Menos estudantes, mais influencers

O desejo de ganhar muito dinheiro rapidamente tem afastado os jovens da educação, o que coloca o futuro deles em risco

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Cada geração tem suas características próprias e está evidente que a Geração Z, pessoas nascidas entre 1995 e 2010, inaugurou uma nova era. Esses jovens já nasceram conectados e suas aspirações também estão voltadas para o mundo digital. Profissões tradicionais, como médico e advogado, têm perdido espaço para a de influenciadores digitais. Em todo o mundo, 57% da Geração Z sonha em ganhar a vida on-line, segundo a Morning Consult. No Brasil, esse índice sobe para 75%, mostra a pesquisa da INFLR de 2022.

Os heróis brasileiros

“Os esportistas, os artistas, os cantores, os atores de novela sempre foram pessoas muito celebradas na nossa sociedade, especialmente no Brasil, onde não temos a cultura de reconhecer cientistas ou de olhar para grandes professores. De alguma forma, sempre olhamos para esses influenciadores que já existiam, em uma única tela, que era a da TV, e, com a internet, isso apenas se intensificou”, explica Rafael Parente, pesquisador e especialista em educação.
Se antes para ser famosa a pessoa precisava passar por um teste de elenco, por exemplo, hoje a criação de conteúdo é o que conquista o público e atrai visualizações, patrocínios e dinheiro. Inclusive, a suposta facilidade de viver da criação de conteúdo é um dos fatores que seduzem tanto os jovens. “A internet criou a possibilidade de uma pessoa anônima se tornar conhecida e ganhar muito dinheiro”, diz Parente.

A psicomotricista e coordenadora escolar Juliana Montenegro lembra, no entanto, que nem tudo que se vê on-line corresponde à realidade, embora a imaturidade da juventude veja os recortes como uma verdade absoluta. “Claro que o influenciador digital não vai mostrar as dificuldades ou os perrengues. Ele vai mostrar os louros. Então, os jovens constroem a visão de que nessa profissão trabalharão pouco e ganharão muito, o que a torna muito mais atraente do que as profissões que consideramos tradicionais”, diz Juliana.

Já Parente cita que vivemos uma crise atualmente: “temos uma sociedade que está cada vez mais individualista e menos ligada a valores, como o da própria educação. A educação não é importante apenas para conquistar um emprego, mas em todos os sentidos. Isso, porém, se perdeu. Hoje tudo está relacionado à questão financeira. O que vou fazer da minha vida para ter mais dinheiro se tornou a questão primordial na vida da maioria das pessoas hoje em dia”.

Esse pensamento conflita com a realidade que o Brasil enfrenta: embora a taxa de desemprego seja a menor da história (6,8%), 39,4 milhões de pessoas estão no mercado informal, segundo dados da PNAD Contínua, e 60% da população tenta sobreviver com menos de um salário mínimo mensal, de acordo com o IBGE. Ou seja: o jovem vê os mais velhos “se matando de trabalhar” e mal conseguindo pagar as contas e, por outro lado, jovens influencers ostentam uma vida de milionários. Qual caminho escolherão?

Falta de referência

Imersos no mundo digital, os jovens têm como principais referências esses influenciadores que estão, aparentemente, ficando milionários. Isso explica o desejo de se tornar um deles. A limitação no mundo digital e a falta de experiências, no entanto, acabam impactando a percepção do que eles realmente gostam, se identificam ou têm habilidade para desempenhar. Nesse contexto entra o papel dos educadores e das famílias de mostrar que o mundo não está restrito à tela. Essas pessoas precisam preparar o jovem para outras possibilidades.

“É claramente possível viver do universo digital, mas os jovens precisam ser ensinados, porque eu vejo que muitos ainda não têm maturidade para entender, por exemplo, que a carreira de influenciador pode não decolar. A minha grande preocupação é em relação à frustração. Ele saberá lidar com isso?”, questiona Juliana.

Buscando novas estratégias

Atualmente, há uma discussão sobre a restrição do uso do celular dentro das salas de aula. O Estado de São Paulo, por exemplo, proibiu o uso do aparelho nas escolas, com exceção de casos muito específicos e previamente autorizados. Outros Estados fizeram o mesmo e o resultado é aumento do foco nos estudos e melhoria da interação social. Contudo chegamos a um ponto em que é impossível tirar o digital da mente dos alunos e, por isso, é preciso inovar no formato de educar para atrair e aumentar o interesse em aprender.

“O que a gente vê, em geral, é uma educação formal desconectada com o universo dos estudantes. Então é preciso trazer novas propostas. Recentemente, propus que meus alunos produzissem conteúdo para uma série nas redes sociais com base no tema da aula. O engajamento foi 80% maior em comparação a uma aula expositiva com atividade no final”, conta Juliana.

O grande desafio, no entanto, é entender o que realmente funciona dentro da sala de aula e usar a tecnologia a favor do conhecimento. “A educação é um processo extremamente complexo e, de fato, nossa escola está longe de preparar um indivíduo para o futuro, especialmente porque a escola média brasileira hoje tem dificuldade de formar um jovem com capacidade plena de leitura, interpretação de texto, pensamento lógico ou matemático e ele até tem dificuldade de encontrar os seus potenciais e desenvolvê-los”, explica Parente.

Apesar das dificuldades que a educação enfrenta no Brasil e no mundo, ela ainda é a forma de construir melhor qualidade de vida no futuro, pois é a principal alavanca para ascensão social. Por isso, o sonho da maioria dos jovens de ser influenciador digital é preocupante. É preciso que ele entenda isso e que não se pode deixar que o gosto por aprender seja enterrado pela ambição de ser
famoso na internet.

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Colaborador

Cinthia Cardoso / Fotos: Bulat Silvia, eclipse_images e insta_photos/GettyImages