Nova batalha: sala de aula versus celular

Projeto do governo federal pode banir aparelho de escolas públicas e privadas no Brasil

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O celular tem marcado cada vez mais presença na vida das pessoas e desempenha um papel fundamental na conectividade e na comunicação entre elas, certo? Nas escolas parece que a história não é bem assim. Nas mãos de alunos, o aparelho está sendo associado a distúrbios de comportamento, ao cyberbullying e a distrações. O relatório do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), divulgado em 2023, por exemplo, mostra que cerca de 65% dos estudantes ficaram distraídos nas aulas de matemática por usar celular e dispositivos como tablets e laptops. No Brasil, esse percentual chegou a 80%, assim como na Argentina, no Uruguai, no Chile, no Canadá, na Finlândia, na Letônia e na Nova Zelândia.

A França já baniu o uso de celulares nas instituições de ensino em 2018 e há um número crescente de países que estão adotando medidas parecidas (veja no quadro ao lado). Por aqui, o Ministério da Educação quer implantar um projeto de lei que prevê o banimento do aparelho em escolas públicas e privadas para conter o excesso de telas e melhorar a atenção dos alunos em sala de aula.

Fabiano de Abreu Agrela Rodrigues, mestre em psicologia, pós-doutor em neurociências e professor convidado da Pontifícia Universidade Católica no Rio Grande do Sul (PUC-RS), destaca o aspecto do tempo perdido com o aparelho nas escolas: “estudos mostram que pode levar de 15 a 25 minutos para um estudante retomar a concentração após ser interrompido pelo uso de celular. Há queda no desempenho e na memória, falta de aprofundamento, de conhecimento, de raciocínio, fora as questões do cyberbullying”.

Há ainda outras consequências: “nós temos hoje o que eu chamo de transtorno derivado do uso excessivo de rede social, que se confunde até com o TDAH [transtorno do déficit de atenção com hiperatividade], e, como as regiões do cérebro afetadas são as mesmas que também estão em disfunção no caso de TDAH, os sintomas acabam sendo bastante similares”.

Ele avalia que, se o projeto for aprovado, as escolas serão obrigadas a restringir o uso de celulares em suas dependências, especialmente durante as aulas. “Isso pode alterar a rotina dos alunos e a relação deles com a tecnologia no ambiente escolar. A restrição no recreio [que está prevista no projeto] também pode ser benéfica, pois incentiva interações sociais diretas entre os alunos, reduz o tempo de tela e promove as atividades físicas”, diz Rodrigues.

Contudo ainda não há um consenso nacional entre as escolas em relação ao que o projeto prevê. “Algumas escolas já adotaram políticas mais rígidas sobre o uso de celulares, mas isso varia muito de acordo com a instituição. Embora possa haver variações de acordo com a realidade de cada Estado ou município, a ideia é aplicar a proposta em todo o País. Antes de entrar em vigor, o projeto precisa ser discutido no Congresso, passar por comissões, ser votado pela Câmara e pelo Senado e, por fim, sancionado ou vetado pelo presidente. O debate é necessário por envolver educação, tecnologia e liberdade individual”, declara.

Rodrigues ainda afirma que o banimento previsto pelo projeto está ligado também à preocupação com os algoritmos de redes sociais, que podem gerar dependência entre os jovens. “Alguns alunos mostram sinais de vício em redes sociais, jogos e apostas on-line. Durante a pandemia, a tecnologia foi essencial para a educação. Atualmente, ela ainda pode ser uma aliada, desde que seja usada de forma controlada e direcionada para o aprendizado. O equilíbrio é a chave”, pondera.

Para o especialista, entretanto, a questão não se restringe somente ao uso do aparelho nas escolas. “Já temos um problema na educação dos próprios pais que deixam os filhos no celular ou de pais que não querem ser perturbados pelos filhos e os deixam ficar no aparelho. Em vez de darem atenção aos filhos, aguçarem a sua curiosidade, educá-los com base no que é essencial, na interação, no convívio, no amor mútuo entre pais e filhos, os pais acabam deixando as crianças usarem o celular porque eles próprios, às vezes, estão viciados no aparelho”, analisa.

Ele rebate a tese de que a proibição do uso do celular pode ser abrupta: “não, porque a ciência já comprovou que duas horas por dia de uso de telefone são suficientes e as crianças podem usar esse período em casa já. E olha que interessante: isso vai inclusive diminuir o número de assaltos e roubos a celular, porque a violência no Brasil está muito alta e as crianças e jovens correm o risco de sair com o celular na rua e serem assaltados. Se você não precisa levar o telefone para a escola, não será assaltado no caminho”, conclui.

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Colaborador

Eduardo Prestes / Foto: Izusek/GettyImages