Cansado das notícias? Seja seletivo

Embora o excesso de informações lhe traga fadiga, se abster delas não é o melhor caminho. A diferença está em filtrar o que você consome

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O relatório anual sobre consumo de notícias encomendado pelo Reuters Institute for the Study of Journalism – instituição ligada à Universidade de Oxford (Reino Unido) –, mostra que, às vezes ou frequentemente, 47% da população brasileira evita as notícias. A pesquisa, referente ao ano de 2024, chega em um momento “em que cerca de metade da população mundial tem ido às urnas em eleições nacionais e regionais, e enquanto as guerras continuam a assolar a Ucrânia e Gaza”, como considera o relatório. No ano passado, o percentual do Brasil no ranking correspondeu a 41%. Ao todo, 47 países fizeram parte da atual pesquisa, sendo que estes abocanham mais da metade da população do mundo. A proporção global que diz se sentir sobrecarregada pela quantidade de notícias atualmente “cresceu substancialmente desde 2019”.

Servindo sempre, mas servindo raso

Se a fadiga de notícias tem sido o mal dos nossos tempos, as redes sociais – com seus fluxos ininterruptos de informações e algoritmos que embalam a realidade de acordo com o gosto do freguês –, só pioram o estado. “As plataformas on-line moldaram muitos aspectos de nossas vidas nas últimas décadas, desde como encontramos e distribuímos informações, como gastamos dinheiro, compartilhamos experiências e, mais recentemente, consumimos entretenimento”, aponta o relatório. (…) “Mas, à medida que o público consome mais conteúdo nessas redes, por vezes, se preocupa menos com a origem do conteúdo e mais com a conveniência” do que é despejado em seu feed. Quanto ao acesso de notícias, o YouTube é procurado por quase um terço dos entrevistados (31%); o WhatsApp segue com 21%; enquanto o TikTok (13%) ultrapassou o Twitter (10%) – agora renomeado X –, pela primeira vez. O vídeo tem se tornado uma fonte mais importante de notícias on-line, sendo que os de curta duração tendem a ser os mais procurados ​​(66%).

O artigo “Um pouco de conhecimento: o feed de notícias do Facebook e a autopercepção do conhecimento”, publicado no portal Research And Politics, em 2019, menciona que, outrora, era justamente a exposição a notícias que tornava as pessoas mais bem informadas. “No entanto, esses resultados vêm de uma época em que a exposição significava jornalismo de formato longo na televisão ou em jornais”, observam os pesquisadores. Para eles, o desprendimento quanto ao se informar resulta em implicações importantes como, por exemplo, na forma como muitos têm aprendido sobre política. “(…) Grande parte dessa exposição de notícias é na forma de manchetes ou prévias: um usuário mediano (do Facebook) clica em apenas 7% das notícias políticas disponíveis em seu feed”, expõe o artigo.

Esse estudo publicado no portal considera que “(…) o conhecimento sobre política é essencial para uma democracia que funcione bem” e que, portanto, os cidadãos devem ter conhecimento suficiente para tomar decisões de forma assertiva. Com as Eleições Municipais às portas, o que é apontado se torna indiscutível. Em outras palavras, o que se evidencia é que, “embora as mídias sociais sejam vistas como uma riqueza de informações, a maioria dos usuários tem apenas um envolvimento passageiro com as notícias publicadas” e essa incongruência “cria oportunidade para processamento limitado ou tendencioso de informações”.

O peso das notícias

Com uma população de 215 milhões, o alcance da internet no Brasil é de 83% – de acordo com o Reuters Institute. Quanto a desgosto às notícias, a instituição não ignora a polaridade política existente no País como uma influência. Os conflitos que perduram no Oriente Médio e na Ucrânia e a “agenda de notícias pesadas” também foram apontados como sendo “a causa de um aumento acentuado na evitação de notícias” por aqui. Ainda assim, de acordo com o Relatório Digital 2024, publicado em parceria entre We Are Social e Meltwater, o Brasil é o segundo país em que os usuários passam mais tempo on- line, ficando atrás apenas da África do Sul. Sendo assim, o que se evidencia é o quanto o entretenimento e a vida do outro é capaz de seduzir mais do que a realidade – ainda que seja a própria.

A beira de um colapso?

Até o fechamento desta edição, o balanço das Olimpíadas de 2024, realizada em Paris (França), dividiram as manchetes com o acidente aéreo que vitimou 62 passageiros em Vinhedo (SP) no dia 9 de agosto. Concomitantemente, na semana seguinte, um avião de pequeno porte caiu e deixou cinco mortos em Apiacás, na zona rural de Mato Grosso. Um suposto exercício militar do Irã – bem como o fato do país ter rejeitado o pedido dos Estados Unidos para desistir de um possível ataque a Israel –, também perturbou o cenário geopolítico mundial, além da incursão militar da Ucrânia na Rússia. E o noticiário não parou por aí: no dia 8 do mesmo mês, as manchetes estampavam a crueldade de uma mãe que matou o próprio filho, de apenas 4 anos, e fez postagem na internet para que chamassem a polícia. Esse assunto dividiu atenções com outra mãe que foi presa, no dia 13, após matar a filha de 7 anos a facadas. Ainda, a morte do apresentador e empresário Silvio Santos, de 93 anos, no dia 17, parou o Brasil e repercutiu pela
imprensa internacional.

Essa avalanche de acontecimentos, em partes, é o que tem causado certa aversão e feito com que muitos evitem o contato com notícias. Contudo não adianta se abster e ficar fora da realidade. Se uma overdose de notícias é inegavelmente ruim, se ausentar do que é minimamente necessário também é – a diferença continua sendo a dose. Não estamos mais nos tempos das páginas amarelas, onde as necessidades se resumiam aos endereços, telefones e serviços disponíveis nelas. Agora os dedos tocam as telas, sendo que essas projetam aos olhos tudo o que acontece no mundo em uma fração de segundos. Infelizmente, não dá para viver de olhos fechados.

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Colaborador

Flavia Francellino / Foto: SvetaZi/GettyImages