O que a tecnologia tem feito com a sua mente?

Termo escolhido pela Oxford University Press acende um alerta para os danos do consumo excessivo de conteúdos superficiais e pouco desafiadores para o cérebro

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Se você pudesse usar uma palavra para resumir o ano de 2024, qual seria? Todos os anos, a Oxford University Press, editora da Universidade de Oxford, localizada no Reino Unido, destaca em seu dicionário o termo que mais representou a sociedade naquele período e, neste ano, o termo escolhido foi “brain rot” (ou cérebro apodrecido, em tradução literal para o português).

O termo foi definido como “a suposta deterioração do estado mental ou intelectual de uma pessoa, especialmente vista como resultado do consumo excessivo de material (principalmente conteúdo on-line) considerado trivial ou pouco desafiador”.

Na prática, a população, de forma geral, tem passado cada vez mais tempo conectada apenas recebendo informações simplórias e isso tem feito mal para a mente. Assim como um músculo precisa estar exposto a estímulos cada vez mais intensos para crescer, o cérebro precisa ser desafiado para continuar se desenvolvendo, o que não acontece assistindo a dancinhas em aplicativos nem vendo carrosséis de fotos de terceiros.

“Notadamente, as pessoas não se interessam por um tema relevante e, quando se interessam, já tem alguém no YouTube dando sua versão ‘super-ultra-master especializada’ de dois minutos. Mesmo que um tema possa ser proveitoso, já se extraiu partes importantes do contexto e só o farelo da informação está disponível”, comenta o neurocientista Igor Duarte. Assistir a conteúdos rasos e acreditar que eles são suficientes verdadeiramente atrofia o cérebro.

Duarte destaca ainda o hábito adotado por muitos de ouvir conteúdos em velocidade acelerada, o que também tem impactos negativos no cérebro.

De distração a estresse
É interessante notar que a internet tem sido um grande caminho para a disseminação de entretenimento, ou seja, as pessoas aproveitam o tempo livre para assistir conteúdos nas redes sociais ou em plataformas on-line para relaxar, mas essa distração, que parece ser inofensiva, na verdade pode aumentar o estresse e causar uma série de danos à mente. Os prejuízos nem sempre são imediatos, mas podem mudar inclusive o estado emocional de um indivíduo e levar ao desencadeamento de outros problemas de saúde.

Duarte elenca alguns deles: “o excesso de informações e, mais ainda, informações curtas tornam o cérebro cada vez mais imediatista e, quando não acontece algo logo de imediato, aparece a ansiedade, que é aquela sensação de que algo deveria ser acelerado. A ansiedade gera estresse e o estresse bagunça o funcionamento do organismo, pois o cérebro é quem manda em tudo e está desorganizado. Além disso, destaco os problemas relacionados com o sono, a baixa produtividade e, claro, o esgotamento geral”.

A questão não se restringe às redes sociais. A verdade é que estamos dependendo cada vez mais da tecnologia e transferindo parte da responsabilidade da atividade cerebral para ela. Um estudo realizado recentemente pela Universidade College de Londres e divulgado pela revista científica Nature avaliou a interferência do uso do GPS no cérebro humano e ressalta que, entre os 24 voluntários analisados, constatou-se que, enquanto aqueles que não usavam o GPS apresentaram picos de atividade em regiões cerebrais como hipocampo e córtex pré-frontal, os que usavam a tecnologia não mostravam variações.

Olhando para esse cenário é inevitável não lembrar que até alguns anos atrás, para nos locomovermos, contávamos apenas com a memória, um livro com a referência das ruas e a comunicação, quando era necessário perguntar a direção para alguém. Atualmente, muitos não conseguem fazer um caminho que repetem todos os dias sem ajuda do GPS. Também não está muito longe o tempo em que sabíamos de cabeça o número do telefone das pessoas mais próximas. Agora, às vezes esquecemos até do nosso próprio número de contato.

Parece bobagem, mas são essas pequenas coisas que paramos de fazer ao longo dos anos que têm deixado o cérebro preguiçoso, com sua capacidade de concentração e de memorização diminuída e redução do pensamento crítico e até da criatividade.

Mas imagine também como será daqui para a frente, com a inteligência artificial se popularizando e servindo de apoio para as mais diversas atividades. Aqueles que não tomarem cuidado com suas escolhas acabarão transformando o hábito de pensar em algo “opcional”. “A internet e os computadores em geral são armadilhas e temos de ficar desviando delas. Quanto mais tempo você puder ficar sem tecnologias, melhor. Mas tenha em mente que não dá para viver sem isso no mundo de hoje”, afirma Duarte.

Recalculando a rota
A partir do momento que se tem consciência do mal que o excesso de conteúdos rasos faz ao cérebro é importante decidir o que fazer com essa informação: se vai seguir a vida rumo à podridão cerebral ou mudar hábitos para garantir a saúde a longo prazo. “Prevenir o brain rot requer uma postura ativa e consciente diante da avalanche de estímulos digitais”, diz a psicoterapeuta Elainne Ourives. “Defina intenções claras para o uso da tecnologia. Antes de pegar o celular ou abrir uma rede social, pergunte-se: ‘por que estou fazendo isso?’ Além disso, estabeleça períodos sem telas no seu dia, especialmente pela manhã e antes de dormir.”

Elainne destaca ainda a importância de saber escolher aquilo que merece dedicação de tempo e energia: “conecte-se também com o mundo real, entrando em contato com a natureza, com as pessoas e praticando atividades físicas”. A moderação é a chave para aproveitar a tecnologia sem perder a qualidade de vida.

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Colaborador

Cinthia Cardoso / Fotos: T-Immagini\gettymages, Guvendemir/getty images