Cantadas indesejadas também são formas de assédio
Mulher assediada várias vezes recorre à Justiça e é indenizada. Respeito à mulher em qualquer circunstância e denúncias dos abusos podem inibir novos casos
Atualmente, é cada vez mais comum vermos mulheres passando por momentos de constrangimento e de assédio sexual praticados pelos homens nos espaços públicos.
Ao caminharem nas ruas ou andarem nos transportes coletivos acabam se envolvendo em situações desagradáveis ao escutarem assobios, comentários de viés sexual, olhares malquistos e até mesmo formas de contato indesejado.
A situação é tão corriqueira que um levantamento do projeto Think Olga feito com 7.762 mulheres brasileiras constatou que 99,6% das entrevistadas já foram assediadas em algum momento na vida. Dentre elas, 98% receberam a cantada na rua e 81% já mudaram a rotina por medo de serem alvo de um novo assédio. Isso porque, muitas vezes, a mesma mulher passa por diversos tipos de constrangimento no mesmo local, como aconteceu com a dentista Jéssica Mendes, de 29 anos, moradora do Rio de Janeiro.
Há dois anos, durante o trajeto para a academia que frequentava, ela sempre ouvia cantadas indesejadas de um operário. No quarto dia, já não aguentando mais tanto assédio, ela virou para trás e, tentando dar um basta, respondeu com um “cala a boca!”. Mas a situação só piorou. Depois dessa confusão, o pedreiro xingou-a de “piranha” e de “vagabunda” e ainda passou a ameaçá-la.
Jéssica, então, registrou um Boletim de Ocorrência na delegacia da cidade e entrou com uma ação contra a construtora EIT Engenharia S/A, responsável pelo canteiro de obras. Entretanto, o assédio no mesmo local continuou em outros dias, já que ela voltou a ser desrespeitada de novo por outros três operários.
O processo se arrastou por dois anos, porque a construtora alegou que não tinha responsabilidade pelo funcionário, que era terceirizado. Contudo, a Justiça do Rio de Janeiro deu razão à dentista e, no último mês de dezembro, condenou a construtora a lhe pagar uma indenização no valor de R$ 8 mil por danos morais.
Busca pelo direito
A dentista revidou as palavras de constrangimento ouvidas diariamente e, por isso, acabou recebendo mais ofensas e ameaças.
A advogada Claudia Moraes Cerqueira informa que a atitude mais adequada nesses casos é registrar o assédio na delegacia assim que ele ocorrer. “Em vez de esperar alguns dias e xingar o agressor, por exemplo, procure fazer uso do seu direito, caso se sinta assediada ou ameaçada. Procure a Justiça para que esse dano seja reparado de alguma forma”, instrui.
Cantadas e investidas indesejadas e qualquer outra forma de assédio verbal são tipificadas como crime pela Constituição Federal. Por isso, se o abuso é levado à Justiça, os autores podem ser multados em caso de condenação. “Para que os agentes consigam identificar os autores é importante descrever as características físicas e as roupas usadas por eles. A mulher também pode ligar para o Disque 180 para fazer sua denúncia”, orienta a profissional.
O problema é que muitas mulheres sentem medo de ficar expostas e ainda de sofrer retaliações, caso falem sobre o assunto. De acordo com uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 52% das mulheres não tomam nenhuma atitude depois de sofrerem algum tipo de agressão porque, na maioria das vezes, acham que “não vai dar em nada”. “Em vez disso, elas preferem desviar seu caminho para evitar o assédio com receio das abordagens”, comenta Claudia.
Nada justifica
A psicanalista Anna Clara Mattos ressalta que o homem deve demonstrar cuidado com qualquer mulher para que nem mesmo um olhar diferenciado possa demonstrar um tipo de assédio. “Essa postura é detestável e não podemos admiti-la. O homem precisa respeitar a mulher independentemente da sua vestimenta, do seu jeito de caminhar e do seu comportamento, e não ficar culpando-a pelo que ela fez ou deixou de fazer”, alega.
Isso porque nem sempre ocorre alguma provocação por parte da mulher para motivar o homem a fazer essas investidas indesejadas contra ela. “Nada que a mulher faça pode ser motivo justificável para que ele pratique algum tipo de assédio. É preciso se controlar de qualquer forma e, caso não consiga fazer isso sozinho, é melhor procurar ajuda”, destaca a psicanalista.
Mas ela defende que essa atitude deve ser cobrada tanto por mulheres quanto por homens. “Ninguém tem o direito de assediar o outro. Cada pessoa precisa se colocar no lugar da outra e pensar: ‘eu gostaria de ouvir esse tipo de constrangimento, se eu estivesse na pele dela?’ Quando há essa empatia fica mais fácil não desrespeitar o próximo”, orienta.
Portanto, é preciso entender que o respeito deve acontecer em qualquer ambiente, seja em espaços públicos, como as ruas, seja em espaços particulares, como no trabalho, por exemplo. Mas é necessário que diante de qualquer tipo de assédio seja feita a denúncia, para que essa atitude possa inibir a ocorrência de novos casos.