Cuidado com a população ou abuso de poder?
Abuso de poder. É disso que trata o Decreto n° 51.460 do governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB), que está em vigor desde 27 de setembro no Estado. O texto diz que em todos os municípios pernambucanos só poderão ocorrer reuniões, cultos e missas em templos religiosos com mais de 300 pessoas se os participantes tiverem o comprovante da vacina contra Covid-19 completo ou o exame negativo do teste para o novo coronavírus.
O governador ignorou o fato de que a medida vai contra a Constituição brasileira, que é a lei maior em nosso território, como observou a União Nacional das Igrejas e Pastores Evangélicos (Unigrejas) em nota: “apesar do governador agir em suas prerrogativas para tentar evitar nova disseminação da Covid-19, tal medida de exigir certificado de vacinação ou comprovante de resultado negativo para a doença é inconstitucional. As igrejas têm mantido todo cuidado sanitário necessário a fim de realizarem suas atividades com segurança”.
Para juristas, a medida restringe o direito de liberdade de religião. Em nota, a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure) declarou que compreende o avanço do processo de vacinação, mas entende que “as liberdades civis fundamentais não podem ser mitigadas ao arrepio da Constituição Federal e das demais leis vigentes no País”.
No Jornal da Record, exibido em 28 de setembro, o jornalista Augusto Nunes ressaltou: “cabe a todo governante providenciar vacinas suficientes para imunizar todos os governados. Obrigar alguém a vacinar-se é abuso de poder. Exigir o chamado ‘passaporte sanitário’ é abuso de poder que afronta o direito de ir e vir. Aplicar especificamente essa proibição abusiva aos frequentadores de cerimônias em templos é tudo isso e mais um pouco. É uma violência contra a liberdade religiosa”.
Em entrevista à jornalista Ana Carolina Cury para o blog Refletindo Sobre a Notícia, no R7, Thiago Cortês, sociólogo e especialista em educação e política, ressaltou que, “ao invés de promover ações que reforcem a rede básica de saúde, esse governador prefere tomar uma atitude midiática que podemos classificar como sinalização de virtude, no sentido de querer demonstrar uma postura de gestor responsável com medidas exageradas de restrição”.
É importante destacar que o governador Paulo Câmara já foi alvo de outras polêmicas nesse período de pandemia. Uma delas foi quando ele destinou R$ 70 milhões enviados pelo governo federal no combate à pandemia para pagar uma dívida pública do Estado. “Vale lembrar que ele foi alvo de inquérito do Ministério Público Federal porque transferiu esse dinheiro – que era fonte de recursos do enfrentamento ao coronavírus – para a Secretaria Estadual da Fazenda”, lembrou Cortês.
Diante de tal cenário, fica o questionamento: será que o carnaval terá essa mesma obrigação? Essa exigência será estendida às casas de show e aos estádios de futebol? As multidões que se aglomeram no transporte público também terão de exibir o “passaporte”? É evidente que esse decreto promove o constrangimento e o preconceito e transmite a imagem de que aqueles que estão vacinados não transmitem a doença, o que é mentira. Diversos estudos já alertaram que os imunizantes visam reduzir a gravidade do efeito da Covid-19 no organismo, mas não bloqueiam sua transmissão. Tanto é verdade que a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) afirmou que não apoia os “passaportes sanitários”. “Nós, como a OMS, dizemos que, neste estágio, não gostaríamos de ver o passaporte de vacinação como um requisito para a entrada ou saída porque não temos certeza de que a vacina previne a transmissão”, disse Margaret Harris, porta-voz da OMS. A medida, acrescenta Margaret, pode ser considerada uma forma de discriminação social.
Por isso, a população não pode ser vencida pelo medo. É preciso usar a razão, questionar e buscar respostas concretas. Além disso, é necessário avaliar os representantes políticos com responsabilidade durante as eleições, pois isso influenciará na vida de todos os cidadãos.