Homens contam como perceberam e superaram vício em pornografia

Segundo relatos colhidos pelo R7, introdução ao conteúdo adulto começa na infância e consumo é considerado 'normal' entre a maioria dos homens

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Facilidade de acesso, rápida sensação de recompensa e dessensibilização a longo prazo: o consumo de pornografia cumpre os requisitos de definição de comportamentos considerados viciantes. E o interesse por esse tipo de conteúdo registrou alta durante a pandemia.

Uma das maiores plataformas de conteúdo adulto do mundo, teve aumento global de 24,4% de tráfego em relação ao ano anterior, sendo que o Brasil está entre os 20 países responsáveis por 79% dos acessos diários no mundo, ocupando a 11ª posição. Só no ano de 2019 foi hospedado conteúdo suficiente para 169 anos de visualização. Na prática, isso significa que se uma pessoa dedicasse um século inteiro para consumir todos os vídeos disponíveis, ela ainda não daria conta do acervo de um único ano da plataforma.

A pornografia é um vício

De acordo com uma pesquisa de 2002 pelo Instituto Kinsey, dos EUA, pioneiro nos estudos de sexologia, 9% dos consumidores de conteúdo adulto já disseram ter sentido vontade de parar sem ter conseguido.

“A pornografia é um vício como outro qualquer: para ter os mesmos resultados, exige aumento contínuo da dose”, é o que explica Renato Cardoso, autor dos best sellers “Namoro Blindado” e “Casamento Blindado”.

Ao abordar os impactos do consumo de conteúdo adulto nos relacionamentos conjugais, ele conclui que a prática tenha os mesmos efeitos de qualquer outra dependência. “A tendência é que o vício piore e que o viciado se envolva com tipos mais pesados, mais fortes de pornografia, que ele aumente a intensidade para buscar mais prazer”, diz.

Esse foi o caso de Gregory Levi, de 26 anos, profissional de marketing digital. Desde os 13 anos ele teve acesso a conteúdo adulto na internet, compartilhado pelos colegas de escola via celular. Há seis meses longe da pornografia, ele relata que percebeu que havia algo errado quando não conseguia iniciar o dia sem antes apertar o play em um vídeo.

“Às vezes, nem me masturbava. Só via o vídeo por ver e passava horas inteiras naquilo. Comecei a perceber que tinha vontade de assistir nos momentos em que ia ter relações sexuais. Foi aí que questionei o que estava acontecendo. Para mim, não fazia sentido o fato de eu ter uma mulher real, mas preferir a ficção.”

Atração sexual é limitada

Raiva, frustração e insegurança foram os primeiros sentimentos da gerente de conteúdo Raquel*, de 25 anos, ao descobrir o vício do parceiro, com quem vive há sete anos. “A insegurança veio por achar que ele procurava na pornografia algo que eu não podia prover. Só depois entendi que se tratava de um vício, bem como o vício em drogas, e abri espaço para a empatia e compreensão”, conta.

Em 1988, o estudo Impacto da Pornografia na Satisfação Sexual, publicado pela Universidade do Kentucky, já apontava que homens e mulheres expostos à pornografia tinham maior probabilidade de se sentirem insatisfeitos com a aparência e performance sexual de seus parceiros afetivos. Em 2014, uma pesquisa conduzida pela Universidade de Notre Dame, também nos EUA, com mais de 20 mil adultos que já foram casados, descobriu que os que consumiam conteúdos eróticos eram mais inclinados a se declararem infelizes em seu relacionamento.

Renato Cardoso explica que a crise conjugal acontece como resultado direto do vício: “Aquilo que é real, a intimidade com a esposa, já não serve mais”, explica o especialista. “Ele deixa de ser o homem que a esposa precisa. Fica frustrado porque a mulher não é aquela que ele viu em um vídeo produzido e acaba vivendo de fantasias, criando assim uma data de expiração para o casamento.”

Segundo o analista de marketing digital Gregory Levi, um dos primeiros efeitos de abandonar o vício foi voltar a se sentir atraído por pessoas que não necessariamente se encaixavam nos padrões virtuais. “Antes, só não achava bonito porque tinha um estereótipo de mulher ideal.”

O cérebro durante o pornô

A razão para o consumo de conteúdo adulto na internet comprometer o interesse sexual na esfera da realidade tem a ver não só com padrões estéticos, mas também com os níveis de estímulo aos quais o cérebro acaba submetido. É o que explica Fábio Porto, neurologista comportamental do Hospital das Clínicas. Segundo o especialista, o cérebro opera em redes que modulam as sensações de recompensa causadas por impulsos primitivos como comer, se conectar e reproduzir.

“A longo prazo, o componente recompensatório vai reduzindo e a pessoa vai querendo cada vez mais”, explica Fábio Porto. Com isso, a sensibilidade para as repostas de prazer diminui e o indivíduo precisa de estímulos cada vez mais intensos para obter o mesmo nível de prazer.

De acordo com o neurologista, é aí que o usuário não só começa a perder o interesse em parceiros reais, como eleva a escala para conteúdos cada vez mais extremos para obter os mesmos níveis de estímulo. Esse fenômeno foi explicado pelo professor de fisiologia Gary Wilson, autor do livro Seu Cérebro sob a Pornografia, durante uma palestra no Tedx Glasgow.

“A pornografia na internet não é sexo. Assistir a uma tela cheia de partes de corpos não protege ninguém do vício de excitação”, explica Wilson.

“Coisa de homem”

Embora tenha impacto nas relações afetivas e profissionais, o vício em pornografia leva mais tempo para ser diagnosticado porque é entendido como um comportamento normalizado. Em 2018, uma pesquisa de diagnóstico de segurança promovida pela Kaspersky Lab apontou que 24% dos homens brasileiros assistem a conteúdo adulto no trabalho.

De acordo com Eduardo Perin, psiquiatra e especialista em sexualidade pelo Instituto Paulista de Sexualidade, um dos comportamentos mais comuns em pacientes viciados é a perda do senso de privacidade, o que faz com que a maioria só procure ajuda após ser flagrada pelo parceiro, por um chefe ou até mesmo pelos filhos.

“A dependência aumenta bastante o nível de dopamina e opioides no cérebro”, explica. “Quando envolvida na pornografia, a pessoa fica com o lobo frontal desligado. Essa é uma área do cérebro importante para brecar comportamentos, então a pessoa não se dá conta dos riscos que corre se for flagrada.”

Foi o que aconteceu com Vinícius Beltramo, 44 anos. Encorajado pelo próprio pai a consumir conteúdo adulto desde os seis anos de idade, ele conta que só procurou tratamento para o vício após ser flagrado pela esposa em mais de uma ocasião.

“Ficava com peso na consciência, mas considerava coisa de homem. Desde os 13 anos frequentava boates de strip tease no centro de São Paulo. Assistia a filmes, via revistas e recebia de 40 a 50 vídeos por dia no WhatsApp.”

Mesmo após abandonar o vício, Vinícius conta que ainda é encorajado ao consumo de pornografia por alguns conhecidos e chegou a cortar relações. Já Gregory Levi tem feito o caminho inverso. Ao tentar estimular conversas sobre o tema no dia a dia, acaba recebendo respostas evasivas. “No meu círculo de amigos, muitos reconhecem que é uma prática que faz mal, mas dizem que não conseguem parar.”

Segundo o especialista Renato Cardoso, a decisão de parar de consumir pornografia deve ser radical, cortando todas as oportunidades e comportamentos que levam ao vício. “Tem que haver uma mudança de pensamento, uma reprogramação da mente e do espírito, para que a pessoa se liberte totalmente e não fique sempre com medo de que vá recair”, conclui.

* Nome alterado a pedido da entrevistada

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Colaborador

R7 / Fotos: Getty Images