Divisão: Origem da instabilidade de um país
O aumento de divergências políticas é percebido pela população em todo o mundo. Este cenário fortalece tensões e estimula conflitos
Paira no ar uma insatisfação generalizada e uma divisão de opiniões sem precedentes. Nas últimas semanas, repercutiram na imprensa internacional três casos que mostram isso: no Peru, a destituição do presidente Pedro Castillo, após uma tentativa frustrada de golpe de Estado, gerou uma série de protestos. Castillo, eleito em agosto de 2021 depois de um pleito polarizado, foi preso e substituído pela vice, Dina Boluarte.
Manifestantes contra e a favor da decisão foram às ruas. A instabilidade política já gerou mortes e prejuízos em diversos aspectos, inclusive no econômico.
O Irã também é palco de grandes protestos. Milhares de pessoas seguem nas ruas desafiando as autoridades. Tudo começou em setembro com a morte de uma jovem que foi presa por uma milícia autorizada pelo governo. Ela teria violado a lei que obriga as mulheres a cobrirem os cabelos com um véu. Agora iranianos exigem mudanças no país e têm sido punidos duramente pelo governo, que inclusive condenou alguns manifestantes à morte.
Já na China um movimento inédito contra medidas governamentais chama a atenção do mundo. O povo resiste às regras de restrição criadas para conter a covid-19. Protestos trouxeram alguns resultados positivos para a população, que já está cansada de ter sua liberdade cerceada.
Além desses, há uma série de outros conflitos em vários países e, em todos eles, há um sentimento de divisão entre o próprio povo. Um levantamento realizado pelo PewResearch Center revela que 65% dos adultos de 19 países acreditam que vivem em uma sociedade fortemente dividida por divergências de opiniões políticas. Os países em que esse sentimento é mais evidente por parte da população são Coreia do Sul (49%) e Estados Unidos (41%).
Contexto brasileiro
Apesar de a pesquisa realizada pelo PewResearch Center não ter contemplado o Brasil, aqui também é visível a divisão. É natural que em uma democracia saudável existam diferença de pensamentos e até polarização em alguns momentos, mas o respeito à liberdade de opinião alheia deve sempre prevalecer.
Infelizmente, parece que nem os governantes enxergam essa situação. O presidente recém-diplomado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Lula, por exemplo, tem se mostrado mais favorável a perseguir opositores políticos e puní-los do que a acalmar os ânimos, pacificar o País e buscar a união democrática. Até mesmo oficialmente ele tem ignorado quem se manifesta contrário a ele, quando o certo seria ouvir a demanda dos divergentes e conversar com o objetivo de encontrar o melhor caminho para o País.
O resultado das eleições gerais apontou uma clara divisão, com uma diferença mínima de votos entre os dois candidatos. Apesar disso, já no momento de transição, a equipe do novo presidente dá sinais de querer ignorar quem não votou nele. A mídia brasileira, recentemente, levantou a hipótese de que a primeira ordem de Lula para os comandantes das Forças Armadas seria acabar com os protestos nas portas dos quartéis. Ali, parte da população ainda apresentam questionamentos e aguardam respostas convincentes por parte do TSE.
De fato, há quem veja os movimentos do novo presidente como propositais para acirrar diferenças entre os grupos que não o apoiaram, como os evangélicos. Recentemente, Lula declarou que cobrará das igrejas evangélicas apoio em relação às vacinas. Caso o apoio não exista, “vamos responsabilizar [as igrejas] pela morte das pessoas”, afirmou ele.
Lula ataca logo as instituições que foram fechadas em todo o País justamente pela falta de imunização e pelo aumento de casos de covid-19, enquanto poderiam ter sido vistas como parceiras para conscientização do povo.
Outro tema que deve custar caro para todo o povo brasileiro e que tem sido discutido é a alteração na Lei das Estatais. A legislação criada em 2016 tem o objetivo de proteger as empresas governamentais ao proibir a indicação de líderes que tenham participado de campanhas eleitorais nos últimos 36 meses ou que estiveram ligados a partidos políticos e sindicatos. Assim, dá-se prioridade às pessoas que tenham conhecimento no segmento, experiência profissional e formação acadêmica compatível com o cargo.
Mas o futuro governo já se movimenta e conseguiu aprovar na Câmara a diminuição dessa carência de 36 meses para 30 dias. A alteração ainda tem que ser aprovada pelo Senado e sancionada pelo presidente antes de passar a valer, mas Lula já anunciou Aloizio Mercadante, que trabalhou em sua campanha, como presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Com a mudança, outros cargos em estatais podem ser distribuídos por motivos políticos. Só que essa mudança tem um preço alto para o Brasil. Ela é considerada um retrocesso que já resulta em instabilidade no mercado financeiro, com alta do dólar e queda da Bolsa.
Outra atitude que gera revolta em milhões de brasileiros é a aproximação do nosso país com ditaduras estrangeiras. O próximo ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, afirmou: “o presidente me instruiu que restabelecêssemos as relações com a Venezuela, o que faremos a partir do dia 1º [de janeiro], enviando, em um primeiro momento, um encarregado de negócios para retomar os prédios que temos lá e reabrir a embaixada”.
Virando as costas para a realidade
Essas decisões deixam grande parte do povo brasileiro desconfiada e amedrontada pelo que está por vir, mas, diferentemente do que aconteceu em outros momentos no Brasil, a população não pretende se calar, pois entendeu que tem poder de influência política e voz nas ruas.
À filósofa russa Ayn Rand é atribuída a seguinte frase: “você pode ignorar a realidade, mas não pode evitar as consequências de ignorar a realidade”. Trazendo para o nosso país, o governo eleito pode até fingir que quem faz oposição não tem força ou voz, mas terá de encarar as consequências disso.
Afinal, combater ou ignorar quem pensa diferente não traz benefício, apenas aumenta a tensão. A verdadeira democracia comporta bem diferentes correntes de pensamento e manifestações. E isso não significa que se deva aceitar tudo o que é proposto ou renunciar a crenças e valores.
Na verdade, para fortalecer a democracia é necessário que cada um esteja atento ao cenário político, fiscalize os Poderes, pesquise temas debatidos e use bons argumentos para defender o que convém e rejeitar o que prejudica a população.
O desenvolvimento do país depende da união – não em torno de um partido político ou de uma ideologia – em prol do interesse do Brasil. A visão clara, sem fanatismo ou segundas intenções, é essencial para construir um país em que exista contentamento e não decepções para o povo. É essa democracia que queremos.