Será que (só) o grito de independência foi suficiente?

Se às margens do Ipiranga veio a Independência, agora, às margens de antigas questões, vale refletir os avanços, as faltas e os percalços que movem o Brasil e o brasileiro

Imagem de capa - Será que (só) o grito de independência foi suficiente?

Em 7 de setembro de 1822, o Brasil declarou sua independência, às margens do Rio Ipiranga, em São Paulo (SP). A canção que hoje chamamos de Hino da Independência foi escrita no mês seguinte e afirma que, naquela ocasião, só haviam as opções de “ficar a pátria livre ou morrer pelo Brasil”.

O historiador Luciano dos Santos faz um breve histórico do caminho que levou o Brasil até aquela data: “em 1808, fugindo das invasões napoleônicas, a família real portuguesa se transferiu para o Rio de Janeiro; já a Revolução Liberal do Porto, em 1820, exigiu o retorno do rei D. João VI a Portugal e a recolonização do Brasil, gerando insatisfação entre a elite brasileira, que já havia experimentado mais autonomia. Então, em 1822, D. Pedro I, na época príncipe regente, proclamou a Independência, rompendo os laços coloniais com Portugal e dando início a um novo capítulo na história do País.”

A data valida “um papel fundamental na construção e legitimação da identidade nacional brasileira e transmite valores e símbolos que moldaram a percepção de nós mesmos como brasileiros, servindo como referência comum, unindo gerações e fomentando o sentimento de pertencimento a uma mesma história”, reflete dos Santos.

Para o cientista político Valdir Pucci, o processo de Independência no Brasil significou “o momento em que os nacionais, ou seja, os brasileiros e os que se sentiam brasileiros, passaram a ser responsáveis por seu futuro.” Pucci enxerga que independência é exatamente isso: “dar a um país essa possibilidade ou responsabilidade”.

Vale ressaltar que a independência brasileira se insere “em um contexto mais amplo de movimentos de independência que varreram a América Latina no início do século 19”, quando houve as independências de Argentina (1810), Colômbia (1811), Venezuela (1811) e Chile (1818). “Vários fatores interligados contribuíram para esse cenário, como as ideias iluministas que pregavam a igualdade, a liberdade e os direitos naturais. Essas ideias ganharam força na América Latina e na Europa, alimentando o desejo por autonomia e autogoverno”, conta dos Santos.

Quanto aos louros da independência, a geógrafa Viviane Maciel, coautora do livro Geopossível: teorias e práticas pedagógicas possíveis em sala de aula, avalia que a independência de um país “é fundamental para garantir sua soberania, permitir que tome suas próprias decisões políticas, econômicas e sociais.”

Quanto a isso, Henderson Fürst, advogado constitucionalista, afirma que “a independência possibilita que um povo crie regras conforme seus próprios interesses e se desenvolva de acordo com os sonhos idealizados pelo povo, e não sob as regras de outro povo”, além de trazer valores como “soberania, unidade, liberdade, resiliência e patriotismo.”

Patriotismo à brasileira

Patriotismo é o sentimento de devoção à pátria, sentimento esse gerado em alguns momentos de nossa história, mas que parece estar em declínio, como aponta Viviane. Segundo ela, isso pode ser atribuído a fatores como “a desilusão com a corrupção, crises políticas e econômicas e desigualdade social, que minam o orgulho nacional e o sentimento de pertencer, afastando os cidadãos de uma identificação mais profunda com o País.”

Por sua vez, Pucci expõe que, embora no Brasil não seja visível uma onda de manifestações como as norte- americanas, “com bandeiras no quintal de casa”, ainda assim nutrimos respeito e amor à pátria. “A gente observa momentos de orgulho nacional, principalmente no esporte – o brasileiro veste a camisa, canta o hino. Claro, se fôssemos um país menos injusto e com mais oportunidades, teríamos ainda mais orgulho do Brasil. O patriotismo fica um pouco apagado devido às mazelas econômicas e sociais do País”, admite.

Independentes?

A despeito da Independência do Brasil, o brasileiro é mesmo independente? Para Luciano dos Santos, “a questão da dependência do cidadão brasileiro em relação ao Estado é um tema desafiante, com raízes históricas profundas. A dependência do Sistema Único de Saúde (SUS) é evidente, especialmente em regiões mais carentes. A rede pública de ensino é a principal responsável pela educação da maioria da população; programas sociais, como o Bolsa Família, são essenciais para garantir a sobrevivência de milhões de brasileiros, mas também criam uma dependência em relação ao governo. Já a falta de investimentos em infraestrutura básica, como saneamento básico e transporte público, torna a população dependente de soluções precárias e improvisadas”, diz.

Para Pucci, ser independente é ser capaz, como indivíduo, “de tomar as decisões e decidir os rumos da vida sem a interferência de terceiros”, possibilidade “brecada por uma situação sociopolítica e econômica e, muitas das vezes, da própria miséria.”

Afinal, há motivos para celebrar? Para Luciano dos Santos, “apesar dos desafios”, sim. “A história do País é marcada por momentos de grande dificuldade que foram superados graças à força e à criatividade do povo – o brasileiro é conhecido por sua criatividade e capacidade de improvisação. Além disso, a solidariedade é um valor muito presente e, em momentos de crise, o brasileiro demonstra grande capacidade de se unir e ajudar o próximo.”

A Independência, portanto, não é garantia de berço esplêndido. Aliás, foi com esforço que a própria foi arregimentada e não foi da noite para o dia: até 2 de julho de 1823, brasileiros guerrearam pela independência na Bahia. Aliás, a “independência” dos afro-brasileiros só foi oficializada em 1888, mas ainda hoje o Brasil sofre com as mazelas terríveis do escravagismo. A celebração de 7 de setembro existe, mas, para que os brasileiros sejam realmente independentes ainda é preciso ir à luta.

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Colaborador

Flavia Francellino / Arte: Montagem sobre foto de Luis Miguel Bugallo Sánchez / Foto: Ilton Rogério de Souza/GettyImages