Justiça. Todos a querem, poucos a vivem
Dos injustos parece ser o reino da Terra e, por vezes, como forma de evocar alguma igualdade, a pessoa recorre ao clássico e famigerado “aqui se faz, aqui se paga”. Muitos, porém, não olham para o próprio umbigo. Quem pode encher a boca e dizer que é verdadeiramente justo?
Na Grécia antiga, a justiça era personificada pela figura de uma mulher com os olhos vendados e com uma balança na mão, traduzindo o sentimento da verdade, da equidade e da humanidade acima das paixões humanas. Daí – e dela – surge a expressão “a justiça é cega”, pois está em seu cerne julgar e pronunciar um veredicto imparcial sem fazer distinções. Contudo, atualmente, isso soa como lunático. Isso porque, muitas vezes, a justiça nem sequer acontece: além de cega, ela parece letárgica, no âmbito das leis, por exemplo, em processos que se arrastam há cinco, dez ou 15 anos em papéis que não têm como amarelar mais. Parece que, como na plateia de uma arena romana, a justiça cruza os braços e nem sequer torce para que o indivíduo tenha um pouco de “sorte”. Ou, de tão cega, não vê tanta barbárie acontecendo nos dias de hoje.
As pessoas pleiteiam justiça pelas mais variadas razões – e têm fome e sede dela. É comum clamarmos por retidão diante dos infortúnios da vida. Por exemplo, que esposa aceita ver a família se desestruturar quando o pai de seus filhos sai de casa para morar com a amante? Ou qual mãe se dá por vencida ao ver o filho que educou com tanta dedicação se perder na vida errada? O desejo de justiça também está no grito de um pai que teve um filho cruelmente assassinato, de quem sofreu uma perda irreparável ou de quem, mesmo que com muito esforço, não consegue levar o sustento digno para casa. Quando a justiça humana é negligente, muitos se perguntam onde está a justiça Divina, sobretudo, em momentos em que sobra angústia e faltam respostas.
VENDADOS OU OLHO POR OLHO?
Se por um lado a justiça se mantém de olhos vendados, uma das leis mais antigas que se tem notícia é a lei de Talião. Datada de 1780 a.C., ela se valia da máxima do “olho por olho, dente por dente”, da reciprocidade do crime e da pena. Ou seja, o crime ou o horror que fosse cometido era pago com a “mesma moeda”. Com o passar dos anos, contudo, esse recurso passou a não fazer sentido e passou a valer a proporcionalidade da pena. Assim, se a pessoa cometeu um homicídio, por exemplo, em vez de puni-la com a morte, ela passou a ser, na maior parte das sociedades, passível de prisão. Dessa forma, além de não repetir o crime, priva-se o criminoso do convívio social e é deixado um recado importante aos outros indivíduos: de que a vida errada não compensa. O crime não compensa nem mesmo dentro do mundo da criminalidade – basta lembrar dos “tribunais do crime”, que também impõem severas punições.
Hoje, há tribunais em todos os cantos: no olhar de repreensão de alguém que, diante do outro, se coloca como juiz ou ainda nos dedos vorazes que eternizam julgamentos transvestidos de comentários nas redes sociais. Muitos linchamentos, vale ressaltar, são motivados pela alegação de uma “justiça popular” – mais uma vez, na ânsia de garantir o “aqui se faz, aqui se paga”. Esse impulso de justiçamento (ou fazer justiça com as próprias mãos), contudo, pode ser apenas um álibi para o que realmente se deseja: vingança para satisfazer suas próprias razões. O curioso é que muitos justiceiros, por vezes, vivem suas vidas sem pouco se importar com a justiça na grandeza ou nas miudezas de suas atitudes. Mas para eles há outra recompensa (veja no boxe à direita).
NEM TODOS VEEM
O livro de Gênesis 5.1-3 lembra “(…) que Deus criou o homem, à semelhança de Deus o fez (…).” Havia ordem e juízo sobre a terra até o momento que o diabo, em forma de serpente, quis que o homem, literalmente, provasse o veneno da desobediência. E, assim, por meio do pecado, ele passou a conhecer o mal. A primeira sede de justiça na Humanidade aconteceu logo em seguida, como detalhado em Gênesis 4.8-10: “Falou Caim com o seu irmão Abel. E, estando eles no campo, Caim se levantou contra o seu irmão Abel, e o matou. (…) E disse Deus: Que fizeste? A voz do sangue de teu irmão está clamando a mim desde a terra.” Aqui o sangue derramado de Abel, que foi justo em sua obra, clamou a Deus.
Todavia o pecado ainda se alastra pela desobediência, como quando a pessoa vira as costas para Deus, por meio de atitudes explicitamente ruins e, principalmente, com aquelas que muitas pessoas não consideram tão injustas assim, mas ao adotá-las enganam, ofendem e buscam vantagens pessoais.
Dos injustos parece ser o reino da Terra, mas um dia pertenceu à Humanidade um único justo. Não à toa, ele foi poupado de toda uma geração, como descrito em Gênesis 6.5-9: “Viu o Senhor que era grande a maldade do homem na terra, e que toda a imaginação dos pensamentos de seu coração era má continuamente. (…). Noé, porém, achou graça aos olhos do Senhor. (…) Era homem justo e perfeito (…) e andava com Deus.”
ONDE ELA ESTÁ?
Todos nós temos senso de justiça, até porque esse tino aguçado é Divino. Deus é justiça (ou seja, muito mais do que bondade) e, portanto, fará justiça na vida daqueles que O têm como seu Pai e Senhor. No livro O Caráter de Deus, o Bispo Edir Macedo ressalta que há um profundo contraste entre o Deus-Criador, Justo e Santo e o homem ímpio e errante, o que diferencia a “justiça” humana e a excelsa justiça Divina. O livro menciona a vida dos juízes nos primeiros 300 anos da história de Israel e enfatiza que eles eram ungidos para fazer justiça e, assim, promover um caráter disciplinado e o respeito mútuo entre o povo. Para o Bispo, “a justiça é a virtude moral que inspira o respeito aos direitos de outrem e que faz dar a cada um o que lhe pertence. Ela revela o que é absolutamente correto, íntegro e verdadeiro e jamais pode se desviar, ainda que seja por uma insignificância, (…) pois, se isto acontecer, então, mais tarde, verificar-se-á o quão longe da verdade se coloca”.
Ele ainda salienta que “só se pode encontrar exclusividade de justiça perfeitamente justa e imparcial no próprio Deus, que é a personificação da justiça”, e que, se pudéssemos registrar em ordem cronológica as atribuições ou qualificações de Deus, segundo observa o Bispo, “certamente teríamos de considerar, em primeiro lugar, Deus, o Senhor da Justiça. A própria Escritura aponta a base do Seu trono: ‘justiça e direito são o fundamento do teu trono; graça e verdade te precedem.’ (Salmos 89.14). (…) Ele é um Deus justo e, por isto mesmo, odeia a injustiça, assim também como nós a odiamos. (…) Devido ao fato de Deus odiar a injustiça, (…) o Senhor Jesus disse: ‘Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão fartos.’ (Mateus 5.6). Somente aqueles que têm o caráter voltado à justiça é que são fartos e esta fartura é exatamente a Salvação pela Fé no Senhor Jesus Cristo”, ensina.
QUÃO INJUSTA A VIDA TEM SIDO?
Sem saber o que fazer com as injustiças da vida, a auxiliar de serviços gerais Patrícia Nascimento de Matos, (foto abaixo) de 39 anos, usou o mesmo recurso e revidou a elas. Ela, que é natural do Recife (PE), é integrante de uma família de quatro irmãos. “Cresci em um lar sem mãe e com um pai alcoólatra e eu tinha 5 anos quando minha mãe nos abandonou. Passamos fome porque, embora meu pai trabalhasse, o dinheiro ficava quase todo no bar. Chegamos a comer arroz estragado, pois era o que tinha”, detalha.
Aos 10 anos, Patrícia começou a fumar escondido. Aos 13 anos, passou a beber e a praticar pequenos furtos. Aos 15 anos, conheceu o crime e foi jurada de morte. Ela conta outros problemas pelos quais passou: “eu tinha mágoa da minha mãe e, com isso, passei a ter ódio de todos ao meu redor. Me tornei tão agressiva que já não sabia conversar com ninguém. Cheguei a sair na ‘porrada’ com homens armados e não me importava com a minha vida. Eu só queria que soubessem que eu não deixaria mais ninguém me fazer sofrer. Aos 17 anos, passei a usar cocaína e tive duas overdoses. Vivi um relacionamento abusivo, sofri traições e fui agredida. Com a morte do meu companheiro, com seis tiros no rosto, passei a ter mais ódio das pessoas. Eu já tinha duas filhas e pensei em dá-las para que um casal criasse. Porém, por ter sido abandonada pela minha mãe,
não consegui.”
Patrícia teve mais um filho em outro relacionamento, que também não deu certo. “Eu batia muito na minha filha mais velha, que estava com apenas 5 anos. Passava dias e noites fora bebendo e usando drogas e a deixava cuidando dos irmãos de 4 e 2 anos. Por vezes, ela ia atrás de mim na porta do bar. Passei a trazer pessoas para dentro de casa e usava drogas, mantinha relações sexuais com elas e muitas vezes minha filha presenciava tudo. Em uma noite de domingo, quando dava o jantar para minha filha do meio, ela engasgou. Eu dei um tapa nela, pois achei que ela estava fazendo ‘gracinha’, mas, quando dei por mim, ela estava realmente engasgada. Ela foi atendida no hospital, mas o médico deu a notícia que acabou com a minha vida: ela tinha falecido. Ela estava com 6 anos”, descreve. Patrícia destaca como se sentiu: “meu mundo desabou e, com ele, o que ainda restava de esperança em mim. Sempre tinha o pensamento de que a vida era muito injusta comigo e, assim, carregava ódio, mágoa, tristeza, complexo de inferioridade e desejo de vingança. Então, com a morte da minha filha, passei a ter desejo suicida. Já não comia mais nem tomava banho”.
Em 2011, a irmã de Patrícia a convidou para ir à Universal. “Ao ver o Nome do Senhor Jesus, pedi para que Ele fosse o Senhor da minha vida. Naquele dia, me veio uma paz tão grande! Dei um abraço na minha filha e prometi que seríamos felizes. Sabia o quanto tinha sido injusta com meus filhos, principalmente com ela. Assim, me libertei dos vícios, dos pensamentos e sentimentos ruins, mas não conseguia me perdoar. Até que entendi que eu não era melhor do que Deus e, se Ele havia me perdoado, eu tinha que me perdoar também. Em seguida, tive um encontro com Deus e, depois, recebi o bem mais precioso da minha vida: o Espírito Santo. Hoje tenho paz em meio às guerras, crio os meus filhos e não nos falta nada. Com a morte da minha irmã, ganhei mais duas filhas. Sou completa por ter Deus em minha vida”, conclui.
VIU ALGO INJUSTO E FEZ O MESMO
Os autônomos Cosme de Oliveira Maia, (foto abaixo) de 55 anos, e Claudia Zumiotti Maia, de 52 anos, viveram um relacionamento conturbado. Eles foram casados por sete anos, mas se separaram. “Nosso casamento não deu certo de primeira, pois eu era uma pessoa desorientada e não sabia o que era casamento. Tive uma bagagem ruim porque o casamento dos meus pais foi um fracasso e existiram traições por parte da minha mãe. Ele, inclusive, irritado com aquela situação, a cortou inteira com o facão”, relata.
Natural de Amargosa (BA), na Bahia, Cosme se mudou para São Paulo, começou um relacionamento e noivou, mas descobriu que estava sendo traído. “Vi minha vida tomando o mesmo rumo que a do meu pai. Com essa frustração, encontrei um aparente refúgio nos vícios dos jogos, nas bebidas e no cigarro e depois me tornei dependente”, observa. Em seguida, ele conheceu Claudia, que engravidou, e eles logo se casaram. O curioso é que, apesar de repudiar a situação que presenciou com os pais, ele também praticou injustiça ao agredir sua esposa na frente do filho.
“Para mim, casamento era aquilo que meu pai viveu: bagunça, brigas e traições. Eu queria viver uma vida de solteiro: era descompromissado com o casamento e qualquer reclamação da minha esposa me irritava, a ponto de eu agredi-la. Muitas vezes, eu estava no bar e, só o fato dela chegar lá para me procurar, fazia com que eu a agredisse lá mesmo. Fomos para a delegacia várias vezes, viaturas policiais iam sempre na porta de casa e nossa vida era um escândalo”, conta.
A decisão de se separar partiu de Cosme e, então, eles ficaram distantes por 12 anos. “Pensei que fosse encontrar uma vida diferente, mas encontrei uma pior: me senti livre e comecei a frequentar casas noturnas. Eu tinha ânimo para tudo que era errado e não gostava do que era certo”, salienta.
Foi então que Cosme conheceu a Universal, em 1999, depois de receber um convite. Ele recorda que quando colocou os pés na Igreja teve paz.
Sua mudança interior veio posteriormente. “Aí eu entendi que era isso que eu procurava, mas que buscava no caminho errado. No entanto, mesmo na Igreja, procurei fazer as coisas do meu jeito. Foi só durante a pandemia de covid-19, em 2020, que decidi obedecer à Palavra de Deus de verdade. Aí nasceu um novo homem e meu entendimento mudou. O Cosme de hoje é uma pessoa que foi transformada. Aquele mesmo casamento arruinado foi restaurado e a minha vida também”, encerra.
Quem é você diante da injustiça?
A injustiça nunca vem de Deus, mas a vingança contra toda a injustiça sim. Injustiça é tudo aquilo que é mau. Por isso, a parte que cabe aos que creem em Deus é confiar (2 Crônicas 15.7). Há os que clamam por justiça, mas são injustos por viverem no pecado e há os que usam astutamente de injustiça para prejudicar alguém. Em contrapartida, há os que passam pelas injustiças vindas dos outros e aqueles que desfrutam da lei da colheita (Gálatas 6.7), ou seja, recebem de volta aquilo que semeiam. Quanto a isso, vale atentar para o que lemos em Romanos 3.5: “E, se a nossa injustiça for causa da justiça de Deus, que diremos? Porventura será Deus injusto, trazendo ira sobre nós? (Falo como homem.)”
Entre os que sofrem as injustiças há os que não esmorecem, há os que perdem as forças e há os que revidam. Estes, aliás, devem se observar, pois, conforme pondera o Bispo Macedo, “quando o cristão se vê injustiçado, se ele não tem o caráter de Cristo, logo procura, pelos seus próprios meios ou recursos, tomar atitudes concernentes ao seu próprio caráter (…). Ele ainda lembra que “devemos compreender as injustiças, uma vez que é nelas, e por meio delas, que sofremos e somos provados” e que “se alguém cometer alguma injustiça conosco, por mais cruel que
ela seja, devemos confiar no Justo Juiz, que mais cedo ou mais tarde fará com que a injustiça cometida contra nós se torne em justiça. (…) Ora, não é a nossa justiça a própria justiça de Deus?”, indaga.
Sendo assim, conclui-se que aquele que comete a injustiça está sob o olhar atento de Deus segundo os seus atos e aquele que suporta a injustiça até o fim receberá a recompensa dEle (Salmos 58.11).
E hoje em dia?
Tanto a justiça como a injustiça instigam a curiosidade e, por isso, os jornais estão cheios de casos de balas perdidas, tiroteios, chacinas, de linhas investigatórias para desvendar crimes, histórias de pais que matam os filhos e vice-versa e de situações em que vidas são ceifadas por qualquer trocado. A essas injustiças soma-se outras, como as filas nos hospitais, as migalhas distribuídas com a roupagem de amparo social e o descaso em relação aos que pouco ou nada têm. A injustiça dói em quem é bom e a impressão é que o que é injusto beira o natural, pois o certo virou o errado e o errado virou o certo.