Desmentidos pelos fatos – Narrativas não resistem à verdade

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Mais um capítulo da nossa história parece encenar com uma precisão incrível o romance distópico 1984, de George Orwell, publicado em 1949. O tema central do livro é descrever como seria um país onde o Estado comanda todas as coisas, vigia intensamente a população e, para que ninguém se rebele, precisa implementar uma espécie de lavagem cerebral em massa, quando se torna necessário substituir a verdade por narrativas. Esse era o trabalho do “Ministério da Verdade”: alterar a história, manipular dados e produzir notícias falsas como se fossem verdadeiras. Haveria alguma semelhança com o que estamos vivendo nos últimos tempos?

Neste novo e tenebroso capítulo da história do Brasil, protagonizado pela tragédia no Rio Grande do Sul, fica cada vez mais difícil não comparar nossa realidade com a criação de Orwell. Será que já não temos um “Ministério da Verdade” trabalhando a todo vapor para ocultar fatos que não convêm chegar ao conhecimento público? Será que já temos um movimento ameaçando coibir e calar quem reporta a verdade?
Ao contrário do que parte da grande mídia está dizendo, as redes sociais estão se mostrando uma ferramenta importante para desmontar narrativas e escancarar a verdade. Um dos exemplos é a notícia sobre multas aplicadas a veículos que transportavam doações para o Sul. Parte dos veículos de comunicação tratou a notícia como falsa e afirmou categoricamente que nenhum veículo tinha sido multado.

Porém, depois da postagem de vídeos e relatos da população comprovando o fato, a pressão popular fez a verdade prevalecer e o diretor-geral da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), Rafael Vitale, assumiu o erro: “Houve casos isolados de atuação por excesso de peso na balança de Araranguá (SC), que não se tornarão multas e serão devidamente anuladas. É importante dizer que todos esses casos, foram seis, seguiram suas viagens sem retenção na balança ao constatarmos que eram doações”, confirmou Vitale.

Foi por meio de pessoas comuns que a narrativa “é fake news que caminhões com doações tenham sido multados” passou a ser “tivemos uma única multa, mas foi apenas um caso isolado” até a admissão da verdade, com a declaração que “seis caminhões com doações foram, de fato, multados”.

Infelizmente, já podemos ver as ações do “Ministério da Verdade” no Brasil reduzindo as redações de grandes veículos a meras assessorias do governo, tachando verdades de mentiras e tentando incutir nas mentes das pessoas só o que lhes convêm. Jornalistas de grandes canais de comunicação têm se prestado a agir como se fossem a assessoria de imprensa do governo, não se importando com a verdade e agindo apenas em prol de seus próprios interesses. Jornalistas afirmando que o Estado brasileiro não é lento, que ele salva e que a frase “civil salva civil” é mentira.

Mas desde quando nós, brasileiros, não sabemos que o Estado é lento e faz muito menos do que deveria? Desde quando nós, brasileiros, não sabemos que não é o Estado que atende a população imediatamente quando tragédias acontecem? Desde quando nós, brasileiros, não sabemos que são os civis que se compadecem dos civis e comandam ações muito mais rápidas, baratas e eficientes do que o Estado?
As perguntas que precisam ser feitas pelos cidadãos brasileiros são: será que o País saberia a verdade se não tivéssemos liberdade nas redes sociais? Será que a verdade surgiria se não houvesse pressão popular? Será que as pessoas que reportaram a verdade seriam tratadas como propagadoras de fake news, sofreriam “cancelamento” e seriam punidas? E mais: será que aqueles que tacharam a verdade de mentira serão penalizados? Por último, mas não menos importante, o que será da verdade se não tivermos mais liberdade para pensar diferente? Será que não estamos caminhando rumo à criação de um “Ministério da Verdade”? Há muito para pensar e, como cidadãos, não podemos fechar os olhos para esse movimento que vem crescendo no nosso país.

 

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Colaborador

Patricia Lages, jornalista / Foto: Ricardo Giusti/Correio do Povo