Ações e reações no debate político
Por meio do humor, a população têm demonstrado nos memes a sua insatisfação com alguns temas e feito os políticos reféns de suas próprias decisões
O mundo virtual já interferiu de forma drástica na vida da população mundial. Se por um tempo a tecnologia foi restrita apenas a quem tinha mais dinheiro, hoje ter um aparelho com acesso a internet é uma realidade de praticamente todos e se tornou até mesmo necessário. Segundo a Anatel, o Brasil fechou o mês de junho deste ano com 260 milhões de aparelhos – número superior ao de habitantes, que é de 203,1 milhões, de acordo com o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Entre todas as mudanças propostas pela tecnologia, uma das mais impactantes foi no formato de comunicação. Com a internet e a popularidade das redes sociais, a forma de contato entre as pessoas mudou, assim como a maneira com que as informações são consumidas e produzidas. Afinal, cada usuário recebeu o poder de ser um criador de conteúdo e uma verdadeira potência de propagação de informações, função que um dia foi exclusiva dos veículos de comunicação tradicionais, como os jornais impressos.
Nesse contexto digital, é possível encontrar textos, imagens e vídeos combinados de forma estratégica com o objetivo de viralizar, ou seja, alcançar o maior número de pessoas em menos tempo. E um dos formatos que melhor atende a esse objetivo é o meme. Essa é uma forma de comunicação que usa do humor para tratar dos mais variados temas, inclusive política.
Os memes na política
Não é de hoje que o humor é adotado nos meios de comunicação para tratar sobre política. As charges, por exemplo, são até hoje tradicionais nos jornais impressos para fazer críticas sobre o tema, muitas vezes se valendo de ironia e de exageros, tanto no que se refere ao texto quanto à imagem produzida. No entanto, os memes elevam essa crítica a um novo nível, pois têm o poder de expor rapidamente a insatisfação das pessoas com uma determinada situação. Além disso, seu potencial de alcance faz do político uma espécie de refém, que se vê obrigado a rever o que fez.
Os memes recentes com a imagem do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, são um bom exemplo disso. O parlamentar está à frente de uma série de mudanças relacionadas ao aumento de impostos e isso, obviamente, desagradou a população. Não demorou muito para que uma série de memes circulassem pelas redes. Um deles trazia a foto do ministro com as palavras “Zé do Taxão”, uma sátira ao personagem brasileiro Zé do Caixão. Tal exemplo mostra como os memes se transformaram em uma forma de protesto que coloca pressão direta sobre os políticos, forçando-os a reconsiderar suas decisões diante da opinião pública.
Além de muitas vezes vexatórios, os memes podem ser considerados praticamente imortais. Mesmo longe da presidência do Brasil há cerca de oito anos, Dilma Rousseff ainda é motivo de piada e tem um compilado de memes que trazem à tona alguns de seus deslizes, imagens que acabam por derrubar sua credibilidade.
“O meme é uma expressão política dos indivíduos, derivada da percepção que cada um tem da política. Em essência, o meme é uma figura de linguagem gerada pela angústia e a expectativa provocadas pela visão política pessoal de cada indivíduo”, explica Arthur Santos, cientista político e coordenador nacional da pasta de articulação política e movimentos sociais do movimento Jovens Republicanos.
Na prática, pode-se dizer que esse tipo de conteúdo tem dado voz à população e mostrado que ela está bem atenta ao que acontece no cenário político do país. É cada vez mais difícil que um erro ou insatisfação passe despercebido.
Um alerta à manipulação
Por outro lado, os memes também podem ser usados como instrumento de influência política, tanto para benefício próprio quanto para prejudicar adversários. “Os próprios atores da política já entenderam a relevância e o poder dos memes e têm usado essa ferramenta em suas campanhas para mobilizar e engajar eleitores em relação aos seus interesses”, destacou o cientista político.
Essa estratégia foi utilizada, por exemplo, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro e, mais recentemente, pela candidata às eleições americanas Kamala Harris, que no primeiro dia de campanha, mudou a cor de seu perfil em redes sociais para se apossar de um meme que a favorecia, estratégia que não passou despercebida pelos eleitores nem pela mídia. “Os memes têm sido usados na política como armas de guerra cultural. Eles são produzidos por pessoas que têm objetivo político, a fim de despertar a participação política do indivíduo que os consome, influenciar a opinião pública e, assim, alcançar eventos reais, como as eleições”, comenta o especialista.
Com o tamanho da influência e do poder de reforçar ideias, até de forma subjetiva, os memes merecem atenção do internauta quanto à veracidade de seu conteúdo. “Em um ambiente digital marcado por conflitos culturais, os indivíduos podem produzir informações que não correspondem à realidade dos fatos. Quando um meme com esse tipo de conteúdo se espalha além de sua bolha, ele pode disseminar informações falsas”, reforça Santos.
Nesse sentido, é importante que haja critério na hora de ver um meme e interpretá-lo, checar se a informação está correta e evitar compartilhar o que parecer suspeito. Basear opiniões em memes também não é sábio, já que muitas vezes é recheado de sátiras, ironias e exageros, que podem passar despercebidos sem um olhar mais atento. Portanto, cuidado para não ser influenciado ou enganado por esse tipo de conteúdo.
Além disso, apesar de estar respaldado pelo humor, um meme que fere o bom senso pode não ser interessante de ser propagado por aí. E, tendo em vista que o principal agente dessa grande circulação somos nós, usuários das redes sociais, também é nossa responsabilidade dar visibilidade ou não a um conteúdo nesse formato.
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