Aqui jaz a mãe?

Uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) determina a inclusão do termo "parturiente" ao lado da palavra mãe na Declaração de Nascido Vivo. Reflita sobre o que ela pode representar

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Mãe. Mamãe. Mainha. As formas de chamar a pessoa que ama, cuida, protege, ensina a criança, o adolescente e segue fazendo isso até quando os filhos estão na fase adulta são as mais variadas. Há mulheres que sonham em se tornar mãe desde a infância e, ao ouvir que o filho já tenta balbuciar tal palavra, a felicidade é notória.

Mas aos poucos algumas expressões estão sendo “ajustadas” sutilmente. Hoje não usamos mais sexo feminino ou sexo masculino, mas gênero. Atualmente, não usamos mais apenas os termos mulher ou homem, mas os substituímos ou incluímos cis, trans, agênero, fluído, não binário, entre outros. A novidade agora é que alguém que gesta, entra em trabalho de parto e pode amamentar não é mais mãe, mas parturiente.

Lado a lado

No dia 17 de outubro deste ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou por unanimidade (quando todos os presentes votam a favor da decisão) que os hospitais devem incluir o termo “parturiente” ao lado de “mãe” no campo que indica quem gestou e deu à luz na Declaração de Nascido Vivo (DNV) da criança. Outro ajuste é que o próximo campo da DNV, até então “responsável legal”, também sofreu alteração para “responsável legal/pai”. A decisão inclui ainda mudanças no atendimento realizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), como a realização de 271 procedimentos para ambos os sexos, a exemplo do exame de próstata e da cirurgia cesariana.

Voltemos aos termos. A psicóloga Daiane Bessa esclarece que as palavras mãe e parturiente, que agora ficarão lado a lado na DNV, têm conotações diferentes. “Do ponto de vista da expressão, a palavra mãe envolve a questão do cuidado, da atenção, do carinho, da criação, da proteção, do que chamamos de ‘instinto materno’. Uma conotação que a palavra parturiente não tem. Ela só tem essa ideia de ser alguém que colocou outra pessoa no mundo”, comenta.

Com a repercussão da aprovação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 787, apresentada pelo Partido dos Trabalhadores (PT) em fevereiro de 2021, o STF informou em suas redes sociais, no dia 18 de outubro, que “essa decisão não invisibiliza nem fere nenhum direito das pessoas cis/heterossexuais. Ela apenas amplia a nomenclatura do registro DNV para incluir a população transexual e travesti”. Para exemplificar, o homem trans (pessoa nascida com o sexo biológico feminino que se identifica como alguém do sexo biológico masculino) que der à luz terá seu nome incluído no campo mãe/parturiente. A decisão do STF, que já está em vigor, inclusive, está associada às metas 3 e 10 da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU): Saúde e Bem-Estar e Redução das Desigualdades, respectivamente.

Pensando em todos?

Há pormenores que precisam ser avaliados nessa decisão. Afinal, a inclusão que defende apenas ideologias não é inclusão de verdade. A justificativa para essa alteração na DNV é seletiva, sendo justificada apenas sob a ótica da inclusão da comunidade LGBTQIAPN+. Todavia, sob esse argumento de inclusão e respeito, outros “grupos” poderiam e deveriam ter sido levados em consideração e, se tivessem sido ao menos lembrados pelo PT, que propôs a alteração, e pelo STF, que votou a favor, a repercussão poderia ter sido bem diferente. Por exemplo: durante as discussões, nada se falou sobre os adotantes, que, pela Lei 13.509/2017, têm direito ao status de pai e mãe do adotado. Também não se falou da chamada “barriga solidária”, a alternativa regulamentada que ajuda quem não consegue engravidar. Esses grupos serão contemplados pela decisão? Sim, mas, apesar de contemplados, não foi por eles que a decisão foi tomada e o fato desses grupos serem afetados pela decisão do STF é apenas efeito colateral do atendimento das vontades do grupo LGBTQIAPN+. Quando as decisões tomadas em favor desses prejudicarem concretamente outras pessoas, todas elas serão levadas em conta?

Outro efeito colateral é o prejuízo à saúde pública. Como já citado, a decisão obriga o SUS a tratar mulheres trans como mulheres biológicas e homens trans como homens biológicos, mas quem nasce homem tem questões de saúde diferentes de quem nasce mulher. Igualar os gêneros em dados de saúde pode resultar em distorções que afetarão o repasse de verbas públicas e a disponibilidade de médicos especialistas em determinadas regiões, entre outras, o que atinge a saúde de todos os brasileiros.

Todas as decisões tomadas no Executivo, no Legislativo e no Judiciário impactam nossas vidas diariamente. Por isso precisamos ficar atentos tanto nas ações quanto nas justificativas para elas. Seja em prol da inclusão, seja em nome do respeito, não podemos fazer acepção de pessoas, afinal de contas, não sabemos qual pode ser a próxima decisão que beneficiará apenas um grupo e ignorará que vivemos em sociedade e que todos devem ser lembrados e resguardados pela lei.

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Colaborador

Laís Klaiber / Fotos: Jajah-sireenut/GettyImages e Gustavo Moreno/STF