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI), 7% das pessoas ficam entre duas e três horas por dia no trânsito e 21% gastam entre uma e duas horas nele. Se o período de trabalho e o perdido no trânsito forem somados, sobra pouco tempo para estudar. Assim, quem tinha dificuldade para estudar presencialmente encontrou no mundo digital uma forma de investir no desenvolvimento educacional. O brasileiro leva a sério a ideia de que o EaD pode ser realizado quando e onde for possível: seja no caminho para o trabalho, seja na hora do almoço ou depois de colocar os filhos para dormir.

Alarmante e desafiador
Apesar dos benefícios, a formação EaD corre riscos no Brasil. Isso porque, diante dos resultados negativos dos estudantes brasileiros da educação básica, o governo federal passou a considerar a formação dos professores deficiente e realmente essa é uma questão antiga que precisa de atenção. Entretanto não dá para jogar toda a culpa só nos profissionais formados em cursos a distância, pois a maioria dos professores em atividade hoje se formaram em cursos presenciais.

O Conselho Nacional de Educação (CNE), porém, aprovou uma determinação para que cursos de formação de professores contem com 50% de aulas presenciais. A orientação ainda precisa ser aprovada pelo Ministério da Educação (MEC) para entrar em vigor, mas o atual ministro da Educação, Camilo Santana (PT), já declarou que “a ideia do ministério é não permitir mais cursos de licenciatura 100% EaD” e também disse que o crescimento dessa modalidade “é alarmante e desafiador”.

Antonio Carvalho, gestor comercial do Grupo Anhanguera, crê que toda discussão sobre educação é válida, ainda mais quando tem as melhorias como foco. Entretanto também devem ser considerados os impactos sociais de tal sugestão. “O grande questionamento é: caso essa alteração entre em vigor, como o curso para a formação de professores chegará a todos os municípios brasileiros?”, diz.

O fato de transpor os limites de tempo e espaço dos cursos EaD também foi citado positivamente por Neia Dutra, responsável pelo Univer Ensino: “a educação a distância, muitas vezes, é uma alternativa viável para quem enfrenta barreiras financeiras, geográficas ou de outra natureza para frequentar os cursos presenciais. Ao eliminar essa opção, as desigualdades educacionais entre grupos socioeconômicos diferentes podem aumentar”.

O Presencial é melhor?
A comparação entre a qualidade da educação a distância e a presencial é recheada de especulações, mas “a grade curricular aprovada para um curso presencial é exatamente a mesma de um curso EaD. O conteúdo colocado numa aula presencial é o mesmo do curso a distância. Além disso, o ensino EaD não é só digital, o aluno precisa responder a questionários e fazer atividades relativas ao tema que recebeu”, diz Carvalho. Além disso, cursos de formação de professores, inclusive os EaD, exigem estágio presencial não remunerado.

No Estado de São Paulo existe até uma universidade pública totalmente digital, a Univesp. O curso de pedagogia da faculdade recebeu nota 4 de 5 no Enade, que é a prova aplicada pelo MEC para avaliar o ensino superior. De todas as faculdades brasileiras, 76% têm nota 2 ou 3, apenas 21% nota 4 e 2% nota 5. Ou seja: a Univesp está entre a minoria com nota alta, enquanto a maioria das faculdades presenciais possui nota medíocre. Atualmente, a Univesp tem 25 mil estudantes de licenciatura e 40 mil em outros cursos. Ela é uma das boas instituições de ensino que sofrerá se a proposta do CNE for aprovada. O governador do Estado, Tarcísio de Freitas (Republicanos, já explicou que é imposível oferecer cursos 50% presenciais a todos esses alunos, tanto pelo custo para construir polos e pagar funcionários quanto pelo fato desses alunos estarem espalhados por todo o Estado. “Vamos ter que fechar os cursos de licenciatura em EaD públicos”, afirmou. Quem sofrerá serão os alunos que estão em formação, os que querem se formar e, principalmente, os que receberiam aulas desses formados.

De fato, a mudança sugerida pode ser um grande obstáculo para que brasileiros escolham ser professores, decisão que já é impactada pela desvalorização da profissão e pelas más condições para exercê-la. Será que esse é o melhor caminho? O problema da baixa qualidade de alguns cursos poderia ser resolvido com atualização do currículo para garantir que ele esteja alinhado com as melhores práticas educacionais e as necessidades de estudantes e escolas, avaliações direcionadas e maior fiscalização.

“Qualquer decisão sobre o futuro dos cursos de licenciatura a distância deve levar em conta os benefícios que eles oferecem em termos de acesso, inclusão e flexibilidade e buscar um equilíbrio entre os diferentes interesses envolvidos”, conclui Neia Dutra.

imagem do author
Colaborador

Cinthia Cardoso / Fotos: damircudic/getty images / NicolasMcComber/getty images