“Ai de vós, fariseus!”
O ser humano tem uma característica extremamente perigosa. Mesmo que tenha consciência do que é o certo, o bom e o justo, isso é ignorado por muitos, pois há uma inclinação natural para o que é mau e também para ignorar que essa maldade é capaz de tomar proporções monstruosas e desumanas.
Todos sabemos, por exemplo, que as crianças devem ser amadas, respeitadas e protegidas. Só que também sabemos da desigualdade social que coloca muitas delas em situações de vulnerabilidade, que ano após ano o número de registros de violência contra elas aumenta e que, apesar de muitos terem consciência dessa realidade e da real necessidade dessas crianças, muitos continuam violando-as e outros ignorando o que acontece com elas.
Informações do Boletim Epidemiológico do Ministério da Saúde sobre violência sexual contra crianças e adolescentes revelam que, entre 2005 e 2021, o Brasil registrou 202.948 casos de violência sexual contra menores de idade. Nos dados que constam no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sian), dentre as vítimas de zero a nove anos, 2,3% sofreram exploração sexual. E, se formos bem sinceros, esses números tendem a ser bem piores, já que esses crimes nem sempre – para não dizer “raramente” – são notificados às autoridades.
Recentemente, na semifinal do Dom Reality (programa que revela talentos da música gospel), Aymeê Rocha cantou uma música autoral chamada Evangelho de Fariseus. A expressão “fariseus” remete àqueles que carregam a imagem de pessoas justas, honestas e boas, mas não carregam essa essência por nitidamente não fazerem aquilo que é realmente justo, honesto e bom. São pessoas que conhecem as leis e estão até em posição de autoridade, mas vivem de aparência e não passam de falsas. Por isso, o Senhor Jesus disse “ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas” repetidas vezes (Mateus 23.13-39), reforçando Sua indignação com aqueles que, por conta do que aparenta ser e o que não é, acabam impedindo que pessoas conheçam a essência do Evangelho e o Próprio Deus.
Todavia, ao contrário do que muitos interpretaram, mais do que uma crítica à superficialidade de muitos que se denominam cristãos, a cantora trouxe à tona problemas sociais antigos e ignorados, como a exploração sexual de crianças e adolescentes na Ilha de Marajó, no Pará, em Belém. Segundo denúncias (que estão sendo investigadas), há décadas a região lida com a exploração sexual infantil, a pedofilia e até o tráfico humano.
Essas denúncias não são recentes. Em 2022, Damares Alves, na época ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, apresentou as denúncias de exploração sexual e tráfico de crianças na Ilha de Marajó. No entanto, enquanto tentava trazer luz a esse assunto, políticos e até artistas se mobilizaram para descredibilizar tais denúncias e, inclusive, pediram a cassação de seu mandato porque, em vez de observarem a mensagem e fazerem algo a respeito, decidiram ir atrás do mensageiro e calar sua voz.
Vale lembrar que, segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), as denúncias de crimes contra menores de idade devem ser feitas perante qualquer mera “suspeita”. Afinal, são crianças! São seres humanos com um futuro inteiro pela frente que têm seus sonhos destruídos e sua pureza roubada pela ganância, pela maldade impregnada no coração humano e pela perversidade de alguns de pensar em satisfazer as próprias vontades e desejos mesmo que seja cometendo atos deploráveis. E é isso que o ser humano é capaz de fazer quando se deixa inclinar para sua natureza corrompida e abjeta.
E, mesmo com a nova onda de repercussão, muitos ainda insistem em impedir que essas denúncias sejam investigadas e divulgadas. O jornalista Roberto Cabrini (Record TV), por exemplo, foi até a Ilha de Marajó para conversar sobre as denúncias com os moradores da região. Ao chegar no local, uma operação policial estava em andamento e um suspeito de ter abusado de uma menina de 13 anos era levado pelos agentes de segurança pública. Nesse momento, Cabrini foi abordado por um homem que tentou impedi-lo de realizar seu trabalho, levando-o a responder: “divulgar eu vou, porque eu sou jornalista e nada me impede (…). Não estou aqui para te prejudicar e nem você a mim”. Esse é o nosso papel como profissionais e nosso dever para com as crianças: revelar a verdade, seja ela qual for, com o intuito de impedir que a maldade prevaleça.
Lembre-se: toda e qualquer violência deve ser denunciada e os responsáveis devidamente penalizados. Por isso, ao presenciar ou suspeitar de qualquer tipo de violência contra crianças e adolescentes, denuncie imediatamente no Disque 100.