Professores são alvo do desrespeito
Reclamações e intimidações levaram uma professora sul-coreana a cometer suicídio na escola onde lecionava. Essa agressividade contra os docentes se repete no mundo inteiro
A morte de uma professora sul-coreana de 23 anos, em julho de 2023, colocou os holofotes sobre um assunto até então não muito discutido. Lee Min-so, nome fictício, afirmava que, por medo, preferia dar aulas da porta da sala para ter tempo de fugir, caso fosse agredida. Como outros professores, ela era vítima de assédio por parte dos pais dos alunos. Ela cometeu suicídio na escola onde lecionava.
O caso ganhou o mundo. No portal NZZ, da Suíça, uma reportagem especial veiculou que o suicídio “deixou o país em estado de choque” e que, provavelmente, Lee tenha “escolhido deliberadamente o local da sua morte para chamar a atenção para uma situação difícil e fazer uma declaração”.
O artigo do NZZ cita que “houve momentos na Coreia em que as pessoas olhavam com reverência para sunseong, que pode ser traduzido como ‘professor’ ou ‘mestre’. Durante muito tempo, as pessoas comemoraram o dia de sunseong e os alunos deram cravos aos professores em sinal de gratidão e nem a sombra do mestre podia ser pisada. Esta tradição se evaporou em razão de uma rápida mudança cultural”.
Não é um fato isolado
O cenário de dificuldades para os professores exercerem seu trabalho se reproduz no mundo inteiro. Segundo o portal britânico BBC, na Inglaterra, quase 20% dos professores foram agredidos por alunos em 2023. Já “na Espanha, uma professora do ensino médio foi agredida com socos e pontapés por um aluno” e na Colômbia “uma professora denunciou nas redes sociais a surra brutal que levou de uma aluna depois de pedir a ela que não usasse o celular”. Já no Chile, um professor avisou um aluno e sua mãe que o estudante repitiria de ano e esse professor foi espancado pelo aluno até ficar inconsciente.
No Brasil a situação também é alarmante: a pesquisa Violência nas Escolas 2023, realizada pela Nova Escola e pelo Instituto Ame Sua Mente, mostrou que para 66,4% dos educadores a agressividade de alunos com os professores piorou em relação à fase da pré-pandemia e mais: seis em cada dez disseram que temem pela própria segurança e integridade física quando precisam repreender um aluno.
Desafios
A pedagoga e especialista em atendimento educacional especializado (AEE) Rosana Tascin, de São Paulo, contou à Folha Universal que leciona há 25 anos e desde então “as mudanças são assustadoras”, pois, além da falta de respeito, não há comprometimento das famílias ou do próprio sistema educacional. “O principal desafio do ambiente escolar tem sido o medo dos professores em relação às agressões que estão ocorrendo a nível nacional, nos tornando reféns”, disse. Ela destacou ainda como fatores negativos a pouca ou ausente participação das famílias na vida escolar dos alunos, a permissividade dos pais e os alunos estarem se tornando “intocáveis”. A família e a escola, relata Rosana, “estão presentes na vida das crianças desde muito cedo. No entanto têm caminhado em sentido contrário, gerando jovens frustrados, depressivos e despreparados para conviver em sociedade.”
Para a psicóloga cognitivo-comportamental Rejane Sbrissa, esse cenário de instabilidade vem sendo construído há anos. “A violência contra o professor é um conjunto de ações e situações provocadas por estudantes, de forma crônica, na escola ou em seu entorno e/ou por meio digital, perpetuando um ambiente de pouca segurança até pela ausência de punições severas e pela falta de compromisso da família, que passa a responsabilidade da formação de valores à escola e ao professor. Contudo o papel do professor é passar informações e dar continuidade à formação, ou seja, reforçar o que já é ensinado em casa. Dessa forma, os educadores acabam recebendo alunos indisciplinados e resguardados pela lei, pelos pais e pela escola: os alunos têm sempre razão em relação aos professores, assim como os pais em relação à instituição escolar”, afirma.
Ela considera que, por isso, o ambiente escolar afeta “os aspectos emocional, físico e econômico do professor, que precisa lidar com o cansaço, com o medo, com a desmotivação e a baixa autoestima”.
Em relação ao que ocorre mundialmente, Rejane aponta como causa comum, além da falta de respeito, a falta de responsabilidade dos pais e gestores: “está sobrando tudo para o professor. Ele tem que resolver tudo sem que seja dada autoridade a ele. Ele está muito próximo aos alunos no dia a dia, mas não tem como exercer sua função da melhor forma”. O que assistimos na escola, explica, “é reflexo do que ocorre fora dela, logicamente o seio familiar está adoecido. Justamente por isso a ocorrência e recorrência de agressões em vários lugares, cidades e países”.
Lidar com a violência contra o professor exige empenho de toda a sociedade. É preciso que cada família entenda que sua participação na vida escolar é fundamental e que só com uma sólida base de valores os alunos saberão respeitar os professores e aproveitar o que eles têm a ensinar. Não dá para ignorar o que acontece nas salas de aula hoje.
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