Análise: Cuidado com o que fala!

A cada momento, somos surpreendidos por não podermos mais usar certas palavras, pois, de repente, algumas se tornam politicamente incorretas

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Não fale mais empregada doméstica! Agora é secretária do lar. Não, espera, mudou para diarista autônoma.

Não fale mais pobre! Agora é pessoa de baixa renda. Não, espera, mudou para menos favorecidos.

Não fale mais surdo! Agora é deficiente auditivo. Não, espera, mudou para portador de necessidade especial.

Em um mundo onde a patrulha do idioma está cada vez mais atuante temos que tomar cuidado para que ninguém se sinta ofendido. Mesmo palavras legítimas da Língua Portuguesa, com centenas de anos de uso, de uma hora para outra passam a ser consideradas ofensas.

Certa vez comentei que o marido de uma conhecida é cego e que é fantástico ver como ele é independente e as coisas que consegue fazer. Na hora fui corrigida severamente por alguém que disse: “não o xingue de cego, ele é deficiente visual!” Mas a questão é que existem diversas deficiências visuais como miopia, astigmatismo etc. e, se eu não usasse o termo cego, não estaria me comunicando corretamente. “Xingar” de cego? Como assim?

Aldo Bizzocchi, doutor em linguística pela USP, afirma que “o problema está na intenção ao dizer algo, não na palavra em si. Não é ofensa nenhuma dizer que Beethoven era surdo.” Por que será, então, que nosso vocabulário vem sendo tão vigiado ultimamente?

Simples: quem controla a palavra, controla a cultura. E isso é muito perigoso sob o seguinte ponto de vista: dar nomes bonitos a coisas feias, com o tempo, faz o feio parecer bonito, faz coisas inaceitáveis, aos poucos, se tornarem comuns e aceitas na sociedade. Por exemplo, no Brasil, menor de idade não comete crime, mas sim um ato infracional, ainda que tenha matado várias pessoas. Ele não é chamado de criminoso, nem de detento, mas sim, de interno. O preso por homicídio se transformou em algo bem suave: um interno que cometeu ato infracional.

Do outro lado está a sociedade, perdendo sua liberdade de falar, coagida a policiar cada palavra para não ser mal interpretada. Essa patrulha, porém, apenas nos impõe uma nova censura, sem garantia nenhuma de respeito ao próximo. E mais, a patrulha não funciona para todos, mas apenas para alguns, para aqueles que gritam mais alto.

Quando falamos sobre casamento, não faltam pessoas para emitir opiniões contrárias, alegando com todas as letras que se trata de uma instituição falida, um ato ultrapassado, coisa de pessoas que não confiam umas nas outras e precisam de um papel para se sentirem seguras. Mas o que acontece com alguém que expressa contrariedade ao casamento gay? Na hora seria taxado de reacionário, preconceituoso e correria o risco de terminar a conversa em uma delegacia. Por que os cuidados com o que se fala não funcionam na mesma proporção para todas as pessoas?

Que nós possamos viver em uma sociedade menos hipócrita, que não se preocupe em censurar palavras e impor culturas, mas que promova a real igualdade, com respeito a todos, quer sejam maiorias ou minorias. Esse é o Brasil que todos querem.

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Colaborador

Por Patricia Lages/R7 / Foto: Thinkstock