Ele incendiou o país

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O PIX chegou de mansinho e caiu no gosto popular pela rapidez e ausência de taxa ou horário para fazer transferências de dinheiro, o que tornou as movimentações financeiras práticas, instantâneas e seguras. Mas os dias dourados quase chegaram ao fim e se somaram a uma crise que acentuou a desaprovação crescente do Executivo federal.

Em setembro de 2024, a Receita Federal publicou a Instrução Normativa nº 2.219 cujo objetivo era obrigar os bancos a prestar contas de todas as operações financeiras à autarquia. Em resumo, toda movimentação superior a R$ 5 mil para pessoas físicas (cidadão comum) e R$ 15 mil para pessoas jurídicas deveriam ser apresentadas semestralmente. É importante lembrar que a Receita Federal já coleta informações de transações bancárias há duas décadas (Convênio ICMS nº 166, de 13 de setembro de 2002) e essa “atualização” passou a incluir todas as instituições financeiras e as movimentações via PIX e cartão de crédito. Contudo, seja pela decisão da Receita Federal, seja pela falha de comunicação clara do governo em explicar o que essa instrução normativa realmente significava, a população começou a fazer algo que alguns governos temem: questionamentos. Essa questão passou a ser um dos principais assuntos nas conversas entre familiares e amigos, publicações nas redes sociais e até memes, sempre reforçando a indignação em relação à medida, como pequenas fagulhas de descontentamento.

Algumas explicações foram dadas pelo governo federal e ministros, pelo Banco Central do Brasil e até pela Receita Federal mas a pauta passou a ser recorrente na grande mídia. Só que nada reverteu a desaprovação à medida nem a perda da credibilidade do governo. E com a sensação dos brasileiros que estariam sendo, de certa forma, violados e que, em breve, outra conta chegaria, veio o estopim com um vídeo de 4 minutos e 11 segundos postado pelo deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), que somou mais de 320 milhões de visualizações. Ele incendiou o Brasil.

Por que o vídeo ganhou tamanha repercussão? Há diferentes respostas para essa pergunta, mas a principal é que, com maestria, ele deu o combustível necessário para incendiar o País em uma espécie de tutorial que auxiliou a conectar peças de um quebra-cabeças que uniu vários questionamentos dos brasileiros, como o governo não mostrar o mesmo empenho para compreender a “mágica” que muitos de esquerda, de direita, de centro fazem para sobreviver com um salário mínimo; como o fato de o sigilo de 100 anos ter sido condenado na campanha presidencial mas adotado agora, enquanto o povo passa a ser ainda mais monitorado; como as promessas não cumpridas, a exemplo da taxação de compras no exterior e não isenção no Imposto de Renda para os que ganham até R$ 5 mil, ainda não engolidas pelos brasileiros, e o aumento de consumo da picanha; entre outros pontos.

Esse senso coletivo de descontentamento fez com que a Receita Federal publicasse uma nova Instrução Normativa (nº 2.247, em 15 de janeiro) para revogar a anterior, e, ainda, que a Medida Provisória 1.288/2025 fosse editada pelo governo federal para garantir o sigilo bancário e vetar uma possível taxação nas transações via PIX – o que é um pouco estranho, para dizer o mínimo, já que o Executivo alegou que essa era uma fake news e geralmente combatemos as mentiras com a verdade, em vez de colocar limites em nós mesmos sobre o que fazer ou deixar de fazer. No entanto vale lembrar que medidas provisórias têm validade de 90 dias e podem ter seu prazo estendido, virar lei ou ser revogada depois desse período.

A verdade é que não foi no Senado, tampouco na Câmara, que os representantes eleitos fizeram algo. Foi um vídeo, colocado como uma cereja num bolo com sabor de insatisfação da população, que revogou a decisão. Ou, talvez, tenha sido o receio de que o povo que outrora invadiu as ruas para protestar contra um aumento de R$ 0,20 nas passagens do transporte público, em 2013, acorde de novo para protestar contra outros aumentos, taxações e demais decisões estranhas e lembre ao governo que na democracia a política é feita pelo povo e para o povo. Nos resta agora observar os próximos capítulos dessa história porque, ao que tudo indica, a chama do descontentamento seguirá acesa.

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Colaborador

Redação / Arte sobre foto FG Trade/GettyImages