A química da beleza
Cosméticos e maquiagens tomaram espaço nas nécessaires e até na lista de desejos das crianças. Mas dá para confiar neles de olhos fechados?
O Brasil ocupa o terceiro posto no pódio global quando o assunto é mercado de beleza e cuidados pessoais, o que inclui produtos de higiene, perfumaria e cosméticos, e fica atrás apenas dos Estados Unidos e da China, segundo dados da Euromonitor International, divulgados pela Cosmetic Innovation. As vendas de produtos de higiene e beleza no País totalizaram R$ 156,5 bilhões em 2023, com crescimento de 12,7% em relação a 2022.
Contudo esse número robusto de vendas levanta preocupações. Afinal, os produtos que prometem diminuir rugas e trazer mais “beleza” são feitos com compostos químicos que, muitas vezes, podem oferecer riscos à saúde. Em 2023, por exemplo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a venda de todas as pomadas para modelar cabelos por conta da presença de um emulsionante. Essa interdição foi impulsionada por efeitos adversos observados com o uso dos produtos, como perda temporária da visão, dores de cabeça e queda de cabelo.
Nem as crianças escapam dos riscos: uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que os pequenos brasileiros estão expostos a níveis altos de parabenos e benzofenonas, que costumam fazer parte da formulação de cosméticos e podem alterar o equilíbrio hormonal. O estudo foi elaborado por pesquisadores da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da USP em colaboração com pesquisadores norte-americanos e analisou amostras de urina de 300 crianças entre 6 e 14 anos em todo o País.
Dos pés à cabeça
Rogério Leal, médico membro da Academia Brasileira de Cirurgia Plástica da Face e professor assistente no Serviço de Cirurgia Plástica Ocular do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HCFMUSP), detalha que “o consumo de cosméticos começou a crescer exponencialmente a partir da década de 1980” e que o aumento do uso e a criação de novos produtos “fizeram com que problemas de pele e de saúde relacionados a eles passassem a ser percebidos cada vez mais.”
Parte desses problemas são atrelados aos chamados disruptores endócrinos, substâncias tóxicas que se assemelham a hormônios do nosso organismo e que, por serem “uma farsa”, podem bagunçar o equilíbrio hormonal e levar ao desenvolvimento de câncer, a alterações endócrinas e ao agravamento da síndrome do ovário policístico, por exemplo. Ainda assim, essas substâncias podem ser “utilizadas na indústria como conservantes e veículos em cosméticos”, diz Leal. Uma classe desses compostos é a dos parabenos, que estão presentes em xampus, hidratantes, maquiagens e até no protetor solar. Apesar de serem muito comuns, “pesquisas mostraram que eles possuem a capacidade de se acumular no corpo humano e exercer efeitos adversos”, segundo o periódico Journal of Applied Toxicology. Leal ainda cita os ftalatos, que estão em esmaltes e perfumes, e o alumínio, presente nos antitranspirantes, como possíveis causadores de efeitos adversos em algumas pessoas. “Por questões de legislação, todos os produtos têm um serviço de atendimento ao consumidor e, muitas vezes, um número específico para que a pessoa entre em contato caso tenha reações adversas”, lembra Leal. Além disso, é importante procurar um profissional capacitado.
O outro lado do pote
Vânia Leite, conselheira da Associação Brasileira de Cosmetologia (ABC), professora de cosmetologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e especialista de segurança e eficácia de cosméticos, considera que “foi-se o tempo em que cosmético era só um creminho e, se não fizesse bem, mal não faria”. Sobre as matérias-primas usadas nesses produtos, ela explica que há uma lista de restrições por parte da Anvisa. É possível, por exemplo, conferir, no site da própria instituição, o parecer quanto ao uso do acetato de chumbo, que pode ser empregado em tintura capilar com concentração não superior a 0,6%. “O que a gente pode ou não utilizar e o que está lá é seguro para usar naquela quantidade. Por exemplo, parabenos são conservantes permitidos para uso em uma concentração adequada. Já o petrolato é excelente para massagem, mas, para uma pele acneica, ele não é”, diz. No rótulo de cosméticos, os petrolatos podem aparecer como óleo mineral, parafina líquida e vaselina. O detalhe é que os petrolatos podem ser contaminados durante o processo de refinamento por hidrocarbonetos aromáticos policíclicos (HAPs), comprovadamente cancerígenos, como anunciado em comunicado do Instituto Nacional de Câncer (Inca).
Para ganhar as prateleiras, um produto deve passar por testes de segurança e eficácia. “Isso significa que não pode dar problema? Não”, pondera Vânia. Além disso, ela lamenta que muitas pessoas não leem o modo de usar os produtos. “Um produto, às vezes, é para ficar dez minutos no corpo e a pessoa deixa meia hora ou é para ser aplicado no corpo, mas se aplica no rosto. Outros problemas são a compra de itens falsificados e a crença de que o produto caseiro será melhor do que o industrializado.”
Cuidado antes da compra
Antes de comprar o próximo cosmético, vale refletir: o que tem tocado nossa pele? Estamos cedendo aos apelos da indústria da beleza e ignorando os possíveis riscos desses produtos? Se manter alerta aos rótulos também é uma conduta à
prova de ciladas.
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