Análise: A pobreza moral da fala de “Mamãe falei”

Depois de falas explicitamente abjetas e sexistas, deputado estadual por SP, Arthur do Val não pode sair impune

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Que tipo de pessoa faz campanha para arrecadar fundos sob o pretexto de dar apoio às vítimas de uma guerra, abandona suas funções públicas para atravessar o mundo bancando o herói, mas envergonha uma nação inteira com comentários sexistas, misóginos, machistas e absolutamente desprezíveis?

Que tipo de pessoa se depara com as misérias de um conflito dessa magnitude, testemunha pessoalmente a situação deplorável de uma nação inteira, mas demonstra total incapacidade de sentir comoção ou compaixão como qualquer ser humano funcional faria?

Que tipo de pessoa, em meio a uma guerra que já vitimou milhares de civis, cruza a fronteira a pé enquanto observa outras milhares que, desesperadamente tentam fugir para salvar suas vidas, e só pensa em dizer o que segue abaixo?

“Eu juro por Deus… eu tenho 35 anos, cara… eu nunca na minha vida… vi nada parecido assim em termos de ‘mina’ bonita. Assim, a fila das refugiadas, irmãos… imagina uma fila, sei lá… tô sem palavras… uma fila de 200 metros ou mais, assim… só deusa!”

E que tipo de pessoa continua seu relato sobre mulheres que perderam quase tudo na vida, desta forma? “Detalhe: elas olham… e vou te dizer: são fáceis, porque elas são pobres. E aqui, cara, a minha carta do Instagram, cheio de inscritos, funciona demais! Depois eu conto a história… nossa! Não ‘peguei’ ninguém, mas eu ‘colei’ em duas ‘minas’, porque a gente não tinha tempo, em dois grupos de ‘minas’ e, assim, é inacreditável a facilidade!”

Que tipo de pessoa, enquanto passa por diversos pontos de controle de fronteira para deixar uma zona de guerra, em vez de fazer o que se propôs, se ocupa em contar o número de policiais “deusas” e demonstrar tristeza por não poder desfrutar delas. E que tipo de pessoa, para deixar a tristeza de lado, afirma ter tomado a seguinte resolução: “Assim que essa guerra passar eu vou voltar para cá”?

Que tipo de pessoa, depois de ver com seus próprios olhos os horrores de uma guerra, tem cabeça para falar, com um entusiasmo canalha, sobre a viagem que seu amigo, Renan dos Santos, organiza, a chamada “tour de blonde”, que consiste em viajar “só pra pegar loira”?

Que tipo de pessoa promove o turismo sexual detalhando a estratégia de seu amigo Renan, dizendo “ele já tem técnicas, ele já está avançado” e destacando a sua “vantagem” de falar sueco e ser um cara “viciado nisso”?

Que tipo de pessoa dá dicas de como “pegar” mulheres nessas viagens predatórias dizendo que não se deve ir para as cidades litorâneas, nem para as baladas, mas sim, para cidades “normais” para “pegar” mulheres “nos mercados, na padaria” e ainda reitera que “essas cidades mais pobres são as melhores”?

Que tipo de pessoa demonstra clara excitação ao dizer que não “pegou ninguém”, mas que “só a sensação de saber o que poderia fazer” [com as mulheres locais] já o fez decidir voltar?

Seria alguém com um perfil desses uma pessoa normal? Seria alguém com esse perfil um representante idôneo da população paulista? Seria sua fala fraca, ensaiada e a ridícula tentativa de se desculpar o suficiente para seguir a vida normalmente?

Futuro político

O deputado estadual (Podemos) Arthur do Val, conhecido como “Mamãe falei” e um dos líderes do Movimento Brasil Livre (MBL), acaba de se tornar alvo de uma representação movida neste sábado, 5, por deputados do partido Republicanos ao Conselho de Ética e Decoro Parlamentar, de acordo com o artigo 14.

Os sete deputados que assinam a representação – Altair Moraes, Gilmaci Santos, Wellington Moura, Jorge Wilson, Edna Macedo, Sebastião Santos e Douglas Garcia – classificam as declarações de do Val como “machistas, sexistas, debochadas e desumanas”. O grupo de parlamentares requer a cassação do mandato do deputado, o que encontra eco nas redes sociais, onde a hashtag #MamaeFaleiCassado figura entre as mais populares.

Se o Brasil pretende ser uma nação séria e se São Paulo tem a intenção de fazer jus ao título de locomotiva do país, Arthur do Val deve ser destituído do cargo e ficar impossibilitado de concorrer a cargos públicos pelo período de tempo que a lei determina.

Ou este país começa a punir verdadeiramente esse tipo de comportamento abjeto ou estará assinando uma declaração pública de que não tem o menor respeito por ninguém.

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Colaborador

PATRICIA LAGES | Do R7 / Foto: Reprodução/Twitter