O abre-alas da hipocrisia
Há meses prefeitos de cidades em que o carnaval é famoso afirmam que a festa ocorrerá em 2022, a despeito da pandemia de Covid-19 que, apesar da alta vacinação no Brasil e em outros países, mostra novos e altos riscos de contágio. O atual prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, determinou que o carnaval está liberado, utilizando até palavrão, bem ao estilo do escracho típico da data.
Liberar festa de Réveillon também é o objetivo de alguns dirigentes políticos. O interessante é que, embora digam que a pandemia os pegou de surpresa – sendo que os sinais no exterior já mostravam que ela chegaria aqui –, muitos se antecipam bastante quando o assunto é festa. Por que liberar aglomerações de multidões regadas a álcool, drogas e descontrole quando, no resto do mundo, novas variantes do vírus voltam a surgir? Só quem lucra com isso saberia responder.
O Brasil vacinou cerca de 80% da população e este alto índice tem sido usado como pretexto para festas sem sentido. O Rio de Janeiro, que tem a lamentável fama de polo internacional do carnaval, corre o risco de sofrer com novas e desnecessárias infecções. Isso depois de tanto esforço de boa parte da população de ter se confinado e seguido as normas de distanciamento e higiene.
Já Ricardo Nunes, prefeito paulistano, procurou reforço em uma espécie de “comitê” que quer formar com outras capitais fortes em carnaval. O objetivo, claramente, é diluir a culpa e a irresponsabilidade. Entre as cidades do tal comitê estão Recife, Belo Horizonte e o próprio Rio de Janeiro. O objetivo do grupo seria garantir ações para a realização de um carnaval “seguro” em relação à pandemia, como se isso fosse possível.
Felizmente, outros prefeitos estão na contramão dessa decisão de liberar o carnaval. Só no Estado de São Paulo mais de 70 cidades já decretaram que não haverá festas públicas, nem no Réveillon nem no carnaval, por entenderem que ainda não há motivo ou necessidade de que haja tal aglomeração. Vários prefeitos de outros Estados também já bateram o martelo e adotaram a mesma atitude. Ademais, o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) e titular da Pasta no Maranhão, Carlos Lula, revelou, em entrevista recente, que os secretários estaduais de Saúde são unânimes em reprovar a realização de carnaval em 2022. Segundo ele, mesmo com a aparente melhoria do quadro de infecções e mortes, há um grande medo, completamente plausível, de que aglomerações do porte do carnaval e do Réveillon gerem nova onda de contágio. O secretário cita, inclusive, que há muita pressão de empresários e profissionais da área da cultura para que as festas aconteçam, mas não é seguro ceder a tais manifestações.
Curiosamente, Eduardo Paes disse que é “besteira” pedir distanciamento de, pelo menos, um metro entre os foliões e que ele mesmo seria “o primeiro a descumprir” a medida, em uma demonstração bem clara de que a vida da população não é importante para ele. Até agora a prefeitura carioca não se pronunciou quanto a exigir dos turistas o passaporte vacinal, pois ele poderia restringir o número de visitantes e o prefeito quer lucrar o máximo possível.
Atualmente, a Europa é a região do planeta mais afetada pela pandemia, com mais de 2,5 milhões de casos e quase 30 mil mortes nos sete dias anteriores a 24 de novembro, quando o Centro Europeu para Prevenção e Controle de Doenças (ECDC) emitiu comunicado de alerta. O pedido do ECDC é que haja conscientização da população de que a pandemia não acabou.
Da Europa vêm centenas de milhares de turistas para o carnaval brasileiro todos os anos em que a festa acontece. Sem a exigência do passaporte vacinal e com os tradicionais “jeitinhos” brasileiros para burlar as regras, os riscos só aumentam.
Curioso é que os mesmos governantes que lutaram para fechar igrejas, barraram o tão necessário comércio e forçaram a paralisação de muitas empresas agora fazem de tudo para liberar festas nem de longe tão necessárias quanto essas atividades. É assim que o eleitor conhece as verdadeiras prioridades daqueles em quem votou. Esse é o verdadeiro abre-alas da hipocrisia!