Campanha de combate à violência contra a mulher na África do Sul
Mais de 10 mil pessoas foram alcançadas com trabalho das conselheiras do grupo Mulheres em Ação em parceria com as do Raabe
Cerca de 90 mil mulheres foram vítimas de feminicídio no mundo todo, apenas no ano de 2017, de acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU). Um dos continentes que lideram a lista de mulheres assassinadas por seus parceiros ou familiares é o africano (19 mil), antecedido somente pela Ásia (20 mil). No continente africano, as mulheres correm mais risco (69%) em países como África do Sul, Senegal e República Democrática do Congo.
Visto os dados alarmantes e urgentes, anualmente, o grupo Mulheres em Ação (Woman in Action), em parceria com o grupo Raabe, realiza uma campanha denominada “16 Dias de Ativismo de Combate à Violência Contra a Mulher e a Criança”. Recentemente, conselheiras (esposas de pastores) dos dois grupos se reuniram para a 11ª edição do evento na África do Sul.
Ajudar e mostrar que há esperança
A campanha teve como objetivo principal destacar o flagelo da violência, que se tornou uma pandemia no país. Durante o período, as conselheiras, treinadas por profissionais da área de assistência às vítimas, ficam disponíveis em diversos locais de fácil acesso para a população. Dessa maneira, oferecem esclarecimento sobre direitos, sinais de abuso, e também orientam as vítimas de violência, as encaminhando à assistência necessária.
“Conseguimos conscientizar e ajudar muitas mulheres. Durante o aconselhamento, pude notar que muitas ‘toleram’ o abuso e se acomodam com a situação. Mesmo que isso cause dor e as afete de maneira negativa em muitos aspectos. Muitas vivem com feridas emocionais e passam também a machucar outras pessoas. Essa é uma oportunidade de ajudar e mostrar que há esperança, que essas mulheres podem se libertar da escravidão do trauma que carregam há anos”, explicou a voluntária do Raabe, Zandile Ramatlho.
No total, 130 conselheiras atuaram em diferentes estados do país. Mais de 10 mil pessoas foram alcançadas. Esse tipo de aconselhamento é oferecido durante todo o ano, mas é intensificado durante o período da campanha.
“Com esse trabalho, as mulheres percebem que há ajuda disponível e que as portas estão abertas. Elas notam o cuidado e atenção que temos ao nos aproximar. Era visível a sede de cada uma delas em receber ajuda e aliviar o peso de um fardo de dor. Uma delas, que recebeu aconselhamento na primeira semana, voltou na semana seguinte para contar que já tinha visto resultados e estava muito agradecida”, disse Mokgadi Mandlasi, voluntária do Raabe.
Enfrentar o passado e avançar sem rancor
As vítimas são incentivadas a falar sobre suas experiências e, assim, iniciar o processo de recuperação. Assim como foi com Fikiswa Ngqabishe, esposa de pastor, que desde a infância passou por momentos de dor e sofrimento.
“Minha mãe dizia abertamente que não me amava. Morei com diversos familiares e um em particular abusava de mim sexualmente, quase todos os dias enquanto eu estive lá. Eu também fui espancada muitas vezes e até mordida. Às vezes, minhas roupas eram queimadas. Isso deixou muitas cicatrizes. Por tudo isso, eu não tinha autoestima, me sentia inútil, rejeitada e com desejo de suicídio. Eu achava que tudo isso era minha culpa”, contou.
Mesmo diante toda essa experiência traumática, ela lutou para ter um futuro.
“Casada, percebi que o passado afetava o meu casamento. Então, decidi procurar ajuda. O grupo Raabe abriu os meus olhos. No começo, eu tinha tanto medo de ser julgada de novo. Mas, sabia que tinha que fazer algo a respeito. Senti pena do meu marido que tinha uma esposa com tanta bagagem. O muro que eu tinha construído ao meu redor começou a desmoronar. Construí um novo eu. Consegui avançar sem medo ou rancor. Enfrentei o passado e não permiti que ele destruísse meu presente e futuro. Sou uma pessoa transformada, feliz em meu casamento e meu esposo é o meu melhor amigo”, declarou.
“Diálogo entre vítima e agressor”
Por ocasião da campanha, representantes do grupo Mulheres em Ação, que já participam do trabalho de mediação entre vítima e réu sentenciado, foram convidadas para uma ação realizada pelo sistema carcerário do país. O convite foi em reconhecimento ao resultado alcançado pelo trabalho do grupo.
A ação foi em Joanesburgo, a maior cidade da África do Sul. O projeto conhecido como VOD – Victim Offender Dialogue (Diálogo entre Vítima e Agressor, em tradução livre para o português) visa oferecer uma oportunidade para que o réu sentenciado possa assumir o seu delito diante da vítima e oferecer o seu reconhecimento pelo crime com pedido de perdão.
Não é um processo fácil nem rápido. Consiste na preparação da vítima, com várias visitas e sessões de aconselhamento emocional e espiritual, também estendido à família. Quando a vítima se sente segura a confrontar o agressor, é marcada uma audiência dentro da penitenciária. O encontro é acompanhado da presença de autoridades do sistema correcional, assistente social e advogado de defesa, bem como as conselheiras do grupo Mulheres em Ação.
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