Descriminalização das drogas: países que adotaram a medida somam prejuízos

O efeito é reverso: fechar os olhos para a circulação de entorpecentes tem aumentado índices de consumo, de overdose e de criminalidade

As drogas se consolidaram como um dos problemas mais persistentes do mundo. Por mais que façam mal à saúde, o número de usuários cresce, o que fortalece a rede de venda, produção e também de criação de novas substâncias. No Brasil, a Polícia Civil realizou em março, no Estado do Espírito Santo, a primeira apreensão de fentanil. O produto, um analgésico cem vezes mais forte do que a morfina e indicado para pacientes com dores crônicas, teria sido desviado de um hospital. Seu uso indevido causa rápida dependência e é a razão de inúmeras mortes por overdose nos Estados Unidos.

Segundo dados mais recentes divulgados pelo Centro de Controle e Prevenção de doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês), em 2021, cerca de 106 mil pessoas morreram por overdose no país, sendo que aproximadamente 71 mil usaram o fentanil. Também entraram na lista de principais causas de óbitos a cocaína (24 mil) e a heroína (10 mil).

Descriminalizando
Esse grande problema, que tem tirado a vida e os sonhos de muitos, precisa ser encarado com cuidado. Em 2020, por exemplo, depois de uma consulta à população, Oregon se tornou o primeiro Estado norte-americano a descriminalizar todas as drogas. Na prática, a medida determinou que pessoas pegas com determinada quantidade de entorpecente não seriam detidas, mas receberiam uma espécie de multa. A penalidade, no entanto, poderia ser cancelada se o cidadão solicitasse uma “avaliação de saúde” em um centro de dependência.

Para seus idealizadores, a medida traria resultados significativos quanto à segurança e à saúde pública, já que estimularia usuários a buscarem ajuda para vencer a dependência. A teoria não funcionou no mundo real. Os resultados têm se mostrado desastrosos e foram verificados aumento de overdoses, crescimento da violência e pouco tratamento efetivo para combater o vício. Em 2021, por exemplo, as mortes por overdose no Estado cresceram 33%, enquanto os índices no restante dos Estados Unidos são de 15%. De acordo com um levantamento realizado pela Administração de Serviços de Saúde Mental e Abuso de Substâncias , divulgado pelo jornal Gazeta do Povo, em 2022, a cada cinco moradores de Oregon um sofria com algum tipo de vício. Além disso, o mecanismo de aplicação de multas não teria sido eficaz, já que a maioria das 3.169 notificações emitidas até o último mês de agosto não foi paga e menos de 200 pessoas solicitaram ajuda nos centros de dependência.

Esses dados já mostram que a descriminalização das drogas no Estado ficou longe de resolver o problema da dependência química. A medida trouxe outras consequências negativas: entre janeiro e outubro de 2022 os crimes contra a propriedade cresceram 16% em comparação com o mesmo período de 2021. Acreditasse que esse aumento de roubos e furtos esteja diretamente ligado à elevação do consumo de drogas e as brigas entre traficantes por território também se intensificaram, com aumento da violência armada e do número de homicídios.

Realidade brasileira
Recentemente, a questão da descriminalização das drogas no Brasil voltou à tona, depois de uma declaração do atual ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, o filósofo e advogado Silvio Luiz de Almeida, à BBC. Ele se mostrou favorável à medida e justificou seu posicionamento com a necessidade de reduzir a população carcerária brasileira. “(…) a forma com que se combate as drogas causa um prejuízo irreparável na sociedade brasileira. Temos que tratar isso como uma questão de saúde pública, como uma questão que não se resolve por meio do encarceramento, com prisão e com punição”, destacou.

Sem dúvida, as drogas devem ser consideradas um problema de saúde pública, mas será que aceitar o uso seria a solução? A diretora da Associação dos Delegados de Polícia do Brasil, Raquel Gallinati, afirma que “a descriminalização das drogas não significa uma legalização das drogas, mas é uma medida que abre precedentes extremamente preocupantes, especialmente quando falamos em termos de saúde pública e não só de segurança. Isso porque, no Brasil, já há dificuldade dos governos e do governo federal de criar e adotar políticas efetivas para prevenção e tratamento da dependência, políticas que combatam e enfrentem esse problema”.

Ela destaca ainda que não há exemplos positivos relacionados à descriminalização das drogas. “Em Portugal, que descriminalizou o consumo de drogas em 2001, aumentou o tráfico de drogas, assim como o consumo de diversos entorpecentes e mortes por overdose”, diz. Na Holanda o cenário se repetiu: a flexibilização do uso de drogas, em especial da maconha, aumentou os índices de dependência e não acabou com o mercado ilegal.

Raquel cita ainda que, no Brasil, já há uma lei “que flexibiliza a legislação, despenalizando o usuário e evitando que ele seja preso por portar drogas para consumo próprio”. De fato, na Lei de Drogas (nº 11.343, de 2006) há um trecho que aponta para o direcionamento do usuário para cuidados para combater a dependência: “o juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado”.

Raquel faz um questionamento: “será que isso ocorre na prática? É claro que não. Esse é o grande problema”. Ou seja, sem descriminalizar, o Estado brasileiro já legisla para oferecer cuidados sanitários aos dependentes. É preciso fazer a lei funcionar. Por outro lado, enfraquecer a lei não tem beneficiado a sociedade ao redor do mundo.

Falando sobre impostos
Entre muitos pontos que circundam o debate sobre drogas, a arrecadação de impostos se destaca. No Uruguai, por exemplo, esse foi um dos argumentos determinantes para a legalização da maconha. Dez anos depois da regulamentação, porém, a arrecadação dos impostos foi muito menor do que o esperado. Isso porque, segundo estudos, 70% dos usuários ainda compram o entorpecente no mercado ilegal, já que o mercado oficial impõe restrições e não atende o crescente número de usuários.

O Uruguai possui 3,4 milhões de habitantes ou a metade da população da cidade do Rio de Janeiro. Se os uruguaios não conseguem atender a demanda, controlar o tráfico e recolher impostos, como o Brasil conseguiria?

Vale o risco?
Em resumo, a experiência de outros países mostra o quanto a descriminalização pode ser prejudicial e provocar efeitos ainda piores, como aumento do consumo, da criminalidade e das mortes. Isso sem contar uma certa elevação dos gastos com saúde pública para tentar minimizar os danos. Será que, diante de tudo isso, ainda vale arriscar e fazer o mesmo no Brasil?

 

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Colaborador

Cinthia Cardoso / Fotos: Jamie Grill/getty images / vladans/getty images /Tinnakorn Jorruang/getty images