MPF abre ação contra associação médica que defendeu tratamento precoce e nova polêmica surge
Medicações consideradas preventivas estão sendo censuradas e médicos afirmam que o uso foi politizado
No Rio Grande do Sul, o Ministério Público Federal (MPF), ajuizou uma ação civil pública contra a associação Médicos pela Vida Covid-19 por publicar um manifesto que defende o chamado “tratamento precoce” contra a covid-19.
A instituição está sendo processada por dano potencial à saúde e dano moral coletivo devido ao informe público onde se mostrou favorável ao uso de medicações como forma de prevenção da doença. Entre outras medidas, a ação exige o pagamento de indenização no valor sugerido de R$ 10 milhões, como forma de reparação.
O grupo Médicos pela Vida Covid-19 afirma ser composto majoritariamente por médicos de várias especialidades que trabalham diretamente com os infectados pela covid-19 e por colegas médicos que, apesar de não estarem na linha de frente, apoiam a luta, além de profissionais médicos que estão submetendo seus dados para pesquisa, a fim de contribuir com o conhecimento científico.
“MANIFESTAMO-NOS a favor da intervenção precoce no tratamento da covid-19, acrescentando alguns dos trabalhos da literatura que nos têm embasado, inclusive as diretrizes de países com índices de mortalidade pela doença muito menores que os do Brasil”, afirmou a associação em um trecho do manifesto.
Discurso politizado
Quando a covid-19 se disseminou rapidamente pelo mundo, a comunidade científica começou uma verdadeira corrida contra o tempo para interromper as crescentes mortes e encontrar um tratamento eficaz.
Nesse caminho, tudo, ou praticamente tudo, que envolve o combate à covid-19 foi politizado, desde os lockdowns, o uso de máscaras, a escolha de vacinas até, agora, o tratamento precoce.
Quando se fala de prevenção, assim como outras situações que envolvem a doença, não há unanimidade nos estudos divulgados sobre o que é certo ou errado. Há pesquisas que apontam tanto resultados positivos quanto negativos. Dessa forma, não existe atualmente um consenso entre os médicos sobre qual é o melhor protocolo de tratamento para seguir.
O próprio presidente do Conselho Federal de Medicina, Mauro Ribeiro, criticou a politização do vírus e disse que é falsa “essa história de que está estabelecido na literatura que o tratamento precoce não tem efeito na fase inicial”.
Após destacar que não é verdade que o tratamento precoce contra a covid-19 é ineficaz, reafirmou que “há trabalhos que mostram os benefícios da combinação de medicamentos na fase inicial, e outros não”.
A decisão final deve ser do médico
Mauro Ribeiro deixou claro que não estava defendendo a eficácia do “tratamento precoce”, mas sim a autonomia do médico.
“Quem tem atribuição legal de modo a definir o que pode ou não ser utilizado é o Conselho Federal de Medicina! Qual foi a nossa postura sobre o tratamento precoce? Deixar o médico definir o que é melhor para o paciente dele. O Conselho não incentiva o tratamento precoce ou o condena, tampouco bane. Falar que a hidroxicloroquina e a ivermectina matam é falácia. Quem quer fazer o tratamento precoce, que faça. Quem não quiser, não faça”, pontuou.
Acredito que foi uma das declarações mais sensatas sobre o assunto nos últimos tempos. Afinal de contas, onde está o direito de o médico decidir o que é melhor para o seu paciente?
Não é justo que os políticos e a pressão popular (motivada por esses governantes) interferiram no que os médicos devem ou não prescrever.
Não me cabe, aqui, afirmar se o “tratamento precoce” funciona ou não. Como jornalista, devo me atentar apenas aos fatos e, como o presidente do Conselho Federal de Medicina mesmo alertou, há pesquisas muito distintas sobre o tema.
Justamente pelos estudos ainda não apontarem uma única direção, não é racional colocar o “tratamento precoce” como se ele fosse o pior dos problemas no combate à covid-19.
Na verdade, acredito que ele deveria estar no centro do debate atualmente, uma vez que a única opção disponível que temos para tratar a doença é deixar ela agir no organismo e medicar os sintomas, que podem regredir ou avançar, levando à morte.
Vivemos num tempo onde o mundo quer encontrar respostas rápidas. Assim, praticamente tudo que envolve a covid-19 tem ganhado um caráter experimental. Dito isso, não se pode negar a um médico o direito de escolher o tratamento que julgue ser melhor para o seu paciente, avaliando, claro, os riscos e os benefícios do mesmo.
Mas, com essa ação que o MPF abriu contra a associação fica claro que o respeito a essa autonomia está sendo ceifado. Os procuradores, políticos, população querem interferir na medicina e determinar o que os médicos podem ou não receitar para os seus pacientes com covid-19.
Infelizmente, fica difícil saber em quem acreditar em meio a um debate motivado muito mais por interesses políticos e ideológicos do que pela ciência. E, o mais triste, é saber que esse jogo de poder pode representar, literalmente, a vida e a morte de milhões de pessoas.