Crescemos menos do que o esperado
Com a desaceleração do crescimento populacional, revelada na primeira divulgação oficial do Censo Demográfico de 2022, já é possível prever os impactos a curto e longo prazos
O Banco Mundial (The World Bank) e a Organização das Nações Unidas (ONU) estimavam que fôssemos 215,3 milhões de brasileiros em 2022, número acima da estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que, em 2021, acreditava que a população do Brasil fosse de 213,3 milhões. Mas, com a coleta do Censo Demográfico de 2022, os dados preliminares indicavam 207,7 milhões de brasileiros e, agora, o resultado oficial do Censo revela que, na verdade, somos “apenas” 203.062.512 brasileiros no País – um crescimento anual de 0,52%.
Os indicadores oficiais ainda não contemplam dados de natalidade, mortalidade ou pirâmide etária da população. Logo, ainda é cedo para identificar se a causa dessa desaceleração ocorreu pela diminuição da taxa de nascimentos, o que é bem provável se levarmos em consideração as mudanças na dinâmica familiar nos últimos anos em que a quantidade de filhos tem sido consideravelmente menor; se foi em razão de algum acontecimento que ocasionou um maior número de mortes, como a pandemia que levou mais de 700 mil brasileiros a óbito; se é por um aumento na imigração de brasileiros; se foi causada por um conjunto de fatores; ou se a expectativa populacional estava equivocada.
O que isso significa?
Para Alexandre Pires, professor de relações internacionais e de economia no Instituto Brasileiro de Mercados Comerciais de São Paulo (Ibmec-SP), com a mudança nos arranjos familiares, que pode ser um dos principais indicativos para a desaceleração do crescimento populacional, é possível prever que, a longo prazo, teremos menor quantidade de jovens e isso pode afetar o potencial econômico do Brasil.
Teremos também um maior número de idosos em relação ao de jovens, ou seja, uma maior população economicamente inativa. “Então, serão menos jovens para pagar os custos dos mais velhos que não estão trabalhando e a previdência vai sofrer por não ter meios de se financiar, já que nosso sistema é o que chamamos de universal, no qual quem está trabalhando paga por quem não trabalha. Vamos ter que encontrar recursos na iniciativa privada ou em outros setores para pagar o buraco da previdência para que, no longuíssimo prazo, isso não afete tanto o potencial de crescimento econômico do País”, cita Pires.
Quando os dados de pirâmide etária forem divulgados, teremos um parâmetro melhor dessa nova configuração populacional para avaliar o efeito econômico, que também trará impactos microeconômicos ao mercado: “toda vez que temos uma mudança forte na população, como a que aparentemente tivemos, a longo prazo, alguns setores são afetados. Todos os números são importantes para entendermos as necessidades, de acordo com o setor. Jovens adultos compram imóveis, adultos mais velhos já têm casa; crianças precisam de itens mais básicos, às vezes cuidados médicos; enquanto adolescentes gostam mais de eletrônicos”.
Esse impacto nos mercados já pode ser visto na própria distribuição populacional dos últimos anos. Os dados mostram que algumas regiões, como o Nordeste, quase estagnaram; enquanto outras, como Centro-Oeste e Sul, cresceram. Isso revela uma forte migração dentro do País, com os brasileiros que buscavam melhores condições se deslocando, em sua maioria, para regiões em que o agronegócio é mais forte.
“Isso é uma hipótese. Olhando os lugares que mais cresceram e os que menos cresceram, houve esse deslocamento da população. A região de Santa Catarina, que acho que é o caso de destaque, mostra um misto de crescimento ligado a uma forte urbanização do litoral, ligado ao turismo, mas, também, no interior do Estado, ligado ao fortalecimento da agricultura e da industrialização. Um pacote completo onde percebemos uma forte atração populacional”, opina.
Mudanças políticas e orçamentárias
O Art. 29º da Constituição Federal de 1988 determina que a composição das Câmaras Municipais é baseada na quantidade de munícipes. Com essa forte migração é possível que alguns municípios tenham de alterar a quantidade de cadeiras na Casa Legislativa. No Congresso Nacional, a quantidade de deputados estaduais e federais também é proporcional à população e deve seguir a atualização estatística demográfica fornecida pelo IBGE, como determinado pela Lei Complementar 78/1993 ao Art. 45º da Constituição.
Além dos representantes políticos, a distribuição de orçamento municipal e estadual também deve se alterar, já que um dos componentes de cálculo do fundo de participação é justamente o tamanho populacional. Segundo Pires, isso representa duas notícias ruins: algumas cidades vão receber menos verba ao longo do tempo, já que sua população foi recalculada; e outras cidades passaram os últimos anos recebendo mais dinheiro do que precisavam e investindo onde não era necessário. Pires ilustra com o exemplo de uma cidade que recebeu mais dinheiro para educação primária, mas há poucas crianças nascendo. “Quer dizer que estou jogando dinheiro fora porque, talvez, aquela cidade precisasse de escola técnica e não recebeu dinheiro para isso. Agora vamos ter uma correção desse panorama, o que pode gerar um impacto grande nessas cidades que já assumiram compromissos, como contratar professores, enfermeiros e médicos e agora o cobertor vai ficar um pouco mais curto. É inegável que isso trará um impacto.”
De olho no PIB
E nessa onda de recálculos por conta da desaceleração do crescimento populacional também há uma consequência mais imediata e não tão ruim: o Produto Interno Bruto (PIB), que é a soma de todas as riquezas produzidas no País, é per capita, ou seja, é calculado levando em consideração a população, logo, com milhões de pessoas a menos, nosso termômetro econômico sobe e nossa posição entre as maiores economias do mundo, também.
Para Pires, isso é uma boa notícia pois também significa que a produtividade no País é maior do que a esperada: “era como se eu pensasse que para fazer a economia do Brasil, ou parte dela, precisasse de 20 pessoas e descobríssemos que 19 são suficientes. A proporção desse ‘erro’ é na casa de 5% e isso é uma boa notícia porque uma maneira de compensar o envelhecimento da população é justamente por meio de um aumento da produtividade dos mais jovens, que são ativos economicamente”.
Então, apesar de termos perdido o ritmo de crescimento populacional e já prevermos alguns impactos econômicos não tão favoráveis, é possível aproveitar esse aumento do ritmo de produtividade para manter a economia em ascensão e investir nos setores que mais crescem no País.