Como não entrar na dança da solidão
A sensação de estar sozinho atinge um quarto da população mundial e é associada à depressão e a outras enfermidades
Boa parte das pessoas conhece alguém que sofre de solidão. É algo tão comum nos dias de hoje que já virou até letra de música. Não por acaso, o compositor Paulinho da Viola escreveu nos anos 1970, por exemplo, versos falando desse sentimento que provavelmente já tinha grande abrangência na população: “danço eu, dança você, na dança da solidão”. Sobre a incidência desse sentimento atualmente, um levantamento do instituto de pesquisa Gallup e da Meta em 142 países, divulgado em 2023, revelou que quase uma em cada quatro pessoas no mundo se sente sozinha, o que representa mais de 1 bilhão de pessoas. Afinal, por que tantas pessoas sofrem com a solidão?
A doutora Karina B. S. Barbi, psiquiatra e diretora do Departamento Científico de Psiquiatria da Sociedade de Medicina e Cirurgia de Campinas (SMCC), explica o que é a solidão: “ela é caracterizada pelo sentimento de se sentir sozinho, refletindo a diferença entre a quantidade de relações sociais que se deseja e a que realmente se tem. Também pode estar relacionada à qualidade dos relacionamentos, ou seja, ter um relacionamento de qualquer natureza, mas sentir-se sozinho”.
A psiquiatra afirma que os motivos que levam as pessoas a se sentirem sozinhas variam muito. “Estudos recentes apontam que o índice de pessoas solitárias no Brasil é de cerca de 15%. Apesar de poder acontecer em qualquer idade, os adultos jovens, entre 19 e 29 anos, relataram mais sentimento de solidão do que os acima de 65 anos. Um estudo realizado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) observou que idosos que se sentem solitários têm quatro vezes mais risco de desenvolver depressão e a principal consequência negativa da solidão é o desenvolvimento da depressão”, dispara.
Para Júlio Cézar Reis, médico psiquiatra do Instituto Suassuna, instituição educacional de pós-graduação, em Goiânia (GO), a solidão é mais evidente na terceira idade. “Nessa etapa geralmente a pessoa está aposentada e não está trabalhando como trabalhava, porque os afazeres da vida, da infância, da adolescência, dos adultos, como estudos, no mínimo, obrigam a alguma vida social. E essa obrigação de vida social protege um pouco essas fases, mas não quer dizer que quem as vivencia não sinta solidão também”, observa.
Ele afirma que o principal motivo da solidão é a artificialização das relações. “Mesmo quando as pessoas se encontram presencialmente em ambientes, elas vão estar presas à tela do celular, vão buscar ajuda na rede social para iniciar um assunto. Além disso, há o ritmo de vida, agora muito mais acelerado, que dificulta que as pessoas descubram até mesmo o que elas gostam, os próprios hobbies e interesses e estabeleçam relações entre si.”
De acordo com Reis, a pandemia de covid-19 também acentuou a solidão. “Depois da pandemia, os níveis de transtornos psiquiátricos aumentaram bastante, com muito mais pessoas ansiosas e depressivas. Até as demências nos idosos também aumentaram por causa da falta de estímulo social”, pontua.
Já Karina considera a internet uma faca de dois gumes: “se, por um lado, a superficialidade prejudica ainda mais a sensação de solidão, por outro, pode ser uma forma de interação que, mesmo a distância, para muitos, ajuda a suprir a necessidade de interação social. O importante é que haja bom senso e limites para o uso da internet, para que ela não seja o único meio de interação, principalmente para os adolescentes, que são particularmente sujeitos e suscetíveis emocionalmente e para os quais a conexão social é fator importantíssimo para o desenvolvimento das habilidades sociais”, avalia.
O que você pode fazer?
Reis analisa que para driblar a solidão é preciso interagir presencialmente. “O principal é a interação física, ao vivo e a cores com as pessoas, com amigos e com familiares. Não abra mão de amizades que são muito diferentes de você, porque, no contraditório, na paciência de ouvir, você vai estar treinando a sua capacidade de se identificar, de ter empatia pelo outro. O principal fator para o jovem, para o adulto, é a identificação. Se não se identifica, se não consegue usar da empatia dele para com o outro, ele se sente sozinho, mesmo estando no meio de muita gente”, esclarece.
Karina afirma ainda que há várias formas para não cair na dança da solidão e ampliar as diferentes formas de conexões sociais: “frequentar ambientes em que se possa conhecer outras pessoas e estabelecer vínculos, como locais de atividades físicas e manuais, por exemplo, bem como eventos e utilizado nos dias de hoje para suprir a necessidade de uma companhia. É importante que cada um saiba das suas necessidades pessoais, na percepção de se sentir pleno e bem, principalmente por meio do autoconhecimento, o que pode ser desenvolvido e trabalhado com um profissional, um psicólogo”, conclui.
Busque ajuda
Se você está se sentindo só, depressivo, ansioso, procure o grupo Depressão Tem Cura (DTC). Faça contato pelo Instagram @a.depressaotemcura ou pelo WhatsApp (11) 3573-3662
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