O que está acontecendo com esta geração?
É assim que aqueles que são o “futuro” estão: resistentes a pedir ajuda, mas não hesitam em recorrer à violência, o que é apenas mais um sintoma que expõe as raízes de outros males
O mundo mudou, mas, infelizmente, nem toda mudança tem sido positiva. Foi-se o tempo em que a infância era marcada somente por aprendizados, diversão e cuidados da família, enquanto a adolescência vinha acompanhada do fortalecimento das amizades e uma série de descobertas sobre si e o mundo, além das inúmeras possibilidades de imaginar o adulto que nos tornaríamos no futuro. Afinal, só na juventude é que se tinha consciência das responsabilidades, das escolhas e da vida adulta. Nessa fase, não era comum ter crises de ansiedade, depressão, praticar atos violentos ou provocar qualquer outro mal tão enraizado na geração atual.
A questão é que esses males não são mais ervas daninhas fáceis de lidar, mas se transformaram em raízes cada vez mais profundas e emaranhadas com outras piores, que florescem mais e mais a cada dia. Esses problemas deixam a sociedade em estado de alerta e seus frutos se reproduzem de forma ainda mais alarmante.
Os ataques às escolas Columbine (no Colorado, nos Estados Unidos), em Realengo (no Rio de Janeiro) e em Suzano (em São Paulo) não são meras lembranças. Recentemente, um menino de apenas 13 anos esfaqueou sua professora e outras cinco pessoas na Escola Estadual Thomazia Montoro, na capital paulista. A professora de 71 anos foi socorrida, mas não resistiu aos ferimentos e faleceu. No mesmo dia, outra escola, em Nashville, nos Estados Unidos, foi invadida por uma ex-aluna que atirou e matou três crianças e três funcionários.
A maioria de ataques como esses foi motivada pelo bullying na escola e, como se não bastasse a própria violência, a ampla divulgação dos incidentes teve um efeito rebote indesejado. A Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo informou que nas 48 horas seguintes a esses atentados que aconteceram no mesmo dia, a Polícia Civil registrou “sete boletins de ocorrência envolvendo planos de adolescentes em relação a ataques em ambiente escolar”. A suspeita é que a repercussão na mídia tenha incentivado outros jovens a planejarem atos violentos semelhantes e o “efeito contágio” preocupa autoridades, tanto que, uma semana depois, outro ataque aconteceu: um rapaz de 25 anos entrou em uma creche em Blumenau (SC) e matou quatro crianças.
Um pedido de socorro
Para Erica Silva, (foto abaixo) educadora e psicopedagoga, diversos fatores fundamentam esse aumento da violência nas escolas, a começar pela falta de diálogo e de aconchego no âmbito familiar, o que gera a busca de refúgio na internet e aumenta a insegurança, o ódio e o desejo de vingança entre os adolescentes. “Um dos maiores desafios enfrentados pela escola é a falta de informação real da vida do aluno no cotidiano familiar, sua situação e o que ele está vivendo. A falta de participação da família tem piorado ainda mais essa realidade, levando a atos de violência como o que vemos nas escolas e nos noticiários. Se não houver nenhuma medida, a tendência para os próximos anos é de um grande aumento desses episódios, pois nossos adolescentes estão órfãos e doentes”, opina.
Casos de crianças, adolescentes e jovens noticiados ultimamente têm feito muitos se perguntarem sobre os problemas e conflitos que eles estão vivenciando. Nessa lista é frequente encontrar: ausência da figura materna ou paterna, bullying e ridicularização por parte dos colegas, desafios virais na internet, saúde mental e emocional fragilizada, complexo de inferioridade e baixa autoestima, transtornos alimentares, autolesão e fóruns na dark web (sites ocultos) que instigam a violência e outros males, como a depressão, que afeta 1 bilhão de pessoas no mundo, sendo 14% adolescentes, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Assim, o ápice de um problema acaba sendo consequência de outros ainda maiores. Com dificuldade de pedir auxílio, essa geração expõe seus conflitos ao apelar, inclusive, para a violência. “Essa dificuldade de pedir ajuda é natural. A sociedade ainda vê com maus olhos quem está em alguma situação de sofrimento mental e ainda tem preconceito contra algum tipo de acompanhamento psicológico e psiquiátrico. Então, além de uma dificuldade para pedir ajuda, há dificuldade em conseguir essa ajuda, mesmo que a pessoa queira e que ela seja necessária para que o indivíduo consiga superar os traumas e os problemas que está passando”, explica o psiquiatra Pedro Pinho.
Violência extracurricular
Um estudo realizado há poucos dias pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), por meio do Instituto Locomotiva, revelou que “48% dos estudantes e 19% dos professores afirmam ter sofrido algum tipo de violência em suas escolas”. Enquanto os professores citam serem vítimas – em ordem decrescente de ocorrência – de agressão verbal, bullying, furto, assédio moral, assalto, discriminação e agressão física, as ocorrências entre os estudantes giram em torno de bullying, agressão verbal, discriminação, agressão física, furto, assédio moral, violência sexual e assalto.
Não é de hoje que o ambiente escolar se tornou perigoso. A psicopedagoga Cristiane (foto abaixo) Endo acredita que a educação familiar mais permissiva e a falta de amor, carinho e atenção desde a primeira infância contribuem para esse cenário de violência e insegurança: “cada vez mais os professores se sentem inseguros, como se fossem para uma batalha, o que tem gerado inúmeros casos de síndrome de burnout, ansiedade e depressão. Isso os afasta da sala de aula e os que continuam lecionando acabam ficando sobrecarregados”.
É necessário entender o que de fato está acontecendo com esta geração – tanto a Z, nascida entre 1997 e 2009, quanto a Alfa, nascida a partir de 2010 – para saber como agir e, assim, ajudá-la a lidar com seus problemas e, consequentemente, garantir uma futura nação menos agressiva.
Há uma explicação?
Seja po conta da permissividade na educação familiar, seja a saúde mental fragilizada, seja o anseio de vingança pelo bullying sofrido ou a influência das redes sociais, nenhum ato de violência se justifica. No entanto é importante saber que existe uma série de transformações cerebrais acontecendo durante esse período de transição da infância para a vida adulta.
Estudos sobre o neurodesenvolvimento revelam que o cérebro do adolescente ainda está em processo de maturação e o jovem é mais sensível a emoções, o que gera um comportamento instintivo e até agressivo, além dele estar suscetível a influências. E, se levarmos em consideração que essa é a fase em que o ser humano está em busca de sua identidade, sua vulnerabilidade é ainda maior.
Assim, infelizmente, o ambiente escolar que outrora era um local de aprendizado acadêmico acaba sendo onde o adolescente é vítima de bullying, assédio ou de atitudes de inferiorização em relação aos colegas. Essas situações que, por sua vez, se tornam recorrentes no dia a dia dele, geram um histórico e, assim, ele opta por um ato violento que decorreu de um longo planejamento até chegar às vias de fato, conforme aponta o psiquiata Pedro Pinho: “dificilmente é alguém que toma essa atitude por impulso. São pessoas que normalmente já passaram por uma situação de desespero suficiente para se envolver numa atitude dessas”, alerta.
Pinho revela que há alguns sinais que mostram que um adolescente está próximo de explodir, como agressividade contra a família, alunos, professores e figuras de autoridade, agressões contra si mesmo, crises de raiva e irritabilidade, desprezo por coisas importantes e isolamento, quando passa muito tempo conectado no mundo virtual vendo vídeos ou frequentando fóruns de pessoas que também estão na mesma situação em que ele. Por causa disso, Pinho alerta que “é importante os pais saberem o que os filhos estão fazendo na internet”.
Aprendendo a ajudar
Os familiares não podem ser os últimos a saber o que está acontecendo com seus filhos. Antes, devem estar atentos para notar se eles estão lidando com algum problema e procurar ajudar da melhor maneira possível.
Walber Barboza, (foto abaixo) que coordena o Força Teen Universal (FTU), grupo destinado a ensinar e proteger adolescentes de 11 a 14 anos, ressalta que é fundamental que exista um relacionamento de confiança entre o adolescente e sua família. “Quando o adolescente confia nos pais, ele está confiando em alguém que o ama independentemente do que ele faz ou tem. Quando se tem uma relação de confiança, o adolescente fala, ouve, confia e isso o torna forte. Claro, os pais precisam ser de confiança e ser essa estrutura referencial”, destaca.
Também é necessário saber como ajudar na resolução dos conflitos. Barboza ensina que o primeiro passo é não julgar nem minimizar o problema ou querer vingança, expor a situação nas redes sociais ou discutir com os envolvidos, pois isso pode intimidar o adolescente. É preciso ouvi-lo com paciência, entender a situação e acolhê-lo.
Ele lembra que é muito importante estar atento ao que interessa a esta geração que vive um bombardeio de sugestões, propostas e desafios.
“A internet sugere uma vida irreal. O adolescente tem padrões morais e éticos deturpados pela influência da internet e, por isso, os pais têm que nortear o filho nos valores morais e éticos corretos, valores da Palavra de Deus. A Palavra de Deus tem que ser a estrutura moral porque é nEla que aprendemos a amar a Deus acima de todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos”.
Um estudo publicado na Revista de Psicologia do Instituto de Medicina, Estudos e Desenvolvimento (Imed), em 2017, revela que a espiritualidade e/ou religiosidade é um fator que contribui para a proteção dos adolescentes, promovendo fatores positivos no desenvolvimento, no comportamento social e no bem-estar psicológico, sendo uma fonte de amparo para a resolução de problemas. “Avaliar a importância e a frequência com que os adolescentes se envolvem com a religião é uma questão importante, pois indícios apontam que a religiosidade e a espiritualidade encontram na adolescência características peculiares que podem prover os jovens com recursos importantes para um desenvolvimento saudável”, diz o artigo. Ele sugere ainda que as instituições religiosas que oferecem opções de convivência e manutenção de vínculos (como é a proposta do FTU) podem resultar em uma maior frequência na igreja, transformando-a em uma “fonte de apoio”.
Sim, funciona!
Parece uma tarefa difícil, mas ela não é impossível. Um exemplo é o da cabeleireira Silvia dos Santos, de 52 anos. Sua filha, a adolescente Julia dos Santos, (foto abaixo) de 14 anos, foi vítima de bullying na escola e encontrou em casa o suporte necessário para lidar e superar essa triste situação.
Os colegas de Julia falavam de sua aparência, a oprimiam por não se envolver nas “brincadeiras” e ela chegou a ser impedida de se alimentar e de ir ao banheiro enquanto estudava. A adolescente foi acolhida em casa e a instituição escolar foi procurada para que lidasse com a situação da maneira mais adequada. “O estopim foi quando as meninas criaram uma situação e queriam bater nela. Sempre havia relatos de brigas na escola”, recorda Silvia, que transferiu a filha para outro estabelecimento.
No entanto a solução efetiva ocorreu com o trabalho do FTU. Silvia conta que aprendeu a entender melhor a como ajudar a filha, enquanto Julia aprendia a lidar com a situação da melhor maneira, conforme a adolescente revela: “no FTU aprendi que Deus poderia me ajudar a perceber que eu não precisava me martirizar pelas outras pessoas, não precisava me transformar negativamente só para agradar a terceiros e que sou amada do jeito que sou, principalmente por Jesus. Aprendi a me valorizar, a me amar e a criar um caráter segundo o de Deus”.
Com a mudança de perspectiva da família e as atitudes certeiras, Silvia viu o resultado benéfico na vida da filha e se tornou conselheira voluntária no FTU para ficar ainda mais perto de Julia e ajudar outros adolescentes a lidarem com seus conflitos da forma correta.
Pelo futuro de todos
Transformar esse cenário de violência nas escolas é uma responsabilidade coletiva. A psicopedagoga Erica Silva reforça que “esse trabalho de conscientização deve ser diário tanto nas escolas quanto em casa”. Já Cristiane Endo acrescenta que o lar deve ser esse ambiente de acolhimento, onde a criança e o adolescente encontram a presença da família, que deve existir o interesse dos responsáveis por aquilo que faz parte de suas vidas e que é preciso avaliar a vida acadêmica, as companhias e, inclusive, as redes sociais deles.
Ambas ainda defendem que o governo também tem sua responsabilidade nesse combate, capacitando intelectual e emocionalmente os educadores para que possam ajudar os estudantes em situação de vulnerabilidade e investir financeiramente para ampliar o quadro de profissionais. “O governo deve incentivar ações nas escolas para disseminar os conceitos de inclusão, respeito à diversidade e redução da violência”, finaliza Cristiane.
Quando se fala de crianças, adolescentes e jovens é comum trazer à memória a passagem de Provérbios 22.6 que orienta: “educa a criança no caminho em que deve andar; e até quando envelhecer não se desviará dele”. Isso reforça o quão essencial é cuidar dessa geração e ensiná-la a superar suas dificuldades da maneira correta, porque o futuro promissor que sonhamos depende de uma geração saudável, empática, respeitosa e pacificadora. Como? A resposta foi antecipada pelo salmista: “com que purificará o jovem o seu caminho? Observando-o conforme a Tua Palavra” (Salmos 119.9).
Uma virada de vida
“Comecei a sofrer bullying desde muito pequena, na escola. Eu era muito magra, tímida, tinha os dentes tortos e, por conta disso, ouvia comentários ofensivos o tempo inteiro, não conseguia fazer amigos e me sentia a pior pessoa do mundo. Eu achava que tinha nascido para sofrer e não entendia por que Deus permitia tanta maldade.
Eu me isolava na escola para não ser notada. Eu não conseguia nem pedir para ir ao banheiro ou tirar dúvidas sobre a matéria da aula, tamanha a vergonha que sentia de mim mesma, pois sabia que qualquer coisa que eu fizesse seria motivo para rirem e fazerem comentários a meu respeito. Tudo se agravava quando eu presenciava brigas entre os meus pais.
Isso foi gerando em mim traumas, medos e complexos. Passei a ser uma criança e, depois, uma adolescente fria, nervosa, ignorante e introvertida, mas, na calada da noite, longe dos olhos da minha família, eu chorava e questionava o porquê de vir ao mundo. Eu desejava dar um fim àquele turbilhão de sentimentos ruins dentro de mim.
Até que minha avó me convidou para passar a virada de ano na Universal com ela. Por não ter para onde ir ou com quem passar, aceitei sem muito interesse. Mas, nesse dia, uma luz brilhou para mim e tudo mudou quando entendi que não havia nascido para sofrer e que Deus me amava. Ali soube que nunca mais seria a mesma. Abri mão das minhas vontades, achismos e todo complexo causado pelas palavras e pessoas. Minha forma de pensar e agir mudou quando conheci a Deus.
Minha vida deixou de ser em preto e branco quando aprendi a me amar e entendi que, acima de tudo, sou amada por Deus.”
Thayna Monello, (foto acima) de 23 anos, auxiliar administrativa
Help nas escolas
Já ficou claro que esta geração está soltando um grito de socorro, não é? E, para ajudá-la, toda ação é bem-vinda, seja da família, seja da escola, seja do governo, seja de iniciativas coletivas, a exemplo do Projeto Help.
Com o lema Não te Julgo, te Ajudo, o projeto atua para conscientizar sobre a saúde mental, bullying e outros infortúnios com a realização de palestras motivacionais, atividades que promovam o autoconhecimento e gerenciamento das emoções, ações como o “cantinho do desabafo”, que faz escuta qualificada, além de mobilizações, como a de distribuição de cartas com mensagens motivacionais. Em todas as ações o tema é abordado de maneira leve, sem tabus e focando na superação, em vez de tratá-lo como algo problemático.
“Colocamos em prática uma série de estratégias para fazer com que as pessoas sejam alcançadas e, caso estejam em vulnerabilidade emocional, sejam ouvidas, compreendidas e ajudadas com uma palavra de motivação, fazendo com que ela consiga olhar a vida e o problema que está enfrentando com uma nova óptica de superação”, explica Cadu Souza, coordenador do projeto.
Os voluntários do Help em algum momento de suas vidas enfrentaram graves casos de saúde mental, têm uma trajetória de superação e alguns, inclusive, se profissionalizaram na área de psicologia. A ação Help nas Escolas já beneficiou mais de 250 mil alunos, ajudando-os a superar seus problemas e transformando o ambiente escolar em um local de respeito mútuo. Aceite essa ajuda! Escaneie o QR Code abaixo com a câmera do seu celular ou acesse projetohelp.com/escolas/ para obter mais informações e solicitar uma visita em sua escola.
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