O problema de sentir raiva

Diferentemente do que muitos pensam, a questão não é o sentimento em si. Aprenda a fazer escolhas para usá-la a seu favor

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Você já desejou bater em todos que lhe causam raiva? Falar palavrões e ofender o outro cada vez que é criticado? Quem sabe se, depois de uma situação de injustiça, você já quis chutar objetos e bater a cabeça na parede por causa do nervosismo.

Basta ser humano para sentir raiva. Seja por conta de estresse, seja por causa de uma frustração ou de uma injustiça, a verdade é que todos têm essa emoção em um momento da vida ou até mesmo em todas as horas dela.

De um modo geral, pode-se definir a raiva como um sentimento de insegurança, de protesto ou, como esclarece o dicionário de Língua Portuguesa Priberam: “grande irritação ou aversão em relação a algo ou alguém”, “sentimento de fúria intensa que pode manifestar-se através de agressividade física ou verbal”.

Vivemos uma época em que a dificuldade de lidar com a ira aumenta diariamente. As notícias mostram numerosos casos de tragédias e assassinatos causados pelo mau uso da raiva. Recentemente, a professora catarinense Marcia Friggi divulgou em sua rede social uma foto sua com o rosto machucado em consequência de socos que recebeu de um aluno.

Em sua publicação deu detalhes do ocorrido. Ela afirmou que apanhou após contestar e chamar atenção do adolescente de 15 anos para que ele tirasse o livro que estava entre as pernas e o pusesse em cima da mesa. Após xingá-la e ser expulso da sala, ele reagiu com a agressão física. Em 2016, o mesmo jovem foi denunciado por ter agredido a própria mãe.

Há pessoas que xingam ou agridem o cônjuge após descobrirem uma traição; outras até matam pela mesma razão. Não importa o motivo, não há justificativa para externar esse sentimento de forma negativa. No entanto, o que fazer para vencer a fúria e evitar as consequências negativas dela? Muitos não sabem, mas a raiva pode ser um potencializador para mudanças positivas. Tudo depende da forma como se lida com ela.

Quando custa o emprego

Um problema na impressora foi o motivo da demissão da analista financeiro Regina Célia de Alexandre (foto ao lado), de 47 anos. “Certa vez, fui imprimir uns documentos e a impressora travou. Eu não conseguia pegar as cópias, daí soltei um palavrão bem alto e dei um soco na máquina. No departamento todos me olharam, inclusive o meu chefe, que me mandou embora na hora”, recorda.

A analista era impaciente. No trabalho tentava manter outra postura, mas, quando contrariada, não conseguia esconder seu traço nervoso por muito tempo. “Lembro que não gostava que as pessoas me pedissem favores que fossem alheios à minha função. Eu atendia ao pedido reclamando e com raiva da pessoa que havia mandado executar a tarefa. Com colegas era a amiga mandona. Tudo tinha que ser do meu jeito”, explica.

A demissão foi apenas uma consequência das muitas atitudes erradas que ela estava tendo. “Eu tinha raiva das pessoas e das situações. Na família, quando meus pais não me deixavam fazer o que eu queria, gritava, xingava e esperneava. Numa briga com a minha mãe, a peguei pelo braço e a empurrei com força. E já cheguei a sair no tapa com meu pai. Ou seja, não perdi apenas o emprego, perdi amizades e relacionamentos”, conta.

Regina percebeu que estava sozinha e que as pessoas ao redor tinham medo de conversar determinados assuntos com ela. Daí, ela entendeu que precisava mudar. “Depois das explosões, eu ficava mal, com peso na consciência e depressiva. Percebi que ninguém mais queria minha amizade e ouvia meus familiares reclamando de mim. Comecei a buscar alternativas para lidar com as minhas emoções e descobri que elas tinham raízes, problemas que precisavam ser resolvidos”, afirma.

A forma ruim de lidar com a raiva vinha desde a infância. “Eu era uma criança irritada com meus coleguinhas. Uma vez, aos 7 anos, mordi o olho de uma menina e ela quase ficou cega. Hoje entendo que agia daquela forma porque presenciava muitas brigas na minha casa, meus pais me batiam muito, principalmente meu pai, com cinto e socos. Tudo era na base do grito”, diz.

Então, ela buscou ajuda emocional e espiritual. “Após ouvir um programa de rádio que despertou minha curiosidade, passei a frequentar a Universal. A fé me ajudou a transformar minha raiva. Por meio da oração, falava e ainda falo com Deus tudo o que sinto. Perdoei meu pai e entendi que não é porque tive aquela criação que devo reproduzi-la. Durante três anos, policiei constantemente minhas atitudes. Não foi fácil, mas consegui”, afirma.

Pensar antes de reagir e ter paciência com o próximo foram atitudes que a ajudaram a mudar de postura. “Hoje, nos momentos de raiva, respiro fundo e uso meu domínio próprio. Se alguém me irrita, eu simplesmente ignoro, saio de perto, não respondo nem grito. Apenas respiro fundo e espero aquele sentimento ir embora. Depois, reflito o que posso fazer para resolver aquela situação da melhor maneira”, completa.

A ponto de querer matar

O administrador de empresas João Luiz Fidencio (foto ao lado), de 35 anos, se considerava uma pessoa impaciente no relacionamento conjugal. Como qualquer casal, ele e a esposa tinham diferenças e quando ela o criticava ele costumava ser agressivo. “Presenciei muitas vezes meu pai maltratar minha mãe. E, como ela não reagia, achava que fosse normal agir daquela forma, uma vez que havia sido criado assim. No meu casamento, tinha raiva porque achava que minha esposa tinha que estar sempre satisfeita com tudo. Problemas que poderiam ser pequenos se tornavam grandes em razão das minhas reações”, constata.

Ele se lembra que, com o passar do tempo, seu comportamento só piorou. Há dois anos, João chegou ao ponto de tentar matar a companheira e a filha. “Essa atitude foi a gota d’água. Eu cheguei em casa bêbado e comecei a brigar com minha esposa. Gritei, a ofendi e, quanto mais eu falava, com mais raiva ficava. Coloquei fogo em minha casa com ela e minha filha lá dentro”, lamenta.

Desesperadas, elas fugiram do local e buscaram abrigo com familiares. No dia seguinte, desnorteado e com peso na consciência pela atitude que tivera, o administrador buscou o perdão da parceira. “Eu já havia perdido trabalhos, amigos e estava perdendo o que de mais valioso tinha na Terra. Fui atrás dela para pedir perdão, mas ela estava cansada de ouvir meus pedidos de desculpas e me impôs uma condição: se eu buscasse ajuda e provasse minha real mudança, me aceitaria de volta”, revela.

Naquele momento João entendeu que não conseguiria melhorar sozinho. “Foi quando decidi acompanhar minha esposa na Universal. Ir à reunião passou a me trazer paz, porém tive que fazer muito mais do que apenas frequentar a igreja. Abandonei meu temperamento explosivo e não foi fácil no começo. Cada vez que tinha vontade de gritar, respirava fundo e buscava tolerar a situação”, diz.

Hoje, dois anos depois do dia em que decidiu mudar, o administrador revela que toda vez que sente raiva a transforma em sentimentos produtivos. “Por exemplo, quando minha esposa fala ou faz algo que me dá ódio, busco respirar fundo, lembrar o objetivo do nosso casamento, como eu a amo e que não quero ofendê-la. Assim, ignoro aquela palavra. E não é só com ela. Em qualquer situação me controlo para que minha atitude seja um exemplo testificado da minha transformação”, finaliza.

Ansiedade que precede a (má) reação

Léo Gaspar Mota (foto ao lado), de 38 anos, empresário, não aceitava ser contrariado. A possibilidade de pensar que talvez estivesse errado em determinadas situações o fazia agir de forma impulsiva. “Quando me contrariavam, ficava com muita raiva. Costumava humilhar as pessoas, colocando-as para baixo. Não assumia meu erro e invertia os papéis para que a outra pessoa se sentisse culpada. Com o tempo, as pessoas começaram a se afastar de mim e me toleravam quando era preciso. Apenas ficavam perto as pessoas que eram nervosas como eu”, destaca.

A gota d’água foi quando ele se envolveu em uma briga na rua. “Em uma discussão com um rapaz na saída de uma balada, eu e um amigo fomos buscar uma arma para tirar satisfação com ele. Graças a Deus, quando retornamos, não o encontramos mais. Depois desse dia, comecei a refletir quanto à minha postura e me dei conta de que ninguém tem prazer em ficar próximo de uma pessoa nervosa. Estava fazendo mal a mim mesmo e tomei a decisão de buscar ajuda”, observa.

Ele encontrou direcionamento por meio das palestras de cura e libertação. “Minha mãe não tinha desistido de mim e foi ela quem me fez o convite. Tinha muitas questões interiores para serem resolvidas e meu lado espiritual precisava urgentemente ser cuidado. Foram dois anos de guerra para mudar minha forma de encarar os problemas, mas aprendi a ser mais calmo, a ter mansidão, serenidade e domínio próprio”, acrescenta.

Hoje, casado, ele diz que teve a oportunidade de se libertar do mau uso da raiva e conseguiu transformar o que poderia se tornar uma briga dentro do casamento em respeito, adaptação e crescimento. “Aprendi a respirar, analisar e ponderar antes de falar e de tomar atitudes. Não sou mais ansioso nem impulsivo para falar. E isso ajudou muito na fase de adaptação”, finaliza.

Se proteja!

Antes de tudo é preciso entender que, de fato, a raiva é um sentimento negativo e que ele existe na natureza de todo ser humano. “Ela foi colocada lá por um motivo muito importante: para nos proteger. A raiva é despertada sempre que alguém se sente ameaçado de alguma forma. É importante dizer que o problema não é ter raiva, mas não ter controle sobre ela. Ela é uma força poderosa, é preciso muito cuidado com ela e com o que ela pode levar uma pessoa a fazer”, argumenta a psiquiatra Hebe de Moura.

Quando se sente raiva, os batimentos cardíacos e a respiração se aceleram, a expressão facial, os gestos e a postura do corpo emitem sinais de irritação – como os punhos que se cerram, por exemplo. O tom da voz também se altera e ela pode ficar desde estridente até mais grave ou abafada.

Mas como evitar de fato um “descontrole emocional”? Para Hebe, é necessário usar a razão. “É importante entender melhor o que está acontecendo naquele momento e como se pode lidar com aquilo de modo a causar menos danos a si mesmo, ao outro e à relação, seja amorosa, profissional ou familiar. Assim, em vez de deixar a raiva solta, é urgente dar atenção a ela. E essa é a característica que diferencia os seres humanos dos animais irracionais”, orienta.

Revolta positiva

Outro ponto importante é saber que a raiva tem muitos aspectos positivos. As pessoas são mais felizes quando são capazes de se expressar emocionalmente, mesmo que sejam sentimentos desagradáveis, como raiva e ódio, segundo uma nova pesquisa.

Os cientistas entrevistaram 2,3 mil estudantes universitários de diversos países, como Brasil, Estados Unidos, China, Alemanha, Gana, Polônia, Israel e Cingapura. Os participantes falaram a respeito das emoções e as relacionaram com seus níveis de felicidade e de satisfação com a vida.

Já que a raiva é uma poderosa energia, se ela for bem direcionada, pode nos levar a atingir resultados que, sem ela, talvez não se tivesse forças para alcançar. “A raiva de alguma coisa, como a pobreza ou a ignorância, por exemplo, também pode levar à superação desse cenário. Imagine que alguém foi menosprezado por não ter um diploma. A ira que ele sentiu por ter sido diminuído pode lhe dar o impulso que faltava para se ter a disposição para fazer o que tiver que fazer para obtê-lo, ou seja, estudar e trabalhar”, salienta a psiquiatra.

Conselho de fé

É muito importante saber diferenciar a raiva negativa da positiva e controlar os sentimentos e reações. Caso você ainda não tenha conseguido encontrar o ponto de equilíbrio para os momentos de fúria, segue uma dica valiosa para levar para o resto da sua vida. Existe uma pergunta, segundo o bispo Jadson Santos, responsável pelo trabalho evangelísitco da Universal no Rio de Janeiro, que pode mudar você a partir de hoje ou seu marido, sua esposa, seu filho e até mesmo a sociedade.

“Eu considero essa pergunta salvadora. É sempre se perguntar antes das suas ações e atitudes: ‘o que Jesus faria se Ele estivesse no meu lugar?’ Se a partir de hoje você aplicar essa frase, você vai ter mais sabedoria, mais paciência, mais calma”, salienta o bispo Jadson.

Se agora você está com vontade de responder a uma acusação, de agredir, de fazer algo porque está sendo provocado e ferido, coloque em prática esse pensamento. “Você deve pensar assim: ‘se o Senhor Jesus estivesse no meu lugar, o que Ele faria?’ Faça isso e suas reações serão diferentes. Em quem merece um tapa você vai dar um beijo, em quem merece um empurrão você vai dar um abraço, de quem merece ser julgado você terá misericórdia e perdoará. Você viverá muito melhor a partir de hoje”, conclui.

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Colaborador

Por Ana Carolina Cury / Fotos: Fotolia, Marcelo Alves e Demetrio Koch / Arte: Edi Edson