Agenda woke: a relação entre a esquerda e o radicalismo
Em busca de uma suposta justiça, ativistas acabam se tornando intolerantes. Será que a população ainda apoia isso?
Grandes empresas como Toyota, Ford e Harley-Davidson compartilham mais do que o fato de serem referência em seu segmento de atuação, elas abandonaram a agenda woke (termo que ainda não é muito popular no Brasil, mas merece atenção dos brasileiros, pois seus sinais estão cada vez mais presentes no dia a dia da população) neste ano. Isso porque a adoção e o apoio a uma cultura mais progressista custaram um grande prejuízo financeiro a essas companhias, como elas mesmo apontam.
O termo em inglês “I woke” tem tradução literal para o português de “eu acordei”. No entanto seu significado enquanto agenda tem um sentido bem mais amplo e está diretamente relacionado à postura política de um indivíduo. “É a ideia de que as minorias devem ficar em alerta constante para lutar pelos seus direitos. Na verdade, sugere que qualquer coisa pode ser entendida como um ataque dos chamados grupos privilegiados contra a minoria”, explica Valdir Pucci, cientista político.
Na prática, a agenda woke prevê pautas em defesa dos grupos minorizados na sociedade, como negros, mulheres, LGBTQIAPN+ e imigrantes, entre outros. “O objetivo da agenda woke é defender direitos, o que não é errado. A grande questão é que ela faz essa defesa de forma radical, dividindo o mundo em bonzinhos e maldosos, sendo que aqueles que defendem os interesses da agenda são bons e os que não concordam com algum de seus pontos seriam os vilões da Humanidade”, afirma Pucci.
A defesa dos direitos de grupos historicamente marginalizados é um dever de todos como sociedade, mas aplicar um único modo de realizar essa proteção ou reparação pode acabar prejudicando o objetivo final. “O problema da agenda woke é justamente o fato de radicalizar essa defesa, sem encontrar nenhum ponto que possa ser discutido, ou seja, não há diálogo para entender que existem outras formas de interpretar o mundo”, diz Pucci, que completa: “nesta condição de luta constante não é possível encontrar pacificação na sociedade”.
O politicamente correto
Uma das características marcantes dos “wokes” é o cuidado com palavras que possam ser interpretadas como ofensivas, discriminatórias ou insensíveis, com o objetivo de promover um ambiente de inclusão para as identidades e experiências.
Um exemplo que tem gerado debate é a palavra “mulher”, que, em alguns contextos, deveria ser substituída por “pessoa que menstrua”, com a intenção de diferenciar as mulheres cisgênero (aquelas que nasceram com o sexo feminino) das mulheres trans (que nasceram com sexo masculino, mas fizeram a transição). Há quem defenda que apenas dessa maneira não haveria discriminação entre as mulheres.
Toda essa discussão também é levada ao mundo digital. Inclusive, a internet é uma verdadeira arma para punir aqueles que não concordam com algo relacionado à cultura woke. “No caso dos cancelamentos on-line, o indivíduo que fala algo que a agenda woke acredita não ser o correto tem sua ideia desmoralizada. Essa pessoa é cancelada, sendo colocada numa posição de ser contrária aos direitos de minorias, mesmo que ela busque apenas promover um debate de como esses direitos podem ser consolidados sem praticar uma cisão dentro da própria sociedade.” Esse cancelamento, quase todas as vezes, envolve ofensas pelas redes sociais, ameaças e até mesmo ataques a familiares e pertubações na vida profissional.
Representante Woke
Muitos parlamentares adotaram a agenda woke com a exclusiva pretensão de obter votos, mas Pucci destaca que “o parlamentar não pode se esquecer que ele deve pensar em seus eleitores, mas também tem uma função macro, ou seja, de pensar no país. Quando a agenda woke entra na função parlamentar não existe o debate e uma das coisas básicas para se pensar o macro e representar de forma adequada uma parcela da sociedade é justamente o debate, mas a agenda woke não engloba esse debate – ou se está com ela ou se está contra ela –, o que faz com que esse representante tenha uma atuação muito restrita”.
Um dos pensadores políticos mais influentes da história dos Estados Unidos, o senador Bernie Sanders, que se declara progressista e socialista, também acredita que a população, hoje em dia, vê a esquerda muito ligada à agenda woke e afastada de outros grupos sociais, como os trabalhadores. Depois da vitória de Donald Trump e dos conservadores nas últimas eleições norte-americanas, Sanders declarou que “a esquerda, se quiser ganhar de novo, tem que se afastar da imagem de que só trabalha pela agenda woke e reassumir o compromisso de trabalhar por todos”.
Sobre a vitória de Trump
Especialistas acreditam que a agenda woke está em declínio nos Estados Unidos, principalmente tendo em vista o número de empresas que estão deixando de patrocinar essa cultura e a repercussão negativa de ações que promovem uma suposta inclusão. Outros acreditam que a vitória de Trump destaca a perda da força desse ativismo.
Mas Pucci acredita que a questão econômica foi o que mais influenciou a eleição do Partido Republicano, mas concorda com a necessidade de uma transformação no modo do que é proposto para a defesa dos grupos minorizados. “Tem se percebido cada vez mais a cisão promovida pela agenda woke. Em vez de promover a união ou a defesa daqueles que não estão devidamente representados, ela busca o radicalismo. Então, acredito que ela tenha que passar sim por uma transformação em sua atuação e na forma com que tende a dividir a sociedade”, conclui.
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