O poder das refeições à mesa
Pesquisas mostram que reunir a família para comer é bom para o desenvolvimento das crianças e garante uma vida mais saudável para todos
Uma pesquisa feita na Grã-Bretanha pela empresa Mintel Academic mostrou que as mesas estão se extinguindo naquele país. Além de observar uma queda considerável na aquisição do item considerado essencial em uma casa, o levantamento apontou que o número de britânicos que não têm mesa de jantar chega a 25%, além dos 31% que só a usam em ocasiões especiais, como o Natal e o Ano Novo. No dia a dia, muitos deles comem em frente à TV, com o prato na mão. No Brasil, embora as mesas estejam mantidas, estimativas apontam que 40% das famílias não jantam juntas e que 70% delas fazem as refeições com a televisão ligada. De uma forma ou de outra, o que o cenário evidencia é o quanto os hábitos mudaram e, consequentemente, as famílias também: momentos antes considerados sagrados, como partilhar a refeição em família ou mesmo sentar-se à mesa, agora, são tratados como dispensáveis.
Contudo, embora o retrato da família tenha mudado nas últimas décadas, isso não significa que a importância de se reunir como uma unidade familiar tenha seguido o mesmo caminho, ao contrário. A prova maior foram os resultados encontrados por um projeto encabeçado pela Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, que se propôs a analisar 15 anos de pesquisas acadêmicas sobre refeições familiares.
Nomeado de The Family Dinner Project (Projeto Jantar em Família, na tradução livre), o levantamento mostrou que crianças que jantam regularmente em família costumam ingerir mais frutas, vegetais e nutrientes, além de terem índices menores de obesidade e pouca propensão a serem obesas quando adultas. Também foram identificados benefícios acadêmicos e emocionais para os adolescentes, com taxas menores de uso de drogas e depressão, além de maior resiliência, vocabulário mais amplo, maior capacidade de leitura e, no geral, notas melhores na escola.
Algumas pesquisas chegaram a encontrar uma conexão entre a regularidade de refeições em família e a redução de sintomas de problemas de saúde, como a asma. Mas o que haveria de tão mágico nas refeições?
Grande parte dos benefícios estariam relacionados aos laços criados durante as refeições. Ou seja, há valor na escolha de alimentos saudáveis, mas, sobretudo, na atmosfera familiar que é estabelecida. “O verdadeiro poder das refeições está na sua qualidade interpessoal. Se os membros da família se sentam em silêncio, se os pais gritam um com o outro ou repreendem seus filhos, os jantares em família não renderão resultados positivos. Dividir um frango assado não vai transformar magicamente as relações entre pais e filhos. No entanto, o jantar pode ser o momento do dia em que pais e filhos podem compartilhar uma experiência positiva – uma refeição bem preparada, uma piada, uma história –, e esses pequenos momentos podem preparar o terreno para a criação de conexões mais fortes longe da mesa”, declarou a escritora Anne Fishel, em seu artigo Science says: eat with your kids (Ciência diz: coma com as crianças, em tradução livre).
VALOR PARA TODOS
À Folha Universal, Adriana Severine, psicóloga especialista em psicologia positiva pelo Instituto de Psicologia Positiva, em São Paulo, menciona que “as refeições em família são oportunidades preciosas para criar memórias e tradições”, algo que ajuda a “estabelecer rituais que fortalecem o senso de identidade e pertencimento da família, tornando-se momentos especiais”. Ela ainda pontua que essas ocasiões proporcionam “uma oportunidade valiosa para a comunicação e a conexão entre os membros da família, fortalecendo laços familiares, melhorando a comunicação e ajudando a reduzir o estresse, contribuindo para o bem-estar geral de crianças e adultos”.
Uma pesquisa feita pela The Honey Baked Ham Company (empresa americana varejista de alimentos) revelou que três em cada cinco americanos gostariam de fazer mais refeições em família: dentre os principais motivos pelos quais as famílias não jantam juntas estariam agendas lotadas e até o estresse de não saber o que cozinhar. Adriana confirma que criar o hábito de fazer refeições em família pode ser desafiador, mas diz que começar aos poucos, escolhendo um dia na semana, é fundamental: “o importante é a consistência e a qualidade das interações, e não a complexidade das refeições”.
O DIÁLOGO É FUNDAMENTAL
A psicóloga enfatiza que manter o diálogo familiar é necessário, independentemente das circunstâncias. “A comunicação aberta e o apoio emocional entre os membros da família ajudam a resolver conflitos e proporcionam um ambiente de apoio emocional que é vital para o desenvolvimento saudável de todos os envolvidos. Além das refeições em família, também importa reservar tempo para atividades compartilhadas, como passeios ao ar livre, jogos de tabuleiro ou simplesmente conversas significativas”, diz. Ela pondera, no entanto, que nesse diálogo o celular deve ficar de fora. “O uso de eletrônicos durante as refeições pode prejudicar a comunicação e a conexão familiar, o que pode levar a uma falta de interação ‘cara a cara’, reduzindo a qualidade do tempo juntos. Então, é aconselhável estabelecer regras para limitar o uso de dispositivos para promover uma interação mais significativa”, finaliza.
PONHA EM PRÁTICA
Tire um tempinho do fim de semana para planejar as refeições da semana seguinte para facilitar a organização da família;
Elabore uma lista de receitas simples às quais possa recorrer quando estiver com pressa e sem ideias e mantenha ingredientes-chave na geladeira, como vegetais congelados;
Envolva as crianças no preparo, por exemplo, levando- as à feira para que conheçam os alimentos in natura e pedindo para que elas escolham um que nunca viram;
Divida as tarefas relacionadas às refeições para evitar que um único membro da família (geralmente, a mãe) fique sobrecarregado com compras, preparo e limpeza;
Crie refeições de “uma panela só”, como um macarrão com vegetais ou um risoto com vários ingredientes;
Durante a refeição, proponha reflexões sobre partes do dia da criança ou do adolescente. Diga algo como: “pensei em você na hora do almoço porque sabia que você estaria fazendo aquela prova difícil e fiquei torcendo para ir tudo bem”. Não espere uma resposta, apenas veja se ele (a) vai usar a “deixa” para conversar;
Converse sobre filmes e séries de TV em vez de escola ou trabalho, caso esses temas gerem discussões acaloradas e improdutivas;
Aproveite momentos como o café da manhã ou o lanchinho antes de dormir para se reunir com a família.
Fonte: The Family Dinner Project