Eles têm o direito de não querer a vacina contra a Covid-19?
Em todo o mundo, trabalhadores se manifestam contra medidas que permitem a demissão por justa causa quando não há interesse de se imunizar
O cenário pandêmico colocou o mundo em uma situação inusitada e as reações diante dele mostram que há, em alguns líderes, o desejo de ter o controle da população com o suposto objetivo de priorizar o bem coletivo em detrimento do individual.
Uma das maiores discussões atualmente em todo o mundo é a vacinação contra a Covid-19. No geral, grande parte da população brasileira aceitou se imunizar. Segundo dados do Conselho Nacional de Saúde, até 10 de novembro, foram aplicados mais de 281 milhões de doses em todo o País e os efeitos da campanha de imunização já são observados, como a redução no número de casos e de óbitos nos últimos meses.
Agora já existe um movimento de governadores e prefeitos pela suspensão do uso de máscaras em locais abertos e da aferição de temperatura de funcionários e frequentadores de estabelecimentos. Em contrapartida, há um grupo que quer implementar o uso do Passaporte da Vacina. O documento seria a comprovação que o cidadão está
devidamente imunizado.
A falta do documento tem causado demissões mundo afora. Na Itália, a obrigatoriedade de se vacinar levou trabalhadores às ruas para protestarem contra a medida. Quem não tiver se vacinado pode apresentar um exame negativo para Covid-19 realizado 48 horas antes, mas, sem o passaporte sanitário, o colaborador pode ser demitido e não receber seus direitos – caso tente trapacear, pode ser multado em até 1,5 mil euros (R$ 9,5 mil).
Situação semelhante ocorreu na França e nos Estados Unidos, onde um dos maiores atletas nacionais, o jogador de basquete Kyrie Irving, foi afastado por se recusar a tomar o imunizante e perdeu metade do salário. Entre os motivos para sua decisão estão a defesa da liberdade e das pessoas que foram demitidas por recusarem a vacina.
A “livre” escolha no Brasil
A imunização contra a Covid-19 no Brasil não é obrigatória. Contudo, no fim de 2020, o Supremo Tribunal Federal (STF) tratou da vacinação compulsória e estabeleceu critérios para a limitação de atividades ou da presença em determinados ambientes, entre eles estão o “respeito à dignidade humana e aos direitos fundamentais das pessoas”.
Em algumas cidades, como o Rio de Janeiro, o Passaporte da Vacina tem sido exigido para frequentadores de ambientes coletivos, como academias e cinemas, determinações que implicam em limitações que podem afetar a vida do cidadão e, de maneira indireta, obrigá-lo a tomar o imunizante.
Mas o auge da discussão se deu em função das demissões: funcionários, inclusive servidores públicos, foram dispensados por não se vacinarem. Na tentativa de proteger esses cidadãos, o Ministério do Trabalho estabeleceu, no início de novembro, uma portaria proibindo a demissão por justa causa em razão da falta do comprovante de vacinação. Vale ressaltar que a determinação contempla demissões por justa causa, na qual o trabalhador perde seus direitos – e não a demissão comum. Um dos pontos que chamaram a atenção foi a reação dos sindicatos. As instituições, que deveriam proteger os funcionários de injustiças, foram contra a medida. Por quê?
“Se a pessoa escolhe não se vacinar, é um direito que ela está exercendo”, diz o especialista em direito do trabalho Odair Almeida Nunes. “Atualmente, a maior briga que existe é o direito de liberdade e livre escolha do trabalhador contra o bem coletivo. O grande problema é que ambas as discussões tratam os assuntos nos extremos. Um fala que é proibido demitir por justa causa e o outro defende que isso é o ideal. Só que o direito da livre escolha, o direito ao trabalho e o direito do bem coletivo são direitos fundamentais.” Sendo três direitos inalienáveis, resta discutir qual é o impacto que a falta de vacina de uma minoria da população poderia causar à sociedade ou ao ambiente de trabalho. Antes de medidas autoritárias que cerceiam a liberdade, é necessário refletir.
Não há ainda estudos completos sobre o cenário de vacinação contra a Covid-19. Então por que deveriam haver demissões desde já? Nunes sugere um caminho mais respeitoso para todos: “acredito que o ideal seja trazer o princípio da proporcionalidade. E, se o empregado não quiser se imunizar e a empresa não quiser manter um funcionário sem a vacinação, o contrato de trabalho poderia ser rescindido sem justa causa. Assim, o trabalhador teria seus direitos protegidos, levando em consideração o risco da atividade que é só do empresário”.
Qual é a prioridade?
A vacina contra Covid-19 é eficiente, mas não impede totalmente a doença nem sua disseminação. Dessa forma, nem mesmo o Passaporte da Vacina seria capaz de garantir a saúde dos funcionários. No caso do Rio de Janeiro, talvez o documento não seja mais exigido em dezembro. Essa já é uma preparação para os eventos que devem acontecer na cidade no fim de 2021 e no início de 2022? Afinal, exigir a documentação de turistas e regular a entrada de pessoas em eventos será praticamente impossível. Então com que esses políticos estão preocupados: com a saúde pública, com a liberdade individual ou com os interesses próprios?