Um vilão na palma da mão

Mesmo com um acesso seguro, o uso de smartphones pode trazer malefícios ao desenvolvimento cognitivo de crianças e adolescentes

Imagem de capa - Um vilão na palma da mão

A cada 100 crianças na faixa etária entre 10 e 13 anos, 84 usam a internet no celular e, entre os adolescentes de 14 a 19 anos, o número sobe para 94. Esses dados foram revelados por uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022. Apesar das facilidades que o smartphone proporciona, o uso excessivo do equipamento pode afetar o desenvolvimento cognitivo e a saúde mental delas.

Leticia Brito Sampaio, neurologista infantil e membro da Sociedade Brasileira de Neurologia Infantil, lembra que o smartphone é um aparelho pequeno e fácil de levar para todo lugar e, apesar de parecer inofensivo, é prejudicial. Ela elenca alguns prejuízos: “ele sempre está ali alternando os estímulos visuais, o que dificulta a capacidade de manter o foco em outras tarefas. Ele impacta o desenvolvimento cognitivo porque tira o tempo que a criança ou o adolescente poderia estar lendo, brincando ao ar livre ou nas interações sociais que são importantes para seu desenvolvimento saudável. O uso constante de tela também pode levar ao sedentarismo e causar problemas na saúde física e mental que, indiretamente, afetam o desenvolvimento cerebral, mental, cognitivo e psicossocial”.

Redes sociais e jogos
A maioria das redes sociais determina que a idade mínima para se criar um perfil é 13 anos, mas sejamos realistas: quanto mais tarde isso for feito, melhor. Afinal de contas, as redes sociais são projetadas para envolver e levar à dependência, assim como os jogos que desencadeiam a área de recompensa no cérebro, de forma semelhante ao que ocorre com substâncias viciantes.

Uma pesquisa publicada pela Pew Research Center em 2023 revela que 44% dos adolescentes se sentem ansiosos, 40% chateados e 39% solitários quando estão longe dos celulares e apenas 30% reconhecem que o uso frequente do smartphone pode causar mais danos do que benefícios. Não é à toa que no ano passado a Meta, empresa proprietária de plataformas de redes sociais como o Instagram, foi processada nos Estados Unidos por estar contribuindo para a crise de saúde mental nos jovens e por incluir em seu algoritmo recursos que viciam as crianças. A própria empresa confirmou as acusações e o presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, chegou a se desculpar com as famílias das vítimas.

E como as redes sociais impactam a vida de uma pessoa? Leticia detalha os impactos: “na autoestima, porque o tempo todo estamos expostos a imagens e mensagens idealizadas, o que leva a comparações que são prejudiciais e a efeitos negativos na autoimagem e autoestima dos jovens que estão em desenvolvimento. Elas levam a um isolamento social real porque substituem as interações face a face, além de gerar distúrbios do sono e do comportamento, cyberbullying e uma busca incessante por validação que acaba contribuindo para o desenvolvimento de ansiedade e depressão”.

Diante desses riscos, têm surgido em todo o mundo movimentos de pais que reconhecem que o uso de smartphones é nocivo para crianças e que incentivam uma vida mais off-line. O Smartphone Free Childhood, no exterior, e o Movimento Desconecta, no Brasil, se organizaram de forma independente para propor ações que minimizem os prejuízos individuais e coletivos da exposição de crianças e adolescentes às telas e às redes sociais.

PROBLEMAS DE APRENDIZADO
A psicopedagoga Erica Silva reforça que o uso indiscriminado do smartphone pode interferir negativamente no processo de
ensino-aprendizagem. “Além disso, o uso excessivo de redes sociais e jogos pode impactar o bom andamento durante as aulas, mas essas distrações são causadas, principalmente, pelo uso irrestrito e sem supervisão durante o horário escolar”, diz.

Erica reconhece que há momentos em que o uso do celular pode ser benéfico na sala de aula. Ela diz que, quando autorizado pelo professor, os alunos podem buscar informações instantaneamente, fazer pequenos testes, acessar notícias e comunicar-se com alguém fora do horário de aula.

Além do aprendizado supervisionado, os smartphones e as redes sociais podem contribuir positivamente nas interações com familiares e amigos distantes, por exemplo. Todavia o uso excessivo e cada vez mais precoce tem causado mais prejuízos do que ganhos. Então, avalie seu tempo diante da tela e dê um bom exemplo para as crianças e os adolescentes.

Vamos mudar essa realidade?

  • A principal dica para reduzir o tempo de tela é dar espaço a outras atividades, mas outros hábitos podem ser adotados por toda a família, como:
  • Silenciar as notificações do smartphone
  • Configurar limites de tempo nos aplicativos, principalmente nas redes sociais
  • Fixar limites de horários e regras de uso de internet e redes sociais
  • Adotar o hábito de ter períodos off-line no dia ou na semana
  • Supervisionar o conteúdo on-line ao qual as crianças e os adolescentes têm acesso
  • Deixar o celular de lado na hora das refeições, durante as conversas e na hora de dormir
  • Tornar o momento diante das telas algo coletivo, como assistir a um filme juntos
  • Investir em atividades criativas, como artesanato, prática de instrumentos musicais e brincadeiras
  • Estimular atividades que requerem concentração, como quebra-cabeça, jogos de tabuleiro e leitura
  • Incentivar tempo ao ar livre e atividade física

Fontes: Erica Silva, psicopedagoga; Leticia Brito Sampaio, neurologista infantil; Movimento Desconecta; e Manual de Orientação sobre Saúde de Crianças e Adolescentes
na Era Digital da Sociedade Brasileira de Pediatria

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Colaborador

Lais Klaiber / Foto: Zivica Kerkez/gettymages