Precisamos falar sobre assédio

Apesar de ser um tema sensível, é preciso tratar dele: mais de 80% dos brasileiros já foram vítimas de assédio e só 17% o denunciam. Entenda o que é e como denunciar

Imagem de capa - Precisamos falar sobre assédio

Um comentário indecente ou constrangedor. Uma mensagem com conteúdo capcioso. Um toque completamente desnecessário. Uma cobrança exacerbada. Um convite impertinente. Uma chantagem ou ameaça. Uma piada ou insinuações. A verdade é que o assédio acontece na sala de aula, no ambiente de trabalho e em qualquer local e ocorre tanto de maneira sutil quanto de forma explícita.

O tema voltou à tona por conta das denúncias de assédio apresentadas contra o ex-ministro dos Direitos Humanos e Cidadania (MDH), Silvio Almeida, que foi demitido do cargo depois das acusações. Tudo começou no início de setembro, quando o site Metrópoles divulgou que a ONG Me Too Brasil tinha recebido as denúncias de assédio, informação que foi confirmada em nota pela organização. No último dia 17, o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a abertura de inquérito contra o ex-ministro. Almeida nega todas as acusações.

Triste realidade

Segundo o Mapa do Assédio no Brasil, divulgado pela KPMG em maio de 2023 e que entrevistou mais de 1 mil pessoas em todos os Estados, 81,47% dos brasileiros já foram vítimas de algum tipo de assédio. O assédio moral ou psicológico foi relatado por 41,68% dos entrevistados e o assédio sexual por 26,02%. Além disso, 14,26% alegaram sofrer discriminação por conta da raça, gênero, religião ou deficiência; 12,74% relataram algum tipo de retaliação; e 4,69% disseram ter sido vítimas de assédio virtual.

A advogada Maira Scavuzzi ressalta que o local de trabalho é um dos espaços em que o assédio moral ou sexual ocorre: “o assédio moral acontece quando alguém se vale da posição hierárquica para coagir um funcionário, constrangê-lo, no desempenho das funções, a fazer ou tolerar coisas que estão fora do seu escopo. Já o assédio sexual acontece quando o superior se utiliza da posição hierárquica para constranger o funcionário a lhe prestar algum favorecimento sexual”.

Daniela Poli Vlavianos, advogada com especialização em direito civil e família, aponta a diferença entre o assédio e a importunação: “o assédio sexual, tipificado no artigo 216-A do Código Penal, envolve uma relação de hierarquia ou superioridade. Já a importunação sexual, prevista no artigo 215-A do Código Penal, ocorre quando há a prática de atos libidinosos sem o consentimento da vítima, independentemente de uma relação de superioridade, como no caso de toques ou abordagem direta”. Na esfera trabalhista, o assédio não possui uma tipificação específica na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas é tratado como conduta que fere os direitos à dignidade e ao ambiente de trabalho saudável, podendo levar à demissão por justa causa e ao pagamento de indenização.

As mulheres são as principais vítimas. O relatório Women @ Work 2024, pesquisa global da consultoria Deloitte, mostrou que, das 500 brasileiras entrevistadas, 49% temem por sua segurança no trabalho, durante o trajeto ou em viagens profissionais. Elas têm medo de assédio, agressões e perda de direitos. E não é para menos: 40% das entrevistadas confirmaram já ter sido vítimas de assédio sexual.

Consequências

A culpa nunca é da vítima e não é preciso ter vergonha ou medo de denunciar. Mas reunir provas é importante para comprovar o crime, como prints de conversas,
e-mails, registros das reclamações feitas ao departamento de recursos humanos ou Compliance, testemunho de colegas que presenciaram o assédio e até gravações de vídeo ou áudio. “Muitos juízes vêm reconhecendo o próprio depoimento da vítima como prova, porque haverá riquezas de detalhes”, diz a advogada e consultora jurídica trabalhista empresarial Viviane Ludovico quanto à dificuldade de obter provas.

Denunciar os casos de assédio é essencial para evitar que outras pessoas sejam vítimas e garantir que as implicações jurídicas sejam aplicadas. Viviane diz que “o assediador pode ser responsabilizado penalmente, além de ser demitido por justa causa (art. 482, j, da CLT). O assediado (vítima) poderá demitir a empresa, ou seja, entrar com uma ação de rescisão indireta e receber todos os direitos (art. 483 da CLT). A empresa, por sua vez, pode indenizar a vítima por danos morais, pois ela responde de forma objetiva pelos atos praticados pelos funcionários (Código Civil, terceiro inciso do art. 932)”.

Saiba mais:

Leia as demais matérias dessa e de outras edições da Folha Universal, clicando aquiFolha Universal, informações para a vida!

imagem do author
Colaborador

Laís Klaiber / Foto: Ivan-balvan/GettyImages