Quem é o verdadeiro vilão da história?

Desinformação e violência podem afetar a prevenção da febre amarela

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Nem o mico-leão dourado, espécie em extinção, conseguiu fugir da fúria e da desinformação dos brasileiros. Em 2017, dos 602 macacos mortos, 42% foram massacrados pela ação humana. Três deles eram micos-leões-dourados. O cenário era de um palco dos horrores: envenenamento, espancamento, fraturas e vísceras estouradas.

Nos primeiros meses de 2018, a situação, infelizmente, não foi diferente. Só no Rio de Janeiro foram encontrados 144 macacos mortos e 69% deles foram vítimas da violência do homem.

A falta de informação em relação ao vírus da febre amarela, transmitido pelos mosquitos Haemagogus ou Sabethes, é uma das grandes responsáveis pela matança indevida e indiscriminada de macacos. O que esses torturadores não sabem é que “aniquilar” os primatas não é solução para exterminar o vírus. O efeito é justamente o contrário. Sem os macacos, ou melhor, sem a fonte favorita de sangue, os mosquitos deixam o alto das árvores e seguem em busca de outra fonte: o homem.

Como funciona?

O pesquisador Ricardo Lourenço de Oliveira, entomologista e chefe do Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), afirma que macacos não transmitem febre amarela. Eles são vítimas. A transmissão é vetorial e precisa, necessariamente, de um mosquito para acontecer.

A transmissão pode ser silvestre e urbana. No caso silvestre envolve mosquitos silvestres e macacos. Os mosquitos Haemagogus e Sabethes preferem sangue de macacos ou humanos. “A dispersão do vírus ocorre por meio de pessoas ou macacos infectados que, ao se deslocar, podem ser alvo de outros mosquitos e iniciar uma transmissão no novo local. Mosquitos infectados voam até 5 ou 6 quilômetros”, esclarece.

Os mosquitos com o vírus da febre amarela vão infectar os macacos (bugios, macacos-pregos, saguis, guaribas e micos), que podem morrer por serem sensíveis ao vírus. A viremia (vírus no sangue) dura de três a quatro dias e a morte acontece no intervalo de até sete dias. “Quando esses macacos são encontrados mortos, é um sinal de alerta para as autoridades de saúde sobre a possível presença do vírus da febre amarela no local. Por isso, esses animais são chamados de sentinelas”, explica.

Em humanos

Nas áreas de mata onde já existem casos de epizootia (morte de macacos), pessoas não vacinadas podem ser picadas pelos mosquitos. O ciclo urbano da febre amarela não ocorre no Brasil desde 1942. Para acontecer será preciso um novo vetor, o mosquito Aedes Aegypti. Se uma pessoa infectada, na fase de viremia, entrar em uma área com grande proporção de Aedes e uma população suscetível ao vírus (sem vacina) o risco é alto.

Um estudo do Instituto Pasteur da França e da Fiocruz em 2017 comprova que isso é totalmente possível e que os mosquitos Aedes aegypti e Aedes albopictus são suscetíveis ao vírus. Há ainda competência vetorial destes nas cidades de Manaus e Goiânia. O achado reforça a importância de medidas preventivas.

Heróis, não vilões

Diferentemente do que diz a euforia popular, os macacos são os mártires da história “Além de matá-los ser um crime ambiental, isso provoca um desequilíbrio. Sem os macacos, os mosquitos deixam o alto das árvores e poderão picar pessoas que entrem na mata. Ao mesmo tempo, alguns desses mosquitos podem voar mais longe, chegando a moradias próximas das matas”, adverte o entomologista Ricardo Lourenço.

É imprescindível parar com a violência contra os macacos e respeitar o trabalho deles, que são sentinelas. Deveríamos agradecer a eles.

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Colaborador

Por Katherine Rivas/ Foto: Fotolia