Cuidado: seu celular pode estar mudando o seu cérebro
Novos estudos apontam danos cognitivos relacionados ao uso excessivo do aparelho
Ficar um dia sem o celular gera pânico em muita gente. O aparelho, criado para fazer ligações, hoje é companhia indispensável do ser humano. Por meio dele, é possível ficar por dentro das novidades dos amigos e dos famosos, jogar, assistir a filmes e trabalhar, entre outras funções.
O aparelho foi desenvolvido pelo engenheiro estadunidense Martin Cooper e a primeira chamada com ele foi feita em abril de 1973. De lá para cá, muita coisa mudou e preocupou até mesmo seu inventor. Em entrevista à France Presse, Cooper afirmou: “quando vejo alguém atravessando a rua olhando para o telefone, me sinto péssimo. Eles não estão pensando”.
Isso chama a atenção para a dependência dos celulares que existe atualmente. O estudo Hábitos Mobile 2022, elaborado pela empresa de pesquisa Hibou, revelou que 56% dos brasileiros não ficam longe do smartphone por mais de uma hora. Em relação ao período do dia de maior uso, 54% o utiliza ao longo de todo o dia, 33% o usa mais à noite, 6% à tarde e pela manhã e 1% de madrugada.
O Brasil, inclusive, é o segundo no ranking de países com maior tempo de uso de telas, atrás da África do Sul. Segundo dados do Digital 2023: Global Overview Report e do aplicativo Sleep Cycle, compilados pela Electronics Hub, o brasileiro passa cerca de 9 horas e 32 minutos conectado por dia, sendo que quatro horas são dedicadas exclusivamente às redes sociais.
Sanguessuga da mente
O fluxo intenso das informações tem levado o ser humano à redução da sua capacidade de concentração e essa dificuldade de manter o foco está ligada às reações do cérebro diante do que tem recebido. “Quando o cérebro entra no automático, ele ativa alguns hormônios que ficam pedindo para que a pessoa repita aquela ação, pois ela gera algum tipo de prazer. Dessa forma, o hábito pode acabar se transformando em dependência”, explica a psicóloga Joana Sakai.
Já um estudo desenvolvido por pesquisadores da University College London, no Reino Unido, revelou que o uso indiscriminado do celular pode afetar a memória. Na prática, o aparelho armazena inúmeras informações, como números de telefone e compromissos, além de facilitar contas simples e apresentar rotas de trânsito. Tais atividades fazem com que as pessoas exercitem menos a memória e fiquem com menor capacidade cognitiva de armazenar informações. Outros estudos também afirmam que as pessoas que recorrem aos celulares para escapar da pressão do dia a dia não têm êxito, já que os estímulos podem deixar o cérebro ainda mais cansado e levá-lo ao esgotamento.
“A luminosidade da tela também pode provocar a síndrome do olho seco, alterar o sono e o hormônio da fome, provocando mais ou menos desejo de comer”, diz a psicóloga. Além disso, a proximidade das telas com os olhos elevou o número de registros de miopia. Em 2021, um levantamento do Conselho Brasileiro de Oftalmologia mostrou que 70% dos médicos diagnosticaram essa condição em crianças e adolescentes durante a pandemia.
Neste ano, um estudo brasileiro revelou que o uso de celulares por mais de três horas por dia altera a postura da pessoa, o que pode levar a dores de coluna. E se engana quem pensa que essa é uma situação vivida pelos mais velhos, pois o problema tem sido cada vez mais comum entre adolescentes. Isso sem contar possíveis problemas nos tendões, em razão do esforço repetitivo com os dedos e as mãos.
“Além disso, o celular não permite o toque, o olhar, ou seja, ele afasta quem está perto e aproxima quem está longe, o que significa uma troca de valores nos relacionamentos. Não se valoriza quem está ao lado”, diz Joana.
Desenvolvimento infantil
Recentemente, o neurocientista francês Michael Desmurget, que atua como diretor de pesquisa do Instituto Nacional de Saúde da França, demonstrou que, pela primeira vez na história, o quociente de inteligência (QI) das crianças de hoje é inferior ao dos pais e esse cenário estaria relacionado à conectividade e ao desenvolvimento infantil em um mundo digital.
Apesar de a Sociedade Brasileira de Pediatria não recomendar o uso de telas por crianças de até dois anos, o que vemos, infelizmente, é que os aparelhos são usados como forma de entretê-las e deixá-las quietas. Essa atitude, porém, traz prejuízos incalculáveis, como cita Joana: “a criança não sente sabor, não tem olfato, não tem troca e não aumenta o vocabulário. As interações ficam empobrecidas e, consequentemente, está se ensinando que o relacionamento dos dias de hoje é com a tela”.
Tempo que não volta
O tempo do ser humano é limitado e, por isso, desperdiçá-lo é um erro. Muitos acabam ocupando tanto o tempo com jogos e redes sociais que deixam de lado a saúde, a família e o trabalho. Se o celular tem sido uma armadilha para afastar pessoas próximas, imagine em relação a Deus. Com tanto entretenimento, a vida espiritual é negligenciada e o que poderia favorecer o desenvolvimento da pessoa perde espaço.
A boa notícia é que mudar esse cenário depende de cada um de nós e o primeiro passo é a colocação de limites. Os próprios aplicativos podem ser programados para avisar quando o tempo de uso extrapolar. Deixar de usar o aparelho na hora das refeições e perto do horário de dormir também é essencial para promover o relaxamento do corpo, o aumento da interação e da sensação de bem-estar.
“Não dá para ser zero tela, porque é se tornar alienado. A grande questão é saber usar. A internet não pode ser considerada vilã, mas sim quem a usa indiscriminadamente. Os limites são essenciais para extrair o que é bom da rede e não deixar de viver o que é real”, conclui Joana.
DESAFIO: QUANTO TEMPO VOCÊ PERDE NO CELULAR?
Você é um dos que gastam quase 40% do dia usando o celular? Para descobrir: em seu aparelho, acesse configurações > bem-estar digital e saiba quanto tempo você gasta em cada aplicativo.