O que crianças e adolescentes estão fazendo na internet?

Monitorar as atividades on-line e acionar o controle parental em redes sociais são práticas indicadas por especialistas para proteger os menores de idade. Confira quais são os riscos do mundo digital e dicas de segurança

Recentemente um maranhense de 25 anos sequestrou uma menina de 12 anos, moradora do Rio de Janeiro. Segundo investigações policiais, no dia 6 de março ele buscou a vítima na porta da escola em que ela estuda na capital carioca e a levou para São Luís, no Maranhão, em um carro de aplicativo. Ele ainda falsificou um documento de identidade para que a menina ficasse com o mesmo sobrenome dele.

Dias depois, o homem foi preso e a polícia descobriu um histórico de mensagens entre os dois na rede social TikTok: o contato teve início há dois anos, quando ela tinha apenas 10 anos. Em depoimento, a vítima afirmou que acreditava que o homem fosse um adolescente. Depois de passar oito dias longe da família, a menina foi encontrada pela polícia em uma quitinete que pertence ao sequestrador. O caso segue sob investigação e o inquérito apura os crimes de sequestro, cárcere privado e estupro de vulnerável. A situação acende um alerta para os pais sobre os riscos do uso de redes sociais, aplicativos e outras plataformas de internet por crianças e adolescentes sem contar com a supervisão de um adulto.

Crianças nas redes sociais
A pesquisa TIC Kids Online Brasil 2021, divulgada no ano passado pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (cetic.br), mostra que 93% dos brasileiros de 9 a 17 anos são usuários de internet, número maior do que os 89% registrados em 2019. O uso de redes sociais é uma das atividades que mais cresceram: entre as crianças de 9 e 10 anos, 68% usam as redes sociais; já entre as de 10 e 11 anos, o número chega a 86%. A pesquisa também constatou que o TikTok, aplicativo de vídeos curtos, é usado por 58% dos respondentes de 9 a 17 anos; e as crianças entre 9 e 10 anos representam 42% dos usuários. Um destaque da pesquisa é que 88% dos brasileiros de 9 a 17 anos possuem perfil em alguma rede social, ambiente que não foi projetado para crianças – tanto que as próprias redes exigem que os usuários tenham pelo menos 13 anos. Segundo o advogado especializado em direito digital Philipe Monteiro

Cardoso, crianças e adolescentes correm diversos riscos ao utilizarem a internet e as redes sociais sem a mediação de um adulto. Ele esclarece que os crimes relacionados à internet são identificados com termos em inglês. Entre os mais comuns está o cyberbullying, que se refere à forma de bullying que acontece por meio das plataformas digitais, podendo ocorrer via mensagens de texto, vídeos, comentários ou até mesmo imagens. “O uso de imagens de terceiros é bastante popular para zombar de alguma característica de alguém. Devemos lembrar que a ação pode gerar consequências jurídicas graves pela falta de autorização, além de a prática de zombar poder ser considerada injuriosa, crime previsto no Código Penal”, alerta.

O stalking, outro termo em inglês, se refere ao crime de perseguição a uma pessoa, conduta que em 2021 foi tipificada no Código Penal no Artigo 147-A, com a definição de crime de perseguição ou de invasão de privacidade através de qualquer meio, incluindo o digital.

Já o chamado grooming – ou aliciamento de menores – ocorre quando um adulto estabelece contato com uma criança ou adolescente na internet tentando ganhar sua confiança com o objetivo de abusar sexualmente dela. “Essa prática ocorre com frequência em redes sociais, sites e jogos on-line”, destaca.

Outro crime comum apontado pelo advogado é o sexting, que consiste no envio de conteúdos eróticos via texto, fotos, vídeos ou áudio por meio de algum dispositivo eletrônico. Diante de tantos perigos, Cardoso reforça a necessidade de supervisão de um adulto nas atividades que crianças e adolescentes realizam na internet. “Eles estão vulneráveis aos mais variados golpes. Considerando-se a inocência por causa da idade, é necessário a mediação de um adulto, seja por meio de um controle rígido do uso de dispositivos eletrônicos, seja pela prática de utilização de controle parental nos dispositivos ou redes sociais e até mesmo fiscalizando conversas, fotos, vídeos ou qualquer outro conteúdo que o menor possa produzir, compartilhar e receber de terceiros”, orienta.

Como denunciar
Cardoso informa que o Disque 100 é um dos meios mais eficazes para denunciar um crime ou mesmo a prática abusiva no ambiente digital. Trata-se de um serviço gratuito que recebe denúncias de violações de direitos humanos, inclusive crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes. Por meio da denúncia, a Polícia Civil poderá iniciar um processo de investigação para apurar a responsabilidade dos envolvidos.

Já a queixa-crime, que consiste no comunicado de uma atitude criminosa diretamente ao juiz, pode ser feita por meio de um advogado ou defensor público.

Além disso, a própria plataforma de internet ou rede social pode ser acionada. Ele lembra que, segundo o Marco Civil da Internet, uma rede social, por exemplo, poderá responder pelo conteúdo, caso tenha agido com negligência ao ser acionada para tomar uma atitude, como no caso do pedido de remoção de algum conteúdo ilegal.

Orientação e supervisão

O especialista em segurança cibernética Rafael Franco afirma que acompanhamento é a palavra-chave e que os pais precisam saber o que os filhos fazem na internet e com quem conversam on-line, além de orientá-los a não interagir com desconhecidos. “Existe a máxima que diz ‘não fale com estranhos’: isso sempre valeu para o mundo físico e vale também para o mundo digital”, recomenda.

Outra sugestão é que os pais fiquem logados simultaneamente com os filhos: “existe a opção de manter as redes sociais dos filhos conectadas aos aparelhos dos pais. Feito isso, os responsáveis devem separar alguns minutos todos os dias para checar as interações que ocorreram”.

Rafael acrescenta que alguns aplicativos contam com ferramentas de controle parental, que ajudam a limitar desde o horário de uso ao tempo e ao tipo de conteúdo acessado. É importante que os pais entendam essa dinâmica e a apliquem de acordo com a idade da criança e os valores da família.

Apesar de todo aparato disponível, ele reforça que a mediação constante é a melhor forma de proteção. “Nada vai funcionar tão bem como a supervisão. Mantenha o Instagram, o TikTok e outras redes sociais de seu filho logadas em seu aparelho e acompanhe todos os dias, pois só assim você terá a tranquilidade em relação a tudo que está acontecendo”, finaliza.

Proteja seus filhos

• Oriente a criança sobre o perigo de conversar com estranhos, na internet ou na rua

• Conheça as regras, a faixa etária permitida e o funcionamento da rede social que seu filho usa. A idade mínima para acessar o Instagram e o TikTok é 13 anos

• Use ferramentas de controle parental, que ajudam a limitar o tempo e horário de uso da internet

• Explique para a criança que ela não deve compartilhar fotos, vídeos ou dados pessoais no ambiente digital

• Acompanhe o que a criança ou o adolescente acessa na internet

• Se o seu filho tem rede social ou conta em outras plataformas, mantenha o perfil no modo privado para que ele seja acessado só por pessoas autorizadas

• Informe-se sobre as melhores práticas e os riscos relacionados ao uso de redes sociais, jogos e outras plataformas na internet

• Caso identifique um crime, ligue para o Disque 100 ou procure uma delegacia de polícia

Fontes: Philipe Monteiro Cardoso, advogado especializado em direito digital; e Rafael Franco, especialista em segurança cibernética

imagem do author
Colaborador

Kelly Lopes / Foto: Graham Oliver/ getty images e OlyaKomarova/ getty images