Favelas: um reflexo da sociedade
O Dia da Favela é celebrado em 4 de novembro e nos alerta quanto às lutas que os moradores das comunidades urbanas lidam diariamente
A primeira favela do Brasil existe há mais de um século. O Morro da Providência, no Rio de Janeiro, recebeu dois grupos distintos. De um lado estavam os moradores do Cortiço Cabeça de Porco, que foram obrigados a deixar suas casas e ir para o morro em 1893, já que o prefeito carioca Barata Ribeiro determinou a demolição do cortiço em prol da modernização do centro. Do outro lado estavam os soldados que combateram na Guerra dos Canudos, na Bahia, e receberam a promessa de que ganhariam uma residência ao voltar para o Rio de Janeiro, mas, em 1897, quando voltaram, a promessa não foi cumprida e eles se viram obrigados a improvisar suas próprias casas.
E não paramos na primeira. “O crescimento de nossas cidades de forma desordenada e o êxodo rural a partir da década de 1940 fizeram com que pessoas trocassem o campo pela cidade em busca de melhores condições de trabalho. Porém essas pessoas foram chegando principalmente em São Paulo e no Rio de Janeiro e não encontraram as condições ideais de salário e moradia e, por isso, foram morar nas regiões que chamamos de periferia”, diz o cientista social Luciano Gomes.
Desafios desde a origem
O déficit habitacional é o primeiro fator que contribui para que a população resida nas áreas periféricas e irregulares. Mas, se tudo começa com a “solução” para o problema de moradia, há outros problemas que surgem com isso: falta de saneamento básico, rede elétrica irregular, falta de iluminação pública e de ruas asfaltadas, sensação de insegurança pela área irregular ou pela violência e até a estigmatização da população que ali reside.
Há comunidades que já foram modernizadas e regularizadas, mas a maioria das favelas ainda carece de atenção do Poder Público. O teórico social Roberto Mangabeira Unger, professor de Harvard, aponta que existem dois fatores cruciais com maior potencial de provocar uma transformação dessa realidade: “primeiro uma regularização fundiária. Ou seja, permitir que cada morador dessas áreas pobres tenha título jurídico claro de tal forma que quando ele trabalhar em benefício da sua casa e participar com a comunidade para aprimorar sua área, ele saiba que aquilo vai ficar para ele. E segundo a organização comunitária, que pode ser fortalecida quando se trabalha em parceria com o Poder Público. Mesmo que o governo demonstre descaso e desinteresse por essa realidade, só o fato de a comunidade se organizar já produz uma tremenda diferença”.
Gomes acrescenta que socialmente devemos derrubar os preconceitos e estigmas, mas também são necessárias políticas públicas para valorizar esses espaços e garantir uma qualidade de vida para os moradores: “baseado em nossa Constituição, é dever do município, do Estado e do governo federal cuidar desses espaços e dar dignidade por meio de um ambiente saudável para se viver, com planejamento para que essas comunidades sejam revitalizadas e, se necessário, criar estratégias para demarcar novos territórios para que as pessoas possam viver com dignidade. É olhar também para a comunidade como um potencial. Ela é um potencial econômico, de criatividade, de arte, de educação”.
O que podemos fazer?
Pelo menos 6% da população no Brasil reside nas comunidades urbanas, mas mais de 30% vive em situação de pobreza e cada uma dessas pessoas merece uma moradia que resista às chuvas, que conte com água encanada, energia elétrica regular, saneamento básico, segurança e tudo mais que garanta dignidade a elas. Unger enfatiza que reconhecer os problemas e ter entendimento de qual é a solução não abre espaço para reclamação. “Temos que nos organizar para formar e eleger um tipo diferente de político, um que leve a sério essas responsabilidades e que não se satisfaça com promessas vazias e descumpridas. Mas, enquanto isso não acontecer, não basta bater na porta do governo. É preciso que a comunidade tome o destino nas próprias mãos e se organize. E, aí sim, em cima dessa auto-organização comunitária, convidar o Poder Público para
ajudá-la. Quer dizer: não fique esperando passivamente ser salvo pelo governo, mas faça o que puder por sua própria conta e procure o governo para ajudá-lo”, conclui.
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