Novos games podem ser caça-níqueis para crianças

O que fazer para que seus filhos não se envolvam em jogos de azar on-line?

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Quando se fala em entretenimento, a indústria dos games é seguramente um dos segmentos que mais crescem entre os consumidores.

Antigamente, as estratégias do setor para lucrar se relacionavam apenas à venda de jogos, mas, hoje, além delas, as receitas derivam da compra de itens para personagens, como roupas, armas, carros, e também da de habilidades para avançar nas diversas fases do jogo. As estimativas apontam que essas “microtransações on-line” devem passar de US$ 67,9 bilhões (R$ 330 bilhões), em 2022, para US$ 76,6 bilhões (R$ 370 bilhões) neste ano.

Essa arapuca que força as pessoas a comprarem cada vez mais não atinge somente adultos, mas também crianças e adolescentes despreparados para a monetização dos games, afinal, quem não gasta tem chances mínimas de competir com outros jogadores, pois há jogos que nem sequer permitem o progresso sem que haja pagamento. Há como escapar dessa armadilha?

Para Gabriel Portela, psicólogo, mestre em psicologia experimental e diretor do Núcleo Joy – Psicologia Comportamental, em São Paulo, é preciso ficar atento ao consumo excessivo de games pelas crianças. “Alguns dos problemas mais comuns são isolamento social, problemas de sono, dificuldade de concentração, diminuição do desempenho escolar e até sintomas de ansiedade e depressão, a depender da relação da criança com o videogame ou com as redes sociais”, diz.

Segundo ele, trata-se de um processo progressivo. “Ele ocorre quando o tempo gasto nas redes sociais e nos jogos se torna desproporcional ao gasto em outras atividades importantes, como com a vida familiar e escolar, com amizades, passatempos, lazeres e atividades físicas. Por isso, o uso excessivo pode criar uma dependência e impactar negativamente no desenvolvimento emocional e social dessa criança”, avalia.

Portela afirma que a monetização dos games pode distorcer a compreensão das crianças sobre o dinheiro e dificultar a aprendizagem financeira saudável. “Esse modelo é chamado em alguns países de ‘caça-níquel para crianças’ e tem sido proibido em muitos deles. Embora isso não seja diretamente relacionado aos jogos de azar, ele tem um componente de jogo de azar envolvido, que é a aleatoriedade da recompensa. Isso pode incentivar um comportamento compulsivo de gasto nas crianças. As mais jovens podem ser vulneráveis a esse tipo de tendência”, explica.

Ele esclarece que, a partir de certa idade, as crianças podem começar a entender conceitos básicos de dinheiro, como o valor e a importância de economizar. “No entanto isso varia de acordo com o amadurecimento individual de cada criança. O uso de jogos que monetizam o processo pode atrapalhar o desenvolvimento da aprendizagem sobre o valor do dinheiro, pois cria uma relação imediata entre dinheiro e avanço no jogo, muitas vezes, sem a necessidade de um esforço real”, analisa.

Segundo ele, há estratégias para lidar com o problema: “é importante que os pais estejam atentos o tempo inteiro aos seus filhos e a quanto eles passam em frente às telas, estabeleçam limite e promovam uma variedade de atividades saudáveis. Não é só limitar, não é só falar para a criança ‘não vá usar’, é também propor novas coisas legais. Além disso, é fundamental incentivar o diálogo aberto sobre o uso de tecnologia e ensinar habilidades de autorregulação”, declara.

Ele cita, porém, que também há aspectos positivos nos games: “eles podem estimular o desenvolvimento cognitivo e promover o trabalho em equipe, a criatividade e a resolução de problemas e até proporcionar experiências educacionais. Com pequenas ações ou pequeno custo de resposta ou pequeno esforço, a criança pode ter uma estimulação neuroquímica muito rápida”.

Contudo ele sugere que as crianças sejam ensinadas a fazer pausas para descansar do celular ou do videogame. “Existem pontos negativos também nesses jogos quando não se estabelece um limite. Isso pode fazer com que elas sejam expostas a conteúdos violentos, ao sedentarismo e ao risco de dependência, porque os jogos podem gerar dependência, principalmente no que tange ao aspecto de uma recompensa rápida no cérebro. É importante estabelecer limites claros de tempo de tela, supervisionar o conteúdo que elas acessam e incentivar atividades físicas.”

Ele completa que os jogos têm potencial de influenciar o comportamento das pessoas de diversas maneiras. “Eles podem afetar as emoções, a atenção, o raciocínio lógico e até a tomada de decisões de forma positiva. Isso ocorre por meio de mecanismos de recompensa no cérebro, desafios progressivos e de narrativas envolventes presentes nos jogos. Perceba que o jogo sempre vai ter um lado positivo, assim como um filme terá um lado negativo quando se torna uma dependência. Ele é uma ferramenta e depende muito de como vamos utilizá-lo”, conclui.

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Colaborador

Eduardo Prestes / Fotos: Rawpixel/getty images, zeljkosantrac/getty images e PeopleImages/getty images