Ainda estou tentando digerir a divulgação, digna de cinema, que o governo de São Paulo fez na primeira aplicação da Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan em parceria com a Sinovac, empresa chinesa.

A enfermeira Mônica Calazans, de 54 anos, foi a primeira brasileira a receber a dose no País. Durante a transmissão ao vivo nas redes sociais do governador João Doria era possível ouvir uma de suas assessoras falando “Chega mais perto dela, Doria”, logicamente para ele sair mais bonito na foto.

Na ocasião, Doria, além de se emocionar e comemorar, teceu críticas ao governo federal: “É o triunfo da vida contra os negacionistas, contra aqueles que preferem o cheiro da morte, ao invés do valor e da alegria da vida”.

Um plano de vacinação foi divulgado naquele momento, mas, dias depois, foi anulado. Milhares de pessoas criaram esperança com essas datas.

Não preciso lembrar aqui que a pandemia mexeu com o emocional de muitos. Vi pessoas próximas se animarem ao saber as datas que tomariam a vacina e, quem sabe, com ela, poder voltar a normalidade.

Então, essa atitude, a meu ver, foi uma ação muito mais política do que qualquer outra coisa. Ainda mais sabendo que o que temos de estoque de vacinas até agora, no Brasil, é muito baixo.

Segundo estudos, se tudo der certo com as vacinas já compradas, e não houver nenhuma intercorrência, em outubro deste ano três a cada quatro brasileiros estarão vacinados. Serão necessários dez meses para vacinar 75% da população brasileira.

Então, estão politizando, cada vez mais, um assunto que deveria ser exclusivamente de saúde pública. E as informações que chegam para nós, acabam sendo bagunçadas, porque os próprios políticos estão se envolvendo em assuntos que não fazem parte de suas responsabilidades.

O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, chegou a afirmar que tem “ouvido calado o tempo todo a politização da vacina”.

“O Ministério da Saúde vem trabalhando com o Butantan no desenvolvimento da vacina desde o início. Tudo que vocês ouviram de que nós não íamos fazer, de que estamos boicotando, é tudo fake. Fomos nós que, por intermédio da Fiocruz, trabalhamos na fase 3 do Butantan. Fomos grandes parceiros. Fomos nós quem fizemos o desenvolvimento do parque fabril do Butantan para fazer a vacina. Nós poderíamos iniciar por marketing a primeira dose em uma pessoa, mas em respeito a todos os brasileiros o Ministério da Saúde não fará isso, não faremos jogada de marketing”, constatou.

É óbvio que, ao antecipar a liberação da Coronavac e até transmitir a aplicação pelas redes, teve uma certa intenção de extrair algum lucro político.

Inclusive, depois de todo o marketing divulgado, mostrando que o governo do Estado conseguiu iniciar a vacinação antes do Ministério da Saúde, Dória somou, entre 16 e 18 de janeiro, 47,5 mil novos seguidores em suas principais redes sociais, superando Bolsonaro.

Só não vê quem não quer

Esse espetáculo não vem de agora. Infelizmente, desde o início da pandemia, o vírus foi politizado e, como sempre, nós, o povo, quem pagamos essa conta.

Só que isso não vem acontecendo apenas no Brasil. O uso da vacina para fins políticos, infelizmente, tem acontecido no mundo todo. Atitudes assim ameaçam não apenas comprometer o calendário vacinal como também a economia como um todo, deixando consequência inimagináveis.

A história vai dizer

Mais uma vez estamos presenciando, de diferentes lados, objetivos político-eleitoreiros. Uma total inépcia para a gestão da crise sanitária.

Mas, estamos observando aqueles que querem se apropriar das conquistas científicas, de olho na eleição de 2022. Essa narrativa de “salvador de pátria” não cola mais para os eleitores inteligentes. Já tivemos muitos exemplos assim na nossa história. Todos fracassaram.

Mas, eu creio que, apesar de toda essa politicagem, a pademia chegará ao fim, mais cedo ou mais tarde.

Mas, e a nossa política? Em sua grande maioria sem ética ou competência, sem amor a nação e aos brasileiros?

Devemos observar atentamente tudo isso, porque todos os nossos governantes são reflexo dos nossos votos.

A história, com certeza, vai julgar e lançar luz à todos que foram omissos ou aproveitadores da esperança do povo. Mas, nesse cenário, há também aqueles que agiram com o devido senso de responsabilidade e humanidade.