O Brasil pode virar um narcoestado?

Para chegar a um veredito é necessário olhar para a atual situação do País e compreender quatro pontos importantes e alarmantes

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Nosso país pode se tornar um narcoestado? Antes de responder a essa pergunta é necessário entender a nossa realidade. O primeiro ponto a considerar é que a segurança pública é uma das maiores preocupações dos brasileiros. Levantamentos como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) comprovam que a maioria se sente inseguro ao andar nas ruas e até mesmo quando está dentro de casa. Tal insegurança ocorre, comumente, por crimes que acontecem de forma isolada, como roubo, furto, homicídio e tráfico de drogas.

Mas não é a criminalidade corriqueira que leva ao nosso questionamento, mas, sim, os atos envolvendo o crime organizado, que é o segundo ponto que precisamos entender. “O crime organizado envolve atividades coordenadas e planejadas, realizadas por um grupo que se organiza com hierarquias, tarefas específicas e recursos financeiros próprios”, diz o advogado João Pedro Gazolla, especialista em direito digital.

E de onde vem o dinheiro para manter essas organizações? Dos crimes cada vez mais sofisticados e, também, presentes no nosso cotidiano, como o famoso “golpe do PIX”, e Gazolla acrescenta: “assim como roubos a bancos e a grandes instituições, esses crimes digitais servem como fontes de financiamento para as operações das facções, que usam os recursos obtidos para adquirir armamentos, financiar ações de expansão territorial e corromper agentes públicos”.

Ações paralelas e influência

No Índice Global do Crime Organizado 2023, o Brasil ocupa a 22ª posição no ranking global com 193 países e o quarto lugar entre os países da América do Sul no tópico criminalidade. Os crimes que incluem o Brasil nessa lista são tráfico de pessoas, tráfico ilegal de armas, crimes ambientais, como extração ilegal de madeira e tráfico de vida selvagem, tráfico de drogas, crimes cibernéticos e financeiros, como fraude fiscal, e atos criminosos de organizações como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV). Na pontuação sobre resiliência – mecanismos que o país usa para combater a criminalidade e a efetividade dessas ações –, o Brasil ocupa a 94ª posição no ranking e o quinto lugar na América do Sul, isso porque, apesar dos esforços, o País ainda lida com a corrupção na política nacional, críticas pelo sistema de justiça ser ineficiente e tendencioso, hostilidade no ambiente econômico e financeiro, entre outros fatores.

Renata Furbino, professora de direito criminal e mestre em ciências criminais, esclarece que é importante ter cuidado ao nomear essas organizações como um Estado paralelo: “o termo é empregado porque essas organizações acabam atuando paralelamente ao Estado, criando outras normas, que não são legais. Essas organizações criminosas criam normas de condutas e sanções que, tecnicamente, não valem porque estamos sob a vigência de um Estado de Direito”.

Um combate constante

Como o governo e os órgãos de segurança pública têm enfrentado esses desafios? Em geral, as forças de segurança atuam com a abordagem de confronto direto, mas nem sempre há sucesso, já que essas facções vêm crescendo. Recentemente, a Avenida Brasil, no Rio de Janeiro, foi cenário de um tiroteio entre a polícia e criminosos que deixou três pessoas mortas e outras três feridas. A operação da Polícia Militar do Rio tinha o objetivo de prender suspeitos de roubo de carros e cargas, mas resultou num confronto com criminosos, uma resposta que o governador Cláudio Castro (PL) chamou de “terrorismo”.

Esse tipo de resposta violenta, que coloca a vida de civis em risco, é apenas um dos desafios e esse é o terceiro ponto a considerar. “No âmbito municipal, há limitações financeiras e de pessoal para adoção de políticas de segurança pública e ações de prevenção, como educação e assistência social, que podem evitar que jovens entrem para o crime. Na esfera estadual, há uma dependência grande do orçamento e da política federal de segurança, além de dificuldades em modernizar e equipar as forças policiais (que são geridas em âmbito estadual). No âmbito federal, o principal desafio é combater as facções que atuam em nível nacional e internacional, principalmente no tráfico de drogas e armas, exigindo uma integração mais eficaz entre os órgãos de inteligência e segurança”, detalha Gazolla. Renata, por sua vez, acrescenta que “é necessária uma atuação conjunta de políticas públicas no âmbito da segurança pública em nível federal, estadual e municipal. Esse diálogo é necessário para que se perpasse a ideia de política de Estado. Não são pautas ideológicas, mas pautas para que o Estado diminua essa violência, busque padronização e uniformização”.

Eis o ponto final: o narcoestado

“Um narcoestado é caracterizado por uma relação de conivência ou dependência entre o governo e o narcotráfico. Nesse cenário, o Estado perde sua autoridade e o tráfico de drogas passa a influenciar ou mesmo controlar instituições públicas. Essa situação ocorre quando autoridades e forças de segurança são corrompidas pelo dinheiro do tráfico e o Estado é incapaz de deter o poder e a violência dos grupos de narcotráfico”, explica Gazolla.

Renata afirma que o Brasil não corre o risco de virar um narcoestado: “o Estado brasileiro está atento a todas essas movimentações. Mesmo que ainda não seja tão eficiente no combate ao crime organizado, vejo que há empenho do Estado em buscar mecanismos para coibir e diminuir a influência das organizações”.

Gazolla também acredita que nossa realidade ainda está longe de ser a de um narcoestado puro, mas ele faz um adendo: “há risco sim de enfraquecimento institucional e de uma dependência maior do tráfico, especialmente se a corrupção nas instituições de segurança pública e justiça não for controlada. Combater o crime organizado no Brasil requer fortalecer as instituições com maior investimento em inteligência, combate à corrupção e políticas públicas para reduzir as raízes sociais do problema”.

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Colaborador

Laís Klaiber / Foto: Marco_Piunti/GettyImages