Mais uma arapuca dos empréstimos

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Oito em cada dez famílias no Brasil estão endividadas, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), dentre as quais 12% declaram não ter condições de quitar seus débitos. O cartão de crédito tem sido o grande vilão do orçamento para 86,4% dos devedores. Mas como não há nada tão ruim que não possa piorar, uma nova modalidade de crédito está despontando no País: o empréstimo pessoal com garantia no celular. Com chamadas envolventes, exibindo imagens de jovens descolados e utilizando vocabulário politicamente correto, uma das empresas que oferece o serviço se apresenta como “facilitadora” e classifica sua proposta como “inclusão financeira de verdade”.

O mecanismo é simples e rápido, exatamente como a Geração Z adora: tudo on-line, com um vídeo explicativo de menos de um minuto e “comprovação de renda automática”. Se o solicitante tem crédito pré-aprovado e, a depender da análise feita na plataforma, a promessa é de o sistema aprovar a operação em “segundos”. Para a análise, é necessário inserir os dados bancários da conta onde o solicitante recebe seu salário ou pagamento e, pasme, a senha da conta. A empresa afirma que “a senha do internet banking libera acesso apenas para leitura e nenhuma movimentação será possível”. Depois disso o solicitante deve entrar em contato com a empresa por telefone. Após a aprovação, o valor só será creditado se o solicitante instalar o aplicativo da empresa em seu celular. Isso porque, caso venha atrasar o pagamento, o celular será travado para uso, sendo possível apenas fazer ligações de emergência. O desbloqueio do aparelho só será feito após o pagamento da fatura atrasada.

Segundo o próprio site, uma vez instalado, não é possível desinstalar o aplicativo durante toda a vigência do contrato. Além disso, é preciso conceder várias permissões para que a instalação seja feita e, por não estar na Play Store do Google, o aparelho emitirá um aviso de que o app é de “fonte desconhecida”. Ainda assim, a empresa afirma que o processo é totalmente seguro.

O Brasil pode ser um terreno bastante fértil para esse tipo de garantia, já que há 258 milhões de aparelhos celulares ativos, de acordo com a 35ª Edição da Pesquisa de Uso da TI, conduzida pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em uma operação de empréstimo, o oferecimento de garantia visa o acesso a taxas de juros mais baixas, o que não acontece nessa modalidade. As taxas de juros praticadas estão entre 12,5% e 19,9% ao mês, o equivalente entre 310,99% e 819% ao
ano, respectivamente.

Para se ter uma ideia, a Selic – taxa básica de juros do país – está atualmente em 10,50% ao ano. Além dos juros, o solicitante também terá de arcar com uma tarifa de cadastro (TAC), que vai de R$ 90 a R$ 150, e o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), atualmente em 0,38% sobre o valor total (para prazos até 365 dias).

É importante destacar que a operação, feita por correspondente bancário, não é ilegal e todas as condições estão descritas no rodapé do site. Porém, ofertas financeiramente nocivas como essa, ou seja, mais uma arapuca dos empréstimos, só prosperam em países onde a população não tem educação financeira.

Segundo a Associação Nacional dos Executivos de Finanças e Contabilidade (Anefac), 99,4% dos brasileiros não sabem o que são juros compostos. Diante dessa realidade e com um alto número de pessoas que acham que empréstimos são soluções para a falta de dinheiro – quando, na verdade, são um ralo que drena boa parte do orçamento familiar –, esse tipo de negócio tende a crescer.

Com a lei e a desinformação a seu favor, provavelmente veremos mais correspondentes bancários oferecendo essa modalidade, o que pode fazer com que os números da inadimplência no País – que já são muito ruins – fiquem ainda piores.

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Colaborador

Por Patrícia Lages, Jornalista / Foto: ArtistGNDphotography/GettyImages