Adeptos do homeschooling são chamados de fascistas. Entenda

Caso de jovem que adotou ensino domiciliar e foi impedida de se matricular na USP traz à tona necessidade do debate

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“Fascistas!” “Pedófilos!” “Elitistas!”. É assim que pais adeptos do homeschooling são chamados por muitos críticos.

Os opositores fazem essas ofensas, infelizmente, sem conhecimento sobre o que significa a modalidade. “Virou uma guerra ideológica e política, provocada pelos opositores que nada entendem de educação domiciliar”, detalha a este blog Rick Dias, pai Educador e Presidente da Associação Nacional de Educação Domiciliar, Aned.

Rick explica que essa visão errada bem como os xingamentos ocorrem, principalmente, em audiências e debates. “Até mesmo colunistas e jornalistas falam sobre o tema de forma errônea, elencando apenas pontos negativos, sem embasamento científico. Eles afirmam que é um modelo elitista, formado por fanáticos religiosos que visa formar fascistas. Um absurdo”, observa.

Antes de tudo, é preciso entender que no homeschooling os estudantes não frequentam escolas formais, todo aprendizado se dá em casa, sob orientação e supervisão dos pais ou de professores particulares.

Há muitos mitos disseminados sobre esse formato de educação domiciliar. Ele não é direcionado apenas às pessoas de classes econômicas mais altas, nem é religioso, uma vez que há muitos exemplos de pessoas bem sucedidas que participam do método e não são de famílias ricas e também de pais que sequer professam uma religião e defendem o ensino.

Um exemplo clássico é o do neurocirurgião norte-americano, Benjamin Solomon Carson, que conquistou sucesso mundial ao conseguir realizar uma cirurgia de separação de gêmeos siameses unidos pela parte posterior da cabeça. Ele é frequentemente citado para provar que o homeschooling não tem nada de elitista uma vez que, quando Carson teve acesso ao ensino domiciliar, a mãe mesmo sendo analfabeta funcional se responsabilizou pela educação dele que, na época, era o pior aluno da turma. Sua história, inclusive, virou filme (“Mãos Talentosas”).

O Brasil, infelizmente, está muito atrasado nesta discussão, obviamente por visões rasas e extremistas. Segundo ranking internacional da Oidel, instituição que avalia a liberdade educacional dos países com sede em Genebra, na Suiça, de caráter consultivo junto à ONU, o Brasil ocupa a 58ª posição, entre Qatar (57º) e Cambodja (59º).

Atualmente, mais de 64 países, com variados regimes de governo, já regulamentaram o homeschooling. Nos Estados Unidos, por exemplo, há cerca de 2,5 milhões de alunos em educação domiciliar. No Reino Unido, por volta de cem mil, no Canadá, 95 mil, na Rússia, 80 mil, etc.

Lados opostos

O tema sobre a regularização do homeschooling no país voltou a ganhar destaque após a repercussão do caso da estudante Elisa de Oliveira Flemer, de 17 anos, que adotou homeschooling, foi aprovada em engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP), mas foi proibida pela Justiça de iniciar o curso.

A jovem não frequentava a escola desde 2018 e estudava em casa por volta de seis horas por dia. A família não aceitou a decisão, recorreu à Justiça e, em outubro do ano passado, o Ministério Público autorizou que a estudante ingressasse na faculdade.

O caso dela é semelhante ao da filha de Rick Dias, Lorena. “Lorena foi aprovada no ENEM em 2015 e em dois vestibulares. Mas, precisamos entrar na justiça para que ela pudesse receber o certificado de conclusão do Ensino Médio. Mesmo eu tendo emancipado ela aos 16 anos, antes da prova, eles não aceitaram, mas numa decisão inédita, Lorena pôde entrar na Universidade. É lamentável tamanha incoerência do judiciário brasileiro sobre a educação”, contesta o presidente da Aned.

Para ele, o modelo de educação escolarizada despreza o pluralismo de ideias e concepções pedagógicas, citados na Constituição. “Vale qualquer coisa, inclusive não aprender nada, desde que esteja frequentando uma escola”, acrescenta.

Assim como eles, muitas outras famílias procuram a justiça para conseguir fazer valer essa modalidade de ensino. Isso porque, como vimos, a prática é duramente condenada por parte da sociedade.

Prós e Contras

Uma das maiores críticas à educação domiciliar é o fato de a criança não socializar com outras. Outros pontos citados são a desvalorização dos professores e falta de regularização, já que, apesar de milhares de pais lutarem por isso no Brasil, ainda não há uma lei nacional aprovada que estabeleça regras e que defina critérios.

Ao mesmo tempo em que o homeschooling sofre tanta desaprovação no Brasil, casos como o de Elisa, Lorena e tantos outros têm demonstrado que o método pode ser positivo.

Segundo alguns relatórios desenvolvidos sobre o tema, como por exemplo, o Homeschool Progress Report, estudo sobre o desempenho acadêmico e perfil social dos adeptos do homeschooling nos Estados Unidos, alunos educados em ensino domiciliar têm resultados muito superiores aos alunos das escolas públicas americanas em todas as áreas. Além disso, famílias em que os pais não possuem ensino superior também apresentam resultados melhores quando comparados aos das escolas públicas.

A verdade é que a grande maioria dos trabalhos científicos tende a ser favorável ao direito de se educar os próprios filhos em casa.

Coerência sem interferência

Um levantamento da Associação Nacional de Educação Domiciliar (Aned), aponta que a educação domiciliar teve um aumento de 2 mil por cento entre os anos de 2011 e 2018. Pelos estudos já feitos, Rick Dias diz acreditar, apesar de ainda não ter um dado oficial, que mais de 30 mil famílias passaram a adotar o homeschooling no Brasil durante a pandemia.

Recentemente, a regulamentação foi defendida pelo ministro da Educação, Milton Ribeiro, e pela ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, em um ciclo de debates organizado pela Câmara dos Deputados.

Desse modo, é muito importante que as famílias de todo país conquistem o direito de eleger essa modalidade de ensino para seus filhos e que o artigo 26 da Declaração Universal dos Direitos Humanos que diz que “(…) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de educação que será ministrada aos seus filhos” se cumpra.

Homeschooling não tem nada a ver com política, mas sim com liberdade, direito e pluralidade educacional. Não é uma luta contra a escola, é uma luta pela autonomia educacional da família.

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Colaborador

Refletindo sobre a notícia por Ana Carolina Cury | Do R7 / Fotos: Getty Images