De quem é a responsabilidade?
Catástrofes sempre existiram e aumentarão daqui para a frente. Quem deve ser responsabilizado por seus resultados?
É impossível não ficar sensibilizado com as consequências imediatas da catástrofe que assolou o Rio Grande do Sul recentemente: 90% dos 497 municípios foram atingidos pelas chuvas e enchentes, mais de 2,3 milhões de pessoas foram afetadas, são cerca de 580 mil desalojadas, 806 feridas, 56 desaparecidas e mais de 160 mortes confirmadas. Embora tenha sido devastador, esse não é o único desastre natural que aconteceu recentemente no Estado gaúcho. Em 2023, foram três: um ciclone extratropical atingiu o Rio Grande do Sul na metade do mês de junho e 16 pessoas morreram; em setembro, outro ciclone extratropical mais grave causou a morte de 54 pessoas; e, em novembro, as chuvas mataram cinco pessoas e 28 mil precisaram deixar suas casas.
Tragédias como a que estamos assistindo no Sul do Brasil vêm ocorrendo em maior ou menor escala em todo o mundo e deveriam ser considerados como os sinais mencionados pelo Senhor Jesus em Mateus 24. A natureza, por exemplo, já há muito tempo vem “pregando” ao ser humano, na expectativa de que ele corrija sua rota e suas atitudes, mas, infelizmente, logo tudo é esquecido e a vida segue, até quando não houver mais nada que poderá ser feito.
Luciano Gomes dos Santos, cientista social, doutor em teoria do direito e professor na faculdade Arnaldo Janssen, em Belo Horizonte (MG), afirma que é importante ressaltar que os desastres climáticos, geralmente, resultam de uma combinação complexa de fatores e não de uma causa isolada. “O desmatamento e a degradação ambiental podem aumentar a vulnerabilidade das áreas a eventos climáticos extremos, como enchentes e deslizamentos de terra. O planejamento urbano inadequado, com a ocupação de áreas de risco, também pode ampliar os impactos de eventos climáticos adversos”, exemplifica.
Muitas tragédias ambientais também são potencializadas quando os alertas climáticos são subestimados. “Certamente, isso pode contribuir para uma catástrofe como a que ocorreu no Rio Grande do Sul, especialmente se os alertas forem ignorados ou não forem tratados com a seriedade necessária pelas autoridades e pela população. Contudo é fundamental analisar todas as causas possíveis para entender completamente as razões por trás de uma catástrofe e implementar medidas eficazes de prevenção e mitigação no futuro”, avalia Santos.
Para ele, os governos estadual e municipal têm responsabilidade na implementação de políticas de gestão de riscos, planejamento urbano adequado, infraestrutura resiliente e resposta às emergências. “Eles também são responsáveis por monitorar e responder aos alertas climáticos, garantindo a segurança e o bem-estar da população. O governo federal também tem um papel crucial na prevenção de desastres naturais e na resposta a eventos catastróficos. Isso inclui o desenvolvimento e a implementação de programas de educação pública, de sistemas de alerta precoce, o treinamento de equipes de emergência e a coordenação de esforços de socorro e assistência”, detalha.
Infelizmente, o Rio Grande do Sul tem projetos de prevenção a enchentes que tiveram início em 2012 e não foram concluídos ou que até hoje não saíram do papel. “O plano de prevenção de desastres naturais é fundamental para reduzir os riscos e minimizar os impactos de eventos climáticos como enchentes, deslizamentos de terra e tempestades. Se esse plano não avança há mais de uma década, isso representa uma lacuna significativa na preparação e na capacidade de resposta do Estado a esses eventos”, avalia.
Ele cita alguns aspectos essenciais que o plano precisa conter: “ele deve realizar uma análise abrangente dos riscos naturais enfrentados pelo Estado, incluindo a identificação de áreas de risco de enchentes, deslizamentos de terra, erosão costeira, entre outros. Com base na identificação de riscos, ele deve mapear as áreas vulneráveis e de alto risco em todo o Estado, fornecendo informações essenciais para o planejamento urbano, a gestão do território e a tomada de decisões relacionadas à ocupação do solo”.
Além disso, o plano deve propor e implementar medidas preventivas para reduzir os riscos: “controle de uso do solo, a conservação ambiental, o reflorestamento, a construção de infraestrutura de contenção de água e a implementação de sistemas de alerta precoce. O plano deve incluir programas de capacitação e conscientização para a população, visando aumentar a compreensão dos riscos naturais, promover a cultura de prevenção e preparar as comunidades para agir em caso de emergência”.
Santos afirma ainda que a responsabilidade é de todos nós: “as empresas e as indústrias têm responsabilidade de adotar práticas sustentáveis e de evitar atividades que contribuam para desastres naturais, como desmatamento excessivo ou poluição, e apoiar esforços de recuperação e reconstrução depois de eventos catastróficos. Todos os cidadãos têm a responsabilidade de estar cientes dos riscos ambientais e climáticos em sua região, seguir as medidas de segurança e proteção recomendadas e apoiar políticas e ações que promovam a resiliência e a sustentabilidade”.
A verdade é que eventos como os que ocorreram no Rio Grande do Sul serão cada vez mais frequentes – e não apenas lá, mas em todo o País. É fundamental que toda a sociedade aprenda com essa triste lição e, de agora em diante, passe a considerar mais seriamente planos que evitem que esse tipo de evento ceife e destrua tantas vidas. É responsabilidade de todas as esferas de governo evitar que as cenas que estamos vendo se repitam e é responsabilidade de todos e de cada cidadão cobrar isso dos governantes e eleger quem de fato esteja comprometido com a segurança da população. Neste ano, elegeremos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, os maiores responsáveis pelos cuidados com as cidades. Pesquise os candidatos e os partidos e vote bem, pois isso salvará vidas.
Um retrato da tragédia
A Usina do Gasômetro (foto ao lado), em Porto Alegre, foi afetada pela cheia do Guaíba. Esse é um exemplo de que quase todas as grandes cidades brasileiras possuem rios ou lagos poluídos e/ou soterrados, com pessoas que trabalham e moram em suas margens. Essa urbanização sem planejamento e a enorme quantidade de poluentes depositados nessas águas potencializam de forma catastrófica eventos naturais e causam inúmeras mortes que poderiam ser evitadas